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I e II Encontros Nacionais do PT: qual socialismo, que tipo de conquista do poder?

3. O Partido dos Trabalhadores e sua concepção do Estado

3.3 I e II Encontros Nacionais do PT: qual socialismo, que tipo de conquista do poder?

sociedade futura? Aqueles que colocam tais perguntas avançam, ao mesmo tempo, as

suas próprias interpretações, que visam, em alguns casos, criticar o Partido. Não seria o PT apenas um partido trabalhista a mais? Não seria o PT apenas um partido social- democrata, interessado em buscar paliativos para as desigualdades do capitalismo?”

Estas indagações pertencem ao discurso inaugural de Lula no I Encontro Nacional do PT, realizado na Assembleia Legislativa de São Paulo, nos dias 8 e 9 de agosto de 198154.

Ironicamente, o mesmo Lula que anos depois se orgulharia em dizer que, em seu governo, empreiteiras e banqueiros lucraram como nunca55, no início da década de 80 clamava que o

PT surgia não apenas para melhorar as condições do trabalhador explorado pelo capitalista, mas para alterar as relações entre trabalho e capital56. O discurso tem dois eixos centrais: 1)

aclamar o PT como um projeto partidário viável, tendo conquistado peso de massas, com 300 mil filiados em todo o país e 627 comissões municipais como preparação para as eleições de 1982; 2) discutindo contra aqueles que acusavam os fundadores do PT de “abandonar o sindicalismo para fazer política”, o discurso de Lula enfatizava o fato de que os sindicatos, controlados pelo governo, não eram suficientes para modificar a sociedade. Dessa maneira, concluía que o PT era a “ferramenta que nos permitirá atuar e transformar o poder neste país”57.

Mas, com qual objetivo? Neste discurso de agosto de 1981, Lula disserta, ainda que brevemente, sobre o rumo para o “socialismo democrático” no Brasil.

Não basta alguém dizer que quer o socialismo. A grande pergunta é: qual socialismo? Estamos, por acaso, obrigados a rezar pela cartilha do primeiro teórico socialista que nos bate à porta? Estamos, por acaso, obrigados a seguir este ou aquele modelo, adotado neste ou naquele país? Nós, do Partido dos Trabalhadores, queremos manter as melhores relações de amizade com todos os partidos que, no mundo, lutam pela democracia e pelo socialismo. Este tem sido o critério que orienta e continuará orientando os 54I Encontro Nacional do PT, “Discurso de Luiz Inácio Lula da Silva”, disponível em: https://fpabramo.org.br/csbh/wp-content/uploads/sites/3/2017/04/03-discursodelula1convecao.pdf .

55 Folha de S. Paulo, "Lula defende lucro de bancos e se diz vítima de preconceito", matéria de 2006.

56Como a história preencheu de ironias o discurso inaugural, não custa lembrar que, também aqui Lula menciona que “Queremos deixar bem clara uma coisa: no dia em que dirigentes do PT não puderem mais ir às

portas de fábrica, aos locais de trabalho, ou lá onde se luta pela terra, é melhor fechar o PT. Não somos um partido de gabinetes, de salas atapetadas, de conchavos nos bastidores”.

nossos contatos internacionais. Um critério de independência política, plenamente compreendido em todos os países por onde andamos, que devemos aqui declarar em respeito à verdade e como homenagem a todos os partidos amigos. Vamos continuar, com inteira independência, resolvendo os nossos problemas à nossa maneira [...] O socialismo que nós queremos irá se definindo nas lutas do dia-a-dia, do mesmo modo como estamos construindo o PT [grifo nosso]. (DISCURSO DE LULA, 1981)

Assim, ante a pergunta “qual socialismo?”, Lula se refugia na segurança da vagueza, sem dar nenhuma outra resposta senão o que poderíamos considerar como a tradução brasileira da velha fórmula de Eduard Bernstein, “o movimento é tudo, o objetivo final nada”58. A sentença com que termina o discurso, “Sabemos que caminhamos para o socialismo, para o tipo de socialismo que nos convém”, deixa entrever a vacuidade de conteúdo própria de quem se apropria do termo “socialismo” para melhor adormecê-lo, separando o objetivo da estratégia, assim como advertira contra a “limitação ao econômico” como meio adequado para conter uma política de independência de classe dos trabalhadores.

Em 1982, no II Encontro Nacional do PT, realizado no Instituto Sedes Sapientiae de São Paulo, a 27 e 28 de março, a mesma tese vaga sobre o “socialismo democrático” é desenvolvida na “Plataforma Eleitoral Nacional”59.

Seguindo a dinâmica dos documentos de fundação, discutidos anteriormente, a questão da natureza do Estado e suas funções brilha pela ausência nos debates dos primeiros Encontros. A própria questão da conquista do poder, que apareceu em algumas ocasiões – especialmente nos documentos “pré-PT” de 1979 – desaparece para dar lugar, sutilmente, à conquista eleitoral de cargos executivos.

Na mesma “Plataforma Eleitoral Nacional”, que afirma que “os meios de produção deveriam ser de propriedade social, servindo não aos interesses individuais de um ou outro proprietário”, a conclusão que se afigura, às vésperas das eleições para governador de 1982, é

O PT veio para mudar o Brasil. Comecemos já. Onde o PT ganhar prefeituras ou governos estaduais, esse postos serão colocados a serviço da mobilização e organização das classes trabalhadoras. À frente dos cargos executivos, o PT buscará, desde já, criar condições para a participação 58Sobre a famosa frase de Bernstein, ideólogo da socialdemocracia alemã, segundo a qual “para mim o objetivo final do socialismo não significa nada, o movimento é tudo”, ver debate de Donny Gluckstein, disponível em: https://socialismosemfronteiras.wordpress.com/2014/06/09/reforma-e-revolucao-em-rosa-luxemburgo-donny- gluckstein/ .

59“As relações de amizade que o Brasil deve ter com os povos que lutam pela democracia e pelo socialismo não significam, entretanto, que possamos importar de qualquer um desses países uma fórmula pronta de socialismo. Nosso socialismo será definido por todo o povo. Não nascerá de decretos, nem nossos, nem de ninguém. Irá se definindo nas lutas do dia-a-dia e será sinônimo de emancipação dos trabalhadores e de todos os oprimidos”. Plataforma Eleitoral Nacional, março de 1982, disponível em: https://fpabramo.org.br/csbh/wp- content/uploads/sites/3/2017/04/02-plataformaeleitoral.pdf .

popular organizada e autônoma, com poder de decisão na sua atuação política e administrativa. Para isso, recorrerá a plebiscitos, assembleias populares, conselhos de moradores e trabalhadores e outras formas que o movimento popular encontre [grifo nosso]. (PLATAFORMA ELEITORAL NACIONAL)

Assim, o objetivo é criar “condições para a participação popular” com a conquista de postos eleitorais no interior do velho aparato de Estado. Estamos nos referindo ao ano de 1982, ainda durante o período de agonia da ditadura militar. Nada é discutido sobre a utilização dos eventuais cargos conquistados para mobilizar das massas e preparar as condições para a derrubada da ditadura por meio da luta dos trabalhadores, que haviam protagonizado um enorme ascenso operário em 1979-80.

A queda do regime militar é discutida pelo PT nos marcos do processo eleitoral. A forma em que o PT propõe outorgar “poder de decisão” à participação popular é através de plebiscitos, assembleias populares e conselhos de moradores. A ideia de construir uma “alternativa de poder econômico e político”, de 1979, se converte numa bela imagem, que morde a própria cauda.

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