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III Encontro Nacional do PT: conquista eleitoral e tomada do poder

3. O Partido dos Trabalhadores e sua concepção do Estado

3.4 III Encontro Nacional do PT: conquista eleitoral e tomada do poder

A grande contradição do período final da ditadura militar, de 1982 a 1985, é que os militares perdiam força ao mesmo tempo em que o levante operário que culminou em 1980 era derrotado. Depois da derrota da primeira onda do ascenso operário em 1978-1980, os dois anos seguintes seriam de retrocesso e de ofensiva burguesa no marco da recessão. A recessão, o aumento do desemprego, a demissão dos ativistas operários e a ação dos grupos paramilitares de extrema direita, visando especialmente os jornais de esquerda, adquiriram influência considerável60. A crise da dívida em 1982 levou o Brasil à iminência de um

racionamento de combustíveis. Com o petróleo atingindo preço recorde no mercado internacional, o país chegou a considerar interromper sua importação, depois de problemas com o Iraque e a Arábia Saudita, principais fornecedores internacionais61.

Em função destes problemas, no Brasil, entre 1981 e 1983, a economia retrocedeu em 10% e a inflação passou de 77% em 1979 para 178% em 198362. Com a recessão, estava na

mesa a ameaça sempre presente de uma retomada do ascenso operário, ao que se somava o

60Thiago Rodrigues, “A campanha das ‘Diretas Já’ como mecanismo da transição conservadora”, Revisa Ideias de Esquerda, disponível em: http://esquerdadiario.com.br/ideiasdeesquerda/?p=204 .

61“Crise da dívida externa de 1982 provocou escassez de petróleo”, O Globo, 02/09/2012, disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/crise-da-divida-externa-de-1982-provocou-escassez-de-petroleo-5980432 .

problema dos pobres urbanos, fruto do êxodo rural, que colocavam o tema da falta de terra e moradia novamente à baila. A partir de 1982, se dão grandes lutas de operários agrícolas (chamados “boias-frias”) em Pernambuco, Alagoas, São Paulo e outros estados e organização de movimentos de desempregados.

As eleições executivas de 1982 (para governadores, deputados estaduais, vereadores e prefeito – excluídas as capitais e cidades consideradas de segurança nacional) foram uma imagem distorcida do rechaço popular à ditadura agravado pela recessão. O PMDB conseguiu eleger governadores e senadores em nove Estados e conquistou 200 cadeiras na Câmara dos Deputados naquele ano63. O PT teve boa votação em São Paulo, mas à exceção do estado não

havia logrado resultados que fizessem jus às expectativas do Diretório Nacional64.

A ala majoritária do PMDB (os “moderados”) trabalhava junto com o governo militar65

para impedir que a agonia econômica desse ensejo à radicalização das lutas operárias e populares. De 1983 ao início de 1984, os distúrbios econômicos começavam a colocar em risco a preservação pacífica da ordem social. Se a revolta dos pobres urbanos se unificasse com o movimento operário organizado em São Paulo e no ABC paulista, havia a possibilidade de um ascenso mais forte que o de 1978-80 derrubasse a ditadura por via revolucionária.

É nesse contexto que se dá, no ano seguinte, o III Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores, realizado no Pampas Palace Hotel de São Bernardo do Campo, entre os dias 6 e 8 de abril de 1984.

No principal documento do III Encontro, “Teses para a atuação política do PT”66,

parte-se do balanço do baixo aproveitamento eleitoral do partido nas eleições de 1982 para constatar que o PT possuía dificuldades em traduzir o objetivo de “organizar politicamente os trabalhadores em propostas concretas, isto é, num projeto alternativo para a sociedade”. A situação política então, segundo o documento, exigia do PT “uma resposta partidária que se

62IPEA, “Anos 1980, década perdida ou ganha?”, 15/06/2012, disponível em: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2759:catid=28&Itemid=23 .

63KINZO, Maria D’Alva. “A democratização brasileira: um balanço do processo político desde a transição”,

Dezembro de 2001, disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-

88392001000400002&script=sci_arttext&tlng=es .

64Veremos adiante no próprio balanço presente nas “Teses para a atuação do PT”, aprovadas no III Encontro Nacional de 1984.

65Ver KINZO, Maria D’Alva.

66“Teses para a atuação política do PT”, abril de 1984, disponível em: https://fpabramo.org.br/csbh/wp- content/uploads/sites/3/2017/04/06-tesesparaaatuacaodopt.pdf .

materialize, imediatamente, num programa de ação e numa direção política capaz de contribuir para a organização e para a luta dos trabalhadores”.

Este programa de ação, mirando o objetivo de instalar o PT como “partido nacional de massas”, guiava-se pela separação dos trabalhos dos núcleos de base – que deveriam estar dedicados “às lutas do bairro, do local de trabalho, da categoria profissional” – do trabalho dos parlamentares petistas, devotados à elaboração e aplicação da política nacional do partido. O controle da política partidária pelos parlamentares e dirigentes sindicais, política sobre a qual os membros de base não tinham qualquer mecanismo de influência, tornou-se uma marca do PT. É ilustrativo observar a maneira com que o documento retrata as linhas gerais do nascente parlamentarismo petista:

O Parlamento (nas suas diversas casas legislativas) deve ser utilizado pelo PT como espaço político para combater projetos e medidas antipopulares, originados do Executivo, do próprio Parlamento ou de grupos de pressão do poder econômico e político dominante; para fiscalizar o uso de recursos públicos e o andamento da administração pública; para denunciar todas as medidas contrárias aos interesses da classe trabalhadora; para apresentar e fazer aprovar medidas legislativas em benefício dos trabalhadores; para divulgar as propostas, as diretrizes, o programa e as idéias do PT. Nessa linha, o PT deve, ao mesmo tempo, esclarecer os trabalhadores sobre as limitações do Parlamento, bem como lutar continuamente para que o Parlamento recupere suas prerrogativas políticas e sua independência diante do Executivo [grifo nosso] (TESES).

No plano da atividade parlamentar, a atuação do PT se confinava, segundo o próprio documento, a inspecionar o poder burguês e o “andamento da administração pública”, reservando-se o lugar de oposição no Parlamento. A questão não se resume à denúncia das medidas contrárias à classe trabalhadora. Esse mecanismo estatal “democrático” reservava ao PT a posição de ala esquerda do regime político da transição pactuada, e não poderia incluir naturalmente um preceito básico da atuação parlamentar para o marxismo: a utilização da tribuna para fortalecer a luta de classes extraparlamentar, verdadeiro “centro de gravidade” de um partido que busca conquistar o poder dos trabalhadores e quebrar a maquinaria do Estado capitalista.

Ao contrário de ressaltar as limitações do Parlamento, enaltecia sua predominância sobre toda a atividade partidária. Em meio à agonia da ditadura militar no período 1982-84, a ideia de “recuperar as prerrogativas políticas” do Parlamento, no interior do Estado capitalista, admitia apenas uma opção: a conversão crescente do PT em sombra política da burguesia, privando de direção independente os trabalhadores descontentes com o governo militar.

O principal efeito desta noção se expressa na compreensão adotada, já aqui claramente, do significado da “conquista do poder” pelo PT através da escola do parlamentarismo:

Na atual conjuntura, o PT luta pelo fim do Regime Militar no Brasil. Por isso quer eleições livres e diretas e luta pela chegada dos trabalhadores aos governos municipais, estaduais e nacional. [...] O PT não seria um partido político se não almejasse o poder. Também não seria um partido político se limitasse suas atividades apenas ao plano da denúncia, da crítica e da reivindicação, recusando-se a pensar na sua possibilidade de ser governo e, ainda mais, em conquistar o poder. Chegar ao poder significará, para os trabalhadores, ter acesso a condições e meios para ajudar as transformações econômicas, sociais e políticas desejadas pelos trabalhadores e pela maioria da população. Para transformar a sociedade, não basta tomar o poder do Estado. Para nós, o poder não apenas se toma, mas também se constrói. O PT confia na possibilidade de construir o poder a partir das bases da sociedade, dos movimentos populares, dos sindicatos e de outras formas de organização dos explorados – como, por exemplo, a criação de conselhos populares – e desenvolver esse poder com uma política de crescimento, de acumulação de forças e de construção de uma alternativa popular. [...] Essa participação deve conduzir a uma sociedade sem explorados nem exploradores, e sem a divisão entre governados e governantes. A nossa luta é pela construção do socialismo [grifos nossos]. (TESES)

A identificação entre a conquista eleitoral de cargos executivos, por parte do PT, e a noção de conquista do poder pelos trabalhadores é marcante nas Teses de 1984. O termo “socialismo” é compreendido como tendência progressiva à auto-integração ao regime. A participação popular é associada à incorporação das massas no interior do aparelho de Estado através da criação de “conselhos populares” que teriam como tarefa primordial sustentar a fiscalização do velho poder. É dessa forma precária de participação, sem qualquer peso relevante sobre os verdadeiros fatores de poder, que deveria surgir uma sociedade “sem explorados nem exploradores”.

Seria difícil negar que, para o PT, o objetivo de alcançar o socialismo; transformar economicamente a sociedade; alterar a relação de forças entre trabalho e capital; eliminar a divisão entre exploradores e explorados; em uma palavra, tomar o poder, estivessem reduzidos à simples ocupação das instituições estatais pelos seus parlamentares. Um programa dessa natureza, que deixa intacta a velha parafernália estatal dos capitalistas, seus funcionários, sua burocracia e suas forças repressivas – com a diferença de ser “fiscalizada” e conduzida pelo PT – revelava a vocação pela conciliação de classes e a concepção intrinsecamente socialdemocrata do poder, que se fortalecia a passos largos após meros quatro anos de existência partidária.

A julgar pela análise dos documentos, não parece precipitado concluir que, ainda sem estar literalmente expressa, a concepção do socialismo como integração pacífica, pela via

parlamentar, aos mecanismos do Estado foi estabelecida programaticamente já no III

Encontro de 1984. No plano teórico, a ausência de um sentido dos fins pelo debate profundo acerca da natureza do Estado levava à solidificação de uma concepção socialdemocrata deste: o Estado como órgão de conciliação de classes, capaz de ser democratizado (e não destruído) pela participação e pressão popular.

O programa de governo do PT tem de estar ligado ao programa e às plataformas e resoluções do Partido. Em consequência, um governo conquistado pelo PT deve estar a serviço da ampla organização e mobilização dos trabalhadores, sob o lema Trabalho, Terra e Liberdade, reforçando sua caminhada rumo à construção de uma sociedade sem explorados e sem exploradores. (TESES).

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