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Indústria Petrolífera: a Petrobrás alvo da terceirização

4. A terceirização e a precarização do trabalho nos governos do PT

4.3 Indústria Petrolífera: a Petrobrás alvo da terceirização

No caso da indústria petrolífera, monopolizada pelo Estado, a situação é extremamente grave. Todas as pesquisas de natureza qualitativa e quantitativa demonstram um crescimento desenfreado da terceirização em atividades nucleares, como manutenção, montagem e operação. Em 2008, havia 260.474 terceirizados e 74.240 contratados diretos, uma relação de 3,5 terceirizados para cada trabalhador contratado (Ibase, 2008)138. É também nessa empresa que se evidencia um dos efeitos mais perversos da terceirização: os acidentes de trabalho e, entre eles, os acidentes fatais, que atingem majoritariamente os terceirizados. Entre 1998 e 2005, a relação de acidentes fatais entre terceirizados e contratados foi de 22 para 4 em 1998 e de 13 para 0 em 2005 (Dieese, 2007). Em 2007, 16 trabalhadores morreram em acidentes na empresa, dos quais 15 eram terceirizados (Frente Nacional dos Petroleiros, 2011).

A Petrobrás, fundada em 1953, é uma sociedade anônima de capital aberto, que chega ao final de 2009 como a quarta maior companhia de energia do mundo (conforme dados da consultoria PFC Energy). Atua na área de óleo, gás e energia e, de forma integrada, nos segmentos de exploração, produção, refino, comercialização, transporte, petroquímica e

138“Outro dado que merece destaque é o aumento significativo na proporção do número de pessoas

terceirizadas face ao número total de empregados(as) diretos. Percebemos uma tendência das grandes empresas na contratação de terceirizados e quarteirizados, mesmo em suas áreas fins. E isso ocorre, muitas vezes, sem o comprometimento direto da grande companhia com a garantia de direitos fundamentais e o pagamento de encargos e benefícios – que ficam a cargo de pequenas e médias prestadoras de serviço, que aparecem, desaparecem e mudam seus nomes com muita facilidade. Muitas pessoas terceirizadas convivem diariamente com empregados(as) diretos da grande empresa, desempenham funções semelhantes, mas são preteridas na hora da distribuição de lucros e diversos benefícios e garantias legais”. Ibase, ver em:

distribuição de derivados. Em todos os governos da Nova República representou um importante símbolo internacional da economia brasileira, já que é a maior companhia exploradora do mundo em águas profundas, detendo 23% das operações nessa atividade139. Não à toa, é um dos alvos principais das petrolíferas estrangeiras, como a Shell, a Total e a Chevron, cujos interesses financeiros são ecoados, por meios tortuosos mas seguros, pela Operação Lava Jato. Entretanto, mesmo nos governos do PT, a empresa não se viu infestada apenas por esquemas ilícitos (que têm origem muito anterior, e atravessam toda a Nova República140): a pandemia da terceirização – com efeitos fatais para centenas de trabalhadores – se fez sentir durante a década de 2000.

Em 2011, houve diversas paralisações na Petrobrás por ocasião da morte de 11 trabalhadores. Até então, o número de trabalhadores que morreram pela precarização das condições de trabalho na estatal era de 300 petroleiros nos últimos 16 anos, dos quais 243 eram terceirizados141.

A terceirização não se configura como um fenômeno novo na indústria de petróleo, particularmente no segmento de exploração e produção, já que, internacionalmente, desde as primeiras décadas do século XX, engendrou-se em torno das companhias de Petróleo uma extensa rede de produtos e serviços oferecidos por firmas especializadas. Dentre essas Companhias, pode-se citar a Halliburton (cimentação de poços), Baker & Huges (brocas convencionais) e Schlumberger (sondagem de poço) que, no caso brasileiro, prestam serviços à Petrobrás, na Bacia de Campos, há pelo menos 20 anos. (DIEESE, 2002).

Mencionaremos, no capítulo seguinte dedicado ao golpe institucional no Brasil, o grande peso que detém os interesses das empresas estrangeiras, como a Halliburton e a Schlumberger, no destino da Petrobrás. Estes monopólios, vinculados a poderosos fundos de investimento da Europa e dos Estados Unidos, também possuem franca abertura para intervir nas condições de trabalho dos funcionários da petrolífera brasileira142.

139Cumpre destacar que com as descobertas do pré-sal o Brasil dobrou suas reservas (hoje, de 14 bilhões de barris) e também sua produção até 2020, o que representa um crescimento médio de 8,8% ao ano, o maior da indústria mundial.

140Para exame detalhado sobre este tema, referimos a obra “Estranhas Catedrais: As empreiteiras brasileiras e a ditadura cívico-militar” (Editora da UFF, 2014), do professor do departamento de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Pedro Henrique Pedreira Campos. Na obra, mostra-se como as mesmas construtoras que hoje estão no banco dos réus da operação Lava Jato já pagavam propinas e se organizavam em cartéis durante o regime militar, inclusive na Petrobrás.

141“Insegurança na Petrobras matou 300 trabalhadores nos últimos 16 anos”, Viomundo, disponível em:

http://www.viomundo.com.br/denuncias/inseguranca-na-petrobras-matou-300-trabalhadores-nos-ultimos-16-

O avanço do processo de terceirização para áreas até então consideradas nobres (manutenção e operação) coincide com a desregulamentação do setor e com a adoção de um novo modelo de organização por parte da Petrobrás. Este modelo, segundo o DIEESE, implantado em outubro de 2000 (bem antes da revelação dos escândalos de corrupção), dividiu a empresa em quatro áreas de negócios – Exploração e Produção (E&P), Abastecimento, Gás e Energia, Internacional – duas áreas de apoio – Financeiro e Serviços – e as unidades corporativas, ligadas diretamente ao Presidente da empresa.

Nesse sentido, foram-se formulando soluções mais “simples”, nas quais a terceirização com precarização das relações de trabalho apareceu como estratégia para redução de custos, tornando-se a prática mais adotada. Se, num primeiro momento, concentrou-se em serviços altamente especializados, em uma segunda etapa, expandiu-se para praticamente todos os segmentos da atividade.

A novidade é a generalização desta prática em setores até então considerados estratégicos (DIEESE, 2009). Dentre os setores terceirizados na Petrobrás, podemos destacar: Alimentação, Análise laboratorial, Almoxarifado, Cimentação e complementação de poços, Montagem e construção de projetos, Informática, Limpeza predial, Manutenção (predial, mecânica, caldeiraria, soldagem, elétrica, instrumentação, refratários, isolamentos térmicos e de inspeção de equipamentos), Movimentação de cargas, Perfuração e perfilagem de poços, Operação de sondas, Serviços médicos e administrativos, Transporte, Utilidades e vigilância.

Não apenas durante os governos neoliberais de Fernando Henrique Cardoso, na década de 1990, mas os governos do PT no decênio seguinte tiveram como paradigma a naturalização da subcontratação e da terceirização do trabalho como modus operandi da Petrobrás. Para dar conta dessa evolução, desde 2003 (primeiro ano do governo Lula), o número de trabalhadores terceirizados na Petrobrás foi sempre maior que o número de efetivos; a relação de proporção apenas aumentou. O número de trabalhadores efetivos do Sistema Petrobrás em 2014 era de 86.108 empregados (incluindo a Petrobrás Controladora e todas as suas empresas no Brasil e no exterior). Em 2002, esse número era de 40.395 empregados. Em 2002, o número de empregados de empresas prestadoras de serviços (terceirizados) era de 121.225; em 2014, foram 360.180 terceirizados143. Portanto, segundo dados de 2014, havia mais de quatro vezes mais trabalhadores terceirizados que efetivos na Petrobrás. O número de concursados saltou de 40 mil para 86 mil. No entanto, a participação desses concursados no total da força de 142Em 2010, a Halliburton, multinacional do óleo e do gás que atua em 80 países e presta serviços à Petrobrás, demitiu 100 trabalhadores terceirizados em Mossoró, no Rio Grande do Norte. Ver em:

trabalho da Petrobrás caiu pela metade nos últimos 12 anos. Saltando de 49 mil para 360 mil, a terceirização teve crescimento de mais de 630%. Em 2001, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, os concursados já eram minoria: 45% dos empregados. Hoje, eles são apenas 20% do quadro de trabalhadores da Petrobrás144.

De fato, as razões dadas pela Petrobrás, quando seu presidente era Sergio Gabrielli durante o primeiro governo Dilma Rousseff em 2011, justificava os parâmetros de utilização da terceirização, e não se opunha de forma alguma a ela:

A empresa também se posiciona em relação ao tema, apontando e propondo possíveis diretrizes para legislação: foco em contratação de serviços; preservar as competências estratégicas na companhia quando da decisão sobre contratar; contratar serviços na medida da necessidade da companhia e disponibilidade do mercado e seu fomento/desenvolvimento; incluir atividades executadas internamente; otimizar utilização de recursos próprios e de terceiros; basear a contratação de serviços na competitividade dos negócios; explicitar áreas de capacitação permitidas; incluir no instrumento contratual mecanismos para impedir a precarização do trabalho e vincular pagamento de faturas condicionado ao cumprimento das obrigações trabalhistas, previdenciárias e fundiárias e responsabilizar subsidiariamente a contratante; incluir mecanismos para impedir ingerência nas empresas contratadas; assegurar o cumprimento das exigências de segurança, meio ambiente, saúde e responsabilidade social na execução de serviços contratados; monitorar custos e resultados empresariais, incluindo a capacidade técnica dos profissionais; estimular desenvolvimento de profissionais; considerar as novas tecnologias e seus impactos nas relações entre contratante e contratada; práticas de gestão empresarial abrangendo empregados de prestadoras sem estabelecimento de vinculo. (INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL, 2011, p. 17)

As próprias organizações sindicais tem dificuldade em fornecer dados precisos sobre o número de empresas terceirizadas que operam na Petrobrás; nas estimativas de 2011, pode-se atingir mais de 1000 empresas que atuam nas mais diversas áreas. Com dados da própria FUP

143“Contratação de terceirizados: respostas ao jornal O Globo”, 02/06/2014. “Ao defender a gestão da

Petrobrás no embate com a oposição nas CPIs abertas no Congresso, o governo cita a realização de 18 concursos públicos desde 2003, que fizeram dobrar o quadro de efetivos da estatal nos mandatos de Lula e Dilma. O número de concursados saltou de 40 mil para 86 mil. No entanto, a participação desses concursados no total da força de trabalho da Petrobrás caiu de 25% para 20% nos últimos 12 anos. Isso porque, no mesmo período, houve uma explosão na contratação de terceirizados, que saltaram de 121 mil para 360 mil, um crescimento de quase 200%. Nos últimos 12 anos, entraram ‘pela janela’ sete vezes mais contratados indiretamente do que o total de concursados efetivados. Em 2002, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), os concursados já eram apenas 25% dos empregados. A continuidade da política de terceirização reduziu essa participação ainda mais, para 20% do quadro de trabalhadores da Petrobrás. ” (O

Globo, 2/6/2014).

144Cf. Petrobrás contrata quase 10 vezes mais terceirizados, http://blogdopetroleo.com.br/petrobras-contrata- quase-dez-vezes-mais-terceirizados-2/, 2014.

(Federação Única dos Petroleiros, dirigida pela CUT), no setor de análise de amostras, no mesmo período, a terceirização chegava a 80%145.

Neste quadro, um exemplo de nova modalidade de contratação na estatal foi o chamado contrato de “facilities”. Neste acordo comercial, nada há que privilegie a contenção da “precariedade do trabalho”: as prestadoras de serviços são contratadas para entregar o serviço pronto. Ao contratar uma empresa de limpeza, por exemplo, a mesma se responsabiliza pelo fornecimento do quadro de funcionários e pelo material utilizado, assim como no caso de empresas de manutenção. Um tipo tal de prestação de serviços tem como característica a informalidade e a transitoriedade, um serviço efêmero que anula qualquer vínculo com a empresa tomadora. Dessa maneira, a Petrobrás não responde subsidiariamente quando a prestadora de serviços não cumpre suas obrigações trabalhistas. Curioso que a preocupação se anuncie como “estimular desenvolvimentos profissionais”, quando a única certeza de um trabalhador terceirizado é que em questão de poucos meses estará desempregado ou servindo provisoriamente uma empresa completamente distinta.

Durante a presidência de Sergio Gabrielli, que é professor licenciado da Universidade Federal da Bahia (UFBA), estabeleceu-se, portanto, a terceirização como um procedimento regulamentado institucionalmente na Petrobrás. Alegadamente, incluía-se nos contratos com a empresa terceirizadora mecanismos para “impedir a precarização do trabalho”, uma motivação incompatível com a própria concepção da terceirização – um contrato depreciado, rotativo, realizado com trabalhadores que não recebem o treinamento técnico e a instrução de segurança necessários para cumprir a função, com o objetivo de reduzir custos à empresa tomadora de serviços, e incrementar os lucros da empresa terceirizadora. Adotar a contratação terceirizada com o fim de “impedir a precarização” é como aliar-se com o diabo para aparar seus chifres e suas garras.

Sem dúvida é correto pontuar a acentuação da terceirização durante as administrações do PSDB, cujo símbolo foi o afundamento da plataforma P-36, na Bacia de Campos, em 2001. Tanto Fernando Henrique Cardoso, quanto seu então ministro da Casa Civil, Pedro Parente – insolitamente, presidente da Petrobrás na presidência de Temer – aceleraram a introdução institucional da terceirização como forma de facilitar a operação ideológica que tratava de justificar o programa de privatização da estatal. Não se poderia esperar algo distinto de uma força política que reivindica desabridamente a representação das finanças

145Cf. A terceirização na Petrobrás: 2011, Instituto Observatório Social,

http://www.redlat.net/site/wp-content/uploads/2015/12/01-05-2011_09-petrobras- terceirizacao.pdf.

internacionais no país. A inexistência no pioneirismo da precarização, entretanto, não exime os governos do PT deste flagelo sobre os trabalhadores da indústria petrolífera: ilustra, de fato, que o “neodesenvolvimentismo petista”, à testa do Estado, caminhou de mãos dadas com a deterioração de pressupostos básicos dos direitos trabalhistas.

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