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Imagens mescladas: Futebol Guerra, Violência e Morte

TOTAL: 995 Figura 24: Listagem dos domínios-fonte identificados (ordem quantitativa)

3.2.1. Imagens mescladas: Futebol Guerra, Violência e Morte

Tendo em conta as observações já exploradas nos pontos anteriores, a metáfora conceptual FUTEBOL É GUERRA121, confronto, violência e morte, foi, de longe, a mais frequente e significativa, com um total de 158 ocorrências encontradas (135 ocorrências da imprensa digital e 23 ocorrências da imprensa tradicional). Estes resultados estão em sintonia com um conjunto interessante de estudos sobre a conceptualização metafórica do futebol, sendo o desporto o domínio-alvo e a guerra o domínio-fonte (vide ponto 2.1.) Esta projecção efectua-se através de uma série de correspondências, i.e. mapeamentos ontológicos e epistémicos entre os dois domínios. A guerra é entendida, aqui, na sua dimensão de experiência bélica concreta, executada através de um conjunto de elementos essenciais, indispensáveis à sua realização. Como experiência concreta, mas não necessariamente vivida, a guerra é conceptualizada como um confronto de dois adversários, dos quais se espera que um ganhe e que o outro seja derrotado:

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vide Kövecses (2002:75) que considera as raízes culturais e históricas como uma das bases para a conceptualização metafórica: “the target domain took its historical origin as its source domain” e apresenta o exemplo da metáfora conceptual “Sport is war”.

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“Es geht dabei darum, eine bildhafte Analogie zwischen dem Gemeinten und etwas vielleicht besser Bekannten herzustellen. Dies geschieht indem man die eine Sache einfach als die andere bezeichnet oder beide gleichsetzt. Weil in den Ballsportarten jeweils zwei Parteien um Sieg oder Niederlage ringen, ist zur Beschreibung der Spiele vor allem das Bild vom Krieg oder Kampf in besonderer Weise geeignet, das vielen inzwischen gängigen Bezeichnungen zugrunde liegt.“ (Burkhardt, 2006a:9)

O confronto realiza-se com recurso a armas específicas e é organizado por etapas, por exemplo, avanços e recuos das partes envolvidas. O cenário é um campo de batalha para a qual são delineadas uma série de estratégias específicas. Para que a metáfora conceptual resulte, as características do domínio da experiência concreta são, então, mapeadas sobre o domínio-alvo, criando, assim, um mapeamento conceptual de correspondências entre os dois domínios:

“Natürlich gilt das auch und in besonderem Maße für den Fußball, der von Anfang an nach dem Muster von Angriff und Verteidigung, Sieg und Niederlage konzipiert war: Im Rahmen dieses Modells werden daher Gegner attackiert und der Ball geschossen. Der Bomber der Nation kann eine Granate ins obere linke Eck abfeuern oder einen Kopfballtorpedo machen. Man kann dem Gegner ins offene Messer laufen, wenn man auf dessen Kontertaktik hereinfällt, mit offenem Visier kämpfen und das Spiel so zu einer offenen Feldschlacht werden lassen, in deren Verlauf Gegner niedergemetzelt werden und an deren Ende der Besiegte geschlagen vom Platz geht.“ (Burkhardt, 2008:75)

As metáforas emergentes do domínio-fonte da guerra conceptualizam a maior parte dos desportos de competição. São frequentemente utilizadas para descrever os jogadores, suas acções e emoções antes, durante e após os jogos. Apesar dos mesmos assumirem o papel principal da competição, os mapeamentos estendem-se ao jogo em si, às tácticas de jogo, ao campeonato em questão, aos árbitros, treinadores e espectadores. O cenário conceptual de guerra torna-se quase omnipresente. Este facto é frequentemente criticado, apesar das analogias entre os domínios serem por demais óbvias:

“In solchen Polemiken wird in der Regel übersehen, dass einige Grundzüge der Ballspiele und insbesondere des Fussballspiels eine Metaphorik aus dem Bereich des Militärwesens durchaus naheliegend und sinnvoll erscheinen lassen. Der Ablauf eines Fuβballspiels hat augenfällige Parallelen zu einer ,klassischen Feldschlacht: Zwei Parteien stellen sich auf einem Feld zum Kampfe auf und treten, angeführt von einem Spielführer, mit dem erklärten – und im Sport legitimierten – Ziel an, den Gegner zu besiegen, zu schlagen; man spielt nicht mit einer anderen Mannschaft, sondern spielt, kämpft gegen den Gegner. Die Aufstellung der Mannschaft erfolgt nach einem ausgeklügelten Plan, man formiert sich in Reihen, wobei

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jeder Reihe bestimmte, vorher verabredete und festgelegte Funktionen zukommen: Verteidigung des eigenen Bereichs: die Defensive, Angriff auf den gegnerischen Bereich: die Offensive.“ (Dankert, 1969:122-123)

Mapeamentos baseados na macro-metáfora da guerra são muito comuns e abrangem, para além do desporto, outros domínios. Já Lakoff, Johnson (1980a) defendiam e existência das metáforas estruturais LOVE IS WAR e ARGUMENT IS WAR122:

“The point here is that not only our conception of an argument but the way we carry it out is grounded on our knowledge and experience of physical combat. Even if you have never fought a fistfight in your life, much less a war, but have been arguing from the time you began to talk, you still conceive of arguments, and execute them, according to the AGRUMENT IS WAR metaphor because the metaphor is built into the conceptual system of the culture in which you live.” (Lakoff, Johnson, 1980a:63-65)

Lakoff e Johnson (1980a:68) evidenciam claramente o contexto cultural subjacente à conceptualização metafórica: “(…) all have a strong cultural basis. They emerged naturally in a culture like ours because what they highlight corresponds so closely to what we experience collectively and what they hide corresponds to so little. But not only are they grounded in our physical and cultural experience; they also influence our experience and our actions.”

Se é verdade que a conceptualização do conceito é geralmente unidireccional123 pois processa-se, na maioria dos casos, no sentido do conceito abstracto para o mais concreto - “If such metaphorical understandings exist, then it would make sense that semantic change would manifest a general pattern, a movement from the more concrete and physical toward a more abstract and nonphysical. There is ample evidence of just such a directionally change.” (Johnson, 1987:107f) - no caso do futebol, o processo de conceptualização não pressupõe, aparentemente, a referida necessidade de concretização de conceitos abstractos, pois o jogo de futebol é igualmente concreto. Assistiu-se sim, a nosso ver, a uma necessidade conferir a este desporto, principalmente aquando do seu aparecimento na era moderna (vide ponto 3.1.1.), um conjunto de termos específicos que ilustrassem de forma eficaz a estrutura, a construção e o funcionamento desta competição. Neste contexto, o domínio-fonte da guerra afigurou-se como ideal para realçar e evidenciar as características do jogo competitivo, tal como referimos anteriormente. Existem, por exemplo, evidências que reforçam o contexto guerreiro como motivação imediata. O aparecimento e proliferação do futebol moderno, nos

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Vide Lakoff, Johnson (1980:61-64) e Ungerer, Schmid (1996:123) que optam pelo modelo cognitivo mais específico da batalha (BATTLE).

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159 finais do século XIX e início do século XX, coincidiu não somente com o início da Industrialização, como também se assistia à forte presença de um clima militar:

“Was das Militärische in der Fuβballsprache betrifft, so liegen die Anfänge der Fuβballbewegung in einer Zeit, in der das Militär einen beherrschenden Einfluβ auf das tägliche Leben ausübte. Die Zeit zwischen der Mitte des 19. und dem Beginn des 20. Jahrhunderts war eine Ära, in der militaristische Töne eine Politik des Säbelrasselns untermalten und das nationale wie individuelle Selbstverständnis und die Handlungsweisen, damit auch die Sprache, prägen muβten.So entwickelte sich der Sport und gerade ein solches betont auf Kampf eingestelltes Spiel wie der Fuβball in seiner Terminologie eine Aufnahmebereitschaft (…)“ (Gerneth, Schaefer, Wolf, 1971:209-210)

Esta vertente bélica estava igualmente presente nas escolas e na educação em geral, daí que muitos dos desportistas tenham, na altura, usufruído de uma educação militar o que facilitava e potenciava a compreensão de um discurso guerreiro.

Historicamente, sempre existiu uma estreita relação entre a prática do futebol e a guerra. Os primeiros registos de um desporto jogado com bola, extremamente violento (muitas vezes, a cabeça decepada de um inimigo substituía a bola), em que se utilizavam os pés para impulsioná-la, remontam à China, onde se encontram registos de 2600 a.C., sobre a prática de um jogo chamado "Tsu Chu” (bater com os pés numa bola) usada para o treino militar e a sua variante Japonesa chamada “Kemari”, cerca de 500 anos mais tarde124. Durante toda a Idade Média, e por muitos séculos depois, realizou-se na Inglaterra um jogo de bola que pode ser considerado o mais importante precursor do futebol moderno. A disputa acontecia cada Shrove Tuesday (terça-feira gorda), entre os habitantes da cidade: um número ilimitado de participantes (por vezes de 400 a 500 de cada lado) corria atrás de uma bola de couro com

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“Die früheste Form des Spiels, die wissenschaftlich belegt ist, findet man in einem chinesischen Militärhandbuch aus dem zweiten bzw. dritten Jahrhundert vor Christus. Dieses erste als "Tsu' Chu" bezeichnete Ballspiel aus der Han-Dynastie bestand darin, einen mit Federn und Haaren gefüllten Lederball durch eine nur 30 - 40 cm breite Öffnung in ein schmales Netz zu befördern, das an zwei langen Bambusstangen befestigt war. In einer Variante dieser Übung konnte der ballführende Spieler nicht frei darüber entscheiden, wie ein Punkt erzielt werden sollte. Der Ball durfte lediglich mit den Füßen, der Brust, dem Rücken und den Schultern gespielt werden, während es gleichzeitig galt, die Gegenspieler auf Distanz zu halten. Die Zuhilfenahme der Hände war schon damals untersagt. Eine andere Variante des Spiels, die ebenfalls in Fernost ihre Wurzeln hat, ist das japanische Kemari, das ca. 500 - 600 Jahre später entstand und noch heute gespielt wird. Es handelt sich hierbei allerdings um eine Variante, die im Gegensatz zu "Tsu' Chu" auf eine kampfbetonte Balleroberung verzichtet. Die in einem Kreis stehenden Akteure spielten sich dabei auf relativ engem Raum gegenseitig den Ball zu, ohne dass dieser den Boden berühren darf. Das griechische "Episkyros" - von dem es nur noch wenige Überlieferungen gibt - war weitaus aktiver als das römische "Harpastum". Letzteres wurde von zwei Mannschaften mit einem kleineren Ball auf einem rechteckigen Feld gespielt, das über Außen- und Mittelinie verfügte. Ziel war es, den Ball über die Außenlinie der gegnerischen Mannschaft zu befördern. Da sich die Spieler gegenseitig den Ball zuschoben, war eine ausgefeilte Technik von Vorteil. Das Spiel blieb in den nächsten 700 bis 800 Jahren noch recht populär und wurde von den Römern auch nach Großbritannien gebracht, doch es konnte sich nie als echtes Fussballspiel durchsetzen.“ (In FIFA – Federação Internacional de Futebol Associado: http://de.fifa.com/classicfootball/history/game/historygame1.html [Consult. 18.12.2010])

160 o objetivo de a alcançar, dominar e levar até a meta adversária, i.e. às portas norte e sul da cidade inglesa de Ashbourne. Nessa disputa, o jogo festivo-militar representava a expulsão dos dinamarqueses quando estes exerciam domínio parcial do território anglo-saxónico. A bola representava a cabeça de um oficial do exército invasor. Por fim, convém destacar os acontecimentos bélicos que marcaram o século XX, século em que o futebol adquiriu o estatuto de desporto mais popular do mundo125, a saber, a primeira e a segunda guerra mundial, assim como um conjunto significativo de confrontos regionais. A acrescentar, ainda, relembramos a época da guerra fria que deu origem a um clima global de tensão política e militar durante mais de 40 anos (1945-1991).

Contudo, defendemos que as analogias entre os dois domínios configuram a maior motivação para a criação de imagens mescladas e daí, ultrapassarem amplamente estes contextos históricos. De facto, o domínio-fonte da guerra continua a evidenciar-se como bastante produtivo: “Andererseits bleibt das Modell Krieg insofern weiterhin produktiv, als es eine Ressource für die Bildung neuer militärischer Metaphern darstellt, über die ständig verfügt werden kann und wird.“ (Burkhardt, 2008:76)

A função das imagens mescladas na imprensa desportiva não reside, contudo, na instigação ou na reanimação do espírito militar, no verdadeiro sentido da palavra, apesar do jornalismo desportivo ser frequentemente alvo dessa crítica. Ao usar a expressão Panzer quando se refere a um determinado jogador, não tem em mente o veículo militar concreto, mas sim as suas características mais salientes e significantes – tais como força e robustez assim como o facto de ser de difícil de deter. Fingerhut realça:

“Der Kritiker, der Begriffe wie „Offensive“, „Defensive“, „Taktik“ und „Scharfschützen“ nicht lesen kann, ohne an Stalingrad zu denken, legt dann wohl eine übertriebene Sensibilität an den Tag. Schließlich basiert bei Fußballspielen die Analogie zwischen Sportsprache und Kriegsmetaphorik auf dem natürlichen antagonistische Handlungsmuster.“ (Fingerhut, 1991:55)

Contudo, discute-se se existe algum exagero por parte do jornalismo desportivo no recurso às metáforas de guerra – Kriegsmetaphorik – e se reflectem uma criatividade linguística genuína, partilhada pela comunidade falante, ou se se tornou apenas uma estratégia sensacionalista para mais facilmente vender o produto futebol. Acreditamos que possa ser uma conjugação dos dois factores. Com efeito, o domínio-fonte da guerra revela-se como fonte quase inesgotável de imagens análogas o que permite ao jornalismo desportivo variar e inovar o

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“(…) one in every twenty five of the world’s population – a fact which on its own corroborates football’s position as the number one sport in the world (…)” (FIFA, In: http://www.fifa.com/aboutfifa/media/newsid=529882.html [Consult. 19.12.2010])

161 discurso, contando, simultaneamente, com o conhecimento partilhado por parte dos leitores e, subsequentemente, com a descodificação imediata das imagens utilizadas:

“Die starre und gewissermaβen zementierte Metaphorik dieses Vokabulars bietet dem Sportkommunikator den Vorteil, nicht um den jeweils adäquaten Ausdruck und die jeweils treffende Formulierung ringen zu müssen. Mit der Verwendung dieses Vokabulars kann er sein Fachwissen ausweisen und sich zudem darauf verlassen, daβ der Leser auf dieses Vokabular eingespielt ist und es vielleicht mit derselben Sicherheit beherrscht.“ (Dankert,1969:58)

O nosso corpus, porém, prova que a produtividade da imprensa desportiva não se limita exclusivamente ao domínio-fonte da guerra. A monotonia do discurso militar é quebrada com o recurso a um número significativo de outros domínios-fonte, igualmente inteligíveis pelos leitores devido à sua experiência vivida, ao seu conhecimento do mundo (Weltwissen) e à partilha cultural e intercultural:

“(…) metaphor and its relation to thought as cognitive webs that that extend beyond individual minds and are spread out into the cultural world. There are two parts of this message. First, our understanding of what is conceptual about metaphor involves significant aspects of cultural experience, some of which is even intimately related to our embodied behavior. Under this view, there need not be a rigid distinction between cultural and conceptual metaphor. Second, public, cultural representations of conceptual metaphors have an indispensible cognitive function that allows people to carry less of a mental burden during everyday thought and language. This possibility suggests that important parts of metaphoric thought and language are as much part of the cultural world as they are internalized mental entities in our heads.” (Gibbs, 1997:146)

De acordo com Brandt (2004a), Brandt/Brandt (2005a) iremos demonstrar através do Modelo das Redes Mentais como as estruturas mescladas são construções semióticas que ocorrem no contexto da comunicação (englobando o receptor e a situação) e são representadas do domínio-fonte para o domínio-alvo, tal como preconizado pela teoria conceptual da metáfora. A macro-metáfora conceptual FUTEBOL É GUERRA, na qual incluímos o conceito de violência, sugere a seguinte rede mental:

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Figura 25: Rede de Espaços Mentais - Futebol como Guerra

No espaço semiótico de base encontra-se a expressão metafórica, integrada no texto jornalístico dos jornais desportivos que, por sua vez, fazem parte da esfera social, económica e cultural de uma determinada comunidade linguística.

O espaço de Apresentação configura o domínio-fonte, a GUERRA, enquanto o espaço de Referência evidencia o domínio-alvo, o FUTEBOL. No que concerne o domínio-fonte, reconhecemos um conjunto de cinco subcategorias, a partir das quais se processam os mapeamentos – aqui representadas por pequenas esferas inseridas no espaço de Apresentação. Relativamente a estas sub-categorias, foram identificadas imagens mescladas que se baseiam no princípio da homogeneidade: os intervenientes (por exemplo, soldados por um lado e jogadores por outro) são conceptualizados de forma semelhante na medida em que são realçadas e evidenciadas determinadas características que servem aos processos de mapeamento. Desde o aspecto físico a traços psicológicos e emocionais, muitas são as vertentes podem servir como base para os diferentes mapeamentos. Tendo em conta a totalidade dos possíveis intervenientes (e entenda-se por interveniente tanto um indivíduo

GUERRA/