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Países Suprimentos de águas

3.2. IMPACTOS E EXTERNALIDADES DAS ATIVIDADES AGRÍCOLAS

3.2.4. Impactos da irrigação sobre a qualidade da água

TERBORGH (1999) avaliando questões relativas à conservação da natureza identificou como os maiores desafios os problemas relacionados aos aspectos sociais, tais como: a) superpopulação; b) desigualdades de poder e riqueza; c) exaustão dos recursos naturais; d) corrupção e falta de leis; e) pobreza; e f) intranqüilidade social.

Assim, as pressões exercidas pela busca de desenvolvimento econômico e pelo crescimento populacional, particularmente nos trópicos, seriam as principais causas da destruição da natureza. Dessa forma, começa-se analisar o papel da agricultura irrigada nesse cenário, e no Brasil, principalmente quando se consideraram os ganhos em produtividade sob tal prática, suas principais limitações e seus impactos.

Embora as condições de clima no Brasil sejam bastante diferentes em virtude da sua dimensão territorial, a prática da irrigação é crescente, como nas bacias do ribeirão Entre ribeiros e do rio Preto. No noroeste e norte de Minas Gerais, e em grande parte do nordeste brasileiro, a quantidade de precipitação anual é insuficiente para suprir as necessidades hídricas das culturas, sendo impossível a prática sustentável da agricultura sem o uso da irrigação. Nas regiões Sudeste e Centro- Oeste os índices de precipitação são suficientes para o desenvolvimento das plantas, porém a má distribuição dessa chuva faz com que surjam períodos de deficiência hídrica o que acaba afetando a produtividade agrícola.

Vieira (1988) apud REBOUÇAS et al. (1999), classifica a irrigação como “obrigatória” quando as condições climáticas assim determinam; e como “suplementar”, quando embora as precipitações sejam suficientes, a sua irregularidade acaba comprometendo o metabolismo das plantas e conseqüentemente, a produtividade da agricultura. Dessa forma, de acordo com MANTOVANI et al. (2005), dentro do atual contexto onde o agronegócio está inserido, a agricultura irrigada tem um importante papel, possibilitando segurança nos investimentos para produção de alimentos e fibras; e elevada capacidade de geração de empregos e renda estáveis, tornando-se uma resposta efetiva e de qualidade, e permanência do homem no campo. Na Figura 14 têm-se os valores médios de produtividade em condições irrigadas e não-irrigadas.

FIGURA 14 - Comparação da produtividade de áreas irrigadas e não-irrigadas para diversas culturas. Fonte: ABIMAQ, 2002 apud MANTOVANI et al., 2006.

Contudo, há de se considerar, que além desses benefícios, a irrigação exige grandes volumes de água e apresenta uso do tipo consuntivo; ou seja, parte da água que é utilizada não retorna ao corpo de água do qual foi retirada. As águas da irrigação são desta forma classificadas, pois parte da água fornecida à planta é retirada para a sua constituição vegetal ou sofre evapotranspiração, são transformados em matéria orgânica e há infiltração no solo. Por esta questão, os usos consuntivos são questionados perante aos demais usos da água (DAKER, 1984; REICHARDT, 1990).

Assim, há de se considerar que em nível mundial, a agricultura irrigada é a atividade que mais utiliza água, demandando mais de 70% dos recursos hídricos disponíveis, em muitos casos, com um aproveitamento médio inferior a 40%. Os outros 60% são desperdiçados por que: a) se aplica água em excesso; b) irriga-se fora do período de necessidade da planta em horários de maior evaporação do dia; c) utilizam-se técnicas de irrigação inadequadas; ou d) pela falta de manutenção nos sistemas de irrigação (KARAM, 2001).

A Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente (1996),

apud MANTOVANI et al. (2005), coletou dados oriundos de órgãos estaduais

responsáveis por ações de irrigação e concluiu que existem 2.630.000 ha irrigados no Brasil, que representam 4,8% da área cultivada no País. A região Sul se destacou como a mais irrigada, com cerca de 1.150.000 ha, seguida da região Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste e Norte com 800.000, 400.000, 200.000 e 80.000 ha, respectivamente.

Os métodos de irrigação por superfície, geralmente os de mais baixa eficiência, são os mais usados, totalizando cerca de 60% da superfície irrigada no Brasil. O pivô central cobre cerca de 20%, a aspersão convencional mais de 16% e a localizada, microaspersão e gotejamento, em torno de 4% (Figura 15).

FIGURA 15 - Métodos de irrigação no Brasil. Fonte: REBOUÇAS et al. (1999).

A maior parte dos sistemas de irrigação utilizada no Brasil não segue um planejamento adequado. São comuns vazamentos de água nas tubulações e nos

canais de alimentação e de distribuição de água, quase não existe manutenção ou é extremamente precária. Os agricultores, em sua maioria, pouca informação tem sobre a melhor e mais eficaz maneira de irrigar, tendendo a fornecer maior quantidade de água que o necessário. A maioria dos irrigantes não possui qualquer treinamento para a prática da irrigação, não tendo qualquer informação sobre a melhor forma de desenvolvê-la. Fatores naturais, como o vento, também comprometem o uso eficaz da água na irrigação, principalmente a distribuição da água nos sistemas de aspersão.

Uma das maiores causas de desperdícios está associada à eficiência do sistema de irrigação. Estes valores variam consideravelmente em função de dois principais fatores: consumo de água e inovações tecnológicas. Um estudo no Sul do Brasil comprova o desperdício de água que ocorre na agricultura irrigada. GINESTE (2006) realizou a sua pesquisa de tese tendo como principais objetivos: a) estimar o consumo de água utilizada pelos agricultores residentes ao longo da Bacia do Rio Miringuava, Município de São José dos Pinhais, Região Metropolitana de Curitiba; b) identificar os sistemas de irrigação utilizados; c) relacionar o uso adequado destes sistemas com o consumo de água correspondente; e d) verificar se existia um manejo adequado da água utilizada pelos sistemas irrigantes ali encontrados.

Para atingir tais objetivos, foi utilizado um estudo de caso onde aleatoriamente 33 propriedades rurais em comunidades localizadas ao longo da Bacia foram submetidas a um questionário para que se identificassem os procedimentos referentes à irrigação no local. Após constatações em campo, verificou-se que as propriedades rurais possuem áreas entre 3-7 ha e que mais da metade delas apresentam áreas irrigadas iguais ou superiores a 50%. A captação de água é quase que totalmente retirada de reservatórios, por meio de bombas hidráulicas acionadas por motores movidos por energia gerada pelo óleo diesel. O método de irrigação mais utilizado é a aspersão convencional, encontrado em 91% das propriedades.

Segundo essa mesma autora, a Bacia do Miringuava é uma localidade significativa na produção de hortaliças no país. Nessa região, a técnica da irrigação se justifica devido às constatações de má distribuição da precipitação ao longo do ano. Contudo, constatou-se que o uso da água pelos agricultores se faz de maneira rudimentar, sem programas específicos baseados em critérios técnicos, causando um consumo acima do necessário. A irrigação é feita por meio de suposições de quantidades satisfatórias de água sem haver preocupação de excesso de utilização e retirada de água.

Além do aspecto “quantidade”, deve-se também estar atendo à uniformidade de distribuição da água - fator fundamental para medir a eficiência dos sistemas de irrigação. Em sistemas por pivô central, o mais utilizado na bacia do rio Paracatu, o CUC (Coeficiente de uniformidade de CHRISTIANSEN) recomendado está na faixa de

75 a 85%, para culturas com sistema radicular profundo como é o caso do cafeeiro, e o CUD (Coeficiente de uniformidade de distribuição) recomendado acima de 70% (BERNARDO, 1995). Na Figura 16 apresenta-se a distribuição das lâminas coletadas em dois pivôs com diferentes uniformidades. Observa-se a grande variação da lâmina coletada no pivô com menor uniformidade (Figura 16 A) quando comparado com o pivô de maior uniformidade (Figura 16 B).

(A) (B)

FIGURA 16 - Lâmina coletada em função da distância ao longo da linha lateral dos pivôs. Pivô com CUC de 66% (A) e pivô com CUC de 89% (B). Fonte: BONOMO, 1999.

Dessa forma, para que a agricultura irrigada possa cumprir o seu papel, é necessária uma ação efetiva de todos os envolvidos na implantação de projetos que possibilitem o uso racional da água. Se mal manejada, a irrigação se constitui em uma das principais fontes de poluição e contaminação do solo, principalmente quando a água utilizada é proveniente de rios que recebem grande carga poluidora (Figura 17).

FIGURA 17 - Impactos negativos pelo manejo incorreto da irrigação. Fonte: DRUMOND e FERNANDES, 2001.

Para BERNARDO (1997), a irrigação tem criado impactos ambientais adversos às condições físicas, químicas e biológicas do solo, à disponibilidade e qualidade da água, à saúde pública, à fauna e flora, repercutindo, em alguns casos, de forma negativa nas condições sócio-econômicas do irrigante ou mesmo da comunidade local. De acordo com von SPERLING (1997), deve-se estar consciente que o meio líquido apresenta duas características que definitivamente caracterizam a qualidade da água: a) capacidade de dissolução; e b) capacidade de transporte. A conjunção dessas duas características conduz ao fato da qualidade de uma água resultar dos processos que ocorrem na bacia de drenagem do corpo hídrico.

De acordo com AMARAL SOBRINHO (1996), o rio Paraíba do Sul recebe elevada carga poluidora proveniente de indústrias, esgotos domésticos, fertilizantes, agrotóxicos, mercúrio de garimpos, entre outros. Apresenta, portanto, alto potencial poluidor do solo quando utilizado para irrigação, principalmente devido aos sedimentos em suspensão. Um estudo realizado por Ramalho (1994), apud AMARAL SOBRINHO (1996), foram obtidos os seguintes teores de alguns metais pesados como resultado de sua pesquisa, podendo ser observado no Quadro 8.

QUADRO 8 - Teores de Cd, Pb, Cr, Co e Ni das amostras de um Cambissolo irrigado por sulcos de infiltração com água do rio Paraíba do Sul e sua respectiva área de controle

Profundidade (cm)

Metais pesados

(mg Kg-1)

Cd Pb Cr Co Ni Irrig. AC Irrig. AC Irrig. AC Irrig. AC Irrig. AC 0 – 5 1,5 0,7 43,3 35,9 50,2 35,8 33,7 25,5 26,5 35,0 5 – 10 1,4 1,2 51,7 34,9 47,4 37,7 32,3 26,6 28,5 36,5 10 – 20 1,3 1,1 49,1 36,7 48,0 40,8 32,9 31,6 31,0 37,5 20 – 30 1,5 1,2 50,6 46,0 48,7 48,6 34,9 35,5 37,0 38,0 Irrig. = Cambissolo irrigado, por sulcos de infiltração, com água de tomada direta do Rio Paraíba do Sul; AC = Área de controle.

Fonte: AMARAL SOBRINHO (1996).

No Brasil, esse problema é agravado principalmente quando associado ao aproveitamento de várzeas inundadas. Para BERNARDO (1997), o uso de sistemas de irrigação por superfície, particularmente por inundação ou sulco, e a drenagem de extensas áreas seguidas de seu intensivo cultivo, causam distúrbios às suas condições naturais. Inicia-se pela eliminação da vegetação nativa, que produzirão alterações na microflora e fauna local e regional, na produção de peixes, na população de insetos e nas condições de erosão e sedimentação na bacia hidrográfica. Além disso, ocorre a indução à monocultura, aumentando o número de pragas devido à eliminação de inimigos naturais, exigindo cada vez mais o uso intensivo de agrotóxicos para o seu controle.

Por estas questões, para a implantação de um sistema de irrigação em uma determinada região, tornam-se necessárias um conjunto de informações de maneira a ser identificado o seu potencial de produção e as condições físicas e operacionais mais adequadas que podem selecionar alternativas a serem tomadas. Nele, as condições a serem consideradas incluem a compatibilidade do tipo de solo, a qualidade e a quantidade de água, o clima e algumas influências externas e agronômicas. O sistema de irrigação deve ser compatível com o preparo do solo utilizado ou a utilizar na área, bem como com o cultivo e a colheita das culturas selecionadas (VIEIRA et al., 1988).

O excesso de água aplicada à área irrigada, que não é evapotranspirada pelas culturas, retorna aos ecossistemas aquáticos por meio dos escoamentos superficiais e sub-superficiais, sendo conduzidos aos depósitos subterrâneos, por percolação profunda. Assim, arrasta consigo sais solúveis, fertilizantes, resíduos de agrotóxicos, elementos tóxicos e metais pesados, sedimentos, entre outros. De acordo com BERNARDO (1997), são cinco os principais tipos de impactos ambientais inerentes à irrigação: a) modificações do meio ambiente; b) salinização do solo; c) contaminação dos recursos hídricos (rios, lagos e águas subterrâneas); d) consumo exagerado para usos múltiplos da disponibilidade hídrica da região; e e) problemas de saúde pública.

De acordo com esse mesmo autor, segundo estimativas da FAO, aproximadamente 50% dos 250 milhões de hectares irrigados no mundo apresentam problemas de salinização e saturação do solo. Também, 10 milhões de ha são abandonados anualmente em virtude de tal problema. No Nordeste brasileiro, aproximadamente 30% das áreas irrigadas dos projetos públicos estão com problemas de salinização, apresentando áreas que já não produzem.

Considerando a agricultura irrigada ser o maior usuário de água doce no Brasil, com 72,50% do volume captado, e com crescimento acelerado, como nas bacias do ribeirão Entre Ribeiros e do rio Preto, a sua evolução deverá ser acompanhada de um rigoroso monitoramento. Este pode ser alcançado mediante um sistema eficiente de gerenciamento dos recursos hídricos, evitando novos conflitos de uso da água.

Esse fato é relevante quando se considera o total de solos aptos à irrigação no Brasil, estimados em aproximadamente 29,6 milhões de ha. Desse total, em 1999, apenas 2,87 milhões estavam sendo explorados, demonstrando o grande potencial para expansão dessa prática. O manejo racional dessa atividade demanda estudos que considerem os aspectos sociais, econômicos, técnicos e ecológicos da região (SILVA, 2002).

Segundo FARIA (1987) e KLAR (1991), existem alguns equipamentos e processos de automatização incorporados aos sistemas de irrigação que permitem

operar e controlar totalmente a aplicação da água a partir de informações das condições da planta, do solo e do clima. Estes equipamentos atendem às sofisticados objetivos, mas seus custos de implantação ainda são muito altos o que inviabiliza sua adoção pela grande maioria dos agricultores.

Para MANTOVANI et al. (2003), apesar da significativa evolução dos equipamentos modernos, tem havido negligência com o manejo da irrigação. Portanto, para que não ocorra aplicação em excesso (mais comum) ou em falta, a maior eficiência na distribuição da água necessita um eficiente programa de manejo. Para estes mesmos autores, parte da solução deste problema pode ser resolvida com o auxílio de programas de simulação, como o IRRIPLUS. Este é um sistema de apoio à decisão na área da agricultura irrigada, composto de vários “softwares” voltados para o manejo da água, do sistema de irrigação e da rentabilidade da área irrigada.

Esse programa foi desenvolvido pelo Grupo de Estudos e Soluções para Agricultura Irrigada - GESAI, do Departamento de Engenharia Agrícola da Universidade Federal de Viçosa. O sistema incorpora uma visão técnica sem perder a operacionalidade necessária ao seu funcionamento. Uma vez implantado, é uma ferramenta de fácil utilização e controle do momento adequado para irrigar, definir a lâmina e o tempo de irrigação necessária e, também, relacionar a avaliação e definição das condições de distribuição de água e perdas do sistema de irrigação.

Outro fator fundamental na prática da irrigação se refere à sua viabilidade econômica. Existem planilhas de viabilidade econômica, como para a cafeicultura irrigada. Na Figura 18 observa-se a simulação de rentabilidade para áreas de baixa demanda hídrica, com o sistema de irrigação por aspersão tipo malha e produtividade de 30 e 60 sc ha-1, para a primeira safra e média das demais safras, respectivamente, com o valor médio da saca do café de R$ 180,00.

FIGURA 18 - Simulação da rentabilidade para a cafeicultura irrigada, sistema malha, em regiões de baixa demanda hídrica. Fonte: MANTOVANI et al. (2005).