• Nenhum resultado encontrado

Países Suprimentos de águas

3.5. GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS

3.5.4. Instrumentos de Gestão

3.5.4.2. Outorga de direito de uso dos recursos hídricos

A palavra outorga, cujo significado é consentimento, é um instrumento de gestão que objetiva garantir o controle quantitativo dos usos dos recursos hídricos, ao mesmo tempo em que garante o efetivo exercício do direito do usuário de acesso a esses recursos. As outorgas estão condicionadas às prioridades de uso estabelecidas nos planos diretores de recursos hídricos, e devem respeitar a classe em que o corpo d’água estiver enquadrado, além da manutenção, quando for o caso, das condições para o transporte aquaviário. Além disso, a outorga não pode ser expedida se deste ato decorrer prejuízo para os chamados usos múltiplos da água, consoante a vocação da bacia ou região hidrográfica (CODEVASF, 1995).

A experiência mostra que as outorgas têm a faculdade de reduzir conflitos. A filosofia por trás desta afirmação se apóia no fato, já constatado, segundo o qual os usuários competidores estão sempre mais próximos de um conflito quando não há ordem no setor. Há regiões do Estado da Bahia onde os conflitos foram amenizados ou desaparecidos totalmente em algumas situações particulares, tão logo o instrumento da outorga começou a ser aplicado. Isto ocorreu, sem alguma dúvida, porque os usuários em conflito passaram a dirigir-se à autoridade detentora do poder outorgante, a qual buscou, via a mediação, solucionar as dificuldades (GARRIDO, 2004).

A outorga de direito de uso, bem como a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, integram o conjunto dos seis instrumentos de gestão definidos pela lei federal brasileira e pelas leis estaduais para o setor. A importância destes dois instrumentos reside no fato de serem eles os verdadeiros indutores do uso racional da água: o primeiro combatendo a ocorrência de conflitos, e o segundo evitando, tanto quanto possível, as externalidades negativas no uso dos recursos hídricos. Por isso eles se

colocam na centralidade do problema da gestão, com a condição adicional de serem inseparáveis (CODEVASF, 1995).

No Brasil, há poucas experiências concretas da implementação do binômio "outorga-cobrança" e, mesmo assim, incipientes. Sabe-se que a complexidade da cobrança já não mais tem sido quanto à questão da formação de preços. Estudos avançados mostram que este já é um ponto superado. A dificuldade na implantação da cobrança é estritamente operacional (REBOUÇAS, 2004). Um dos pontos mais amplamente discutidos em todo o processo de formulação da PNRH foi a chamada “unicidade da outorga”, ou seja, a necessidade de o exercício do mecanismo de outorga ser praticado por apenas uma entidade.

Segundo a legislação3, os seguintes usos são objetos da outorga

(FERNANDEZ e GARRIDO, 2002): a) derivação ou captação de parcela de água existente em um corpo hídrico para consumo final, inclusive abastecimento público ou insumo de processo produtivo; b) extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo; c) lançamento em corpo hídrico de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final; d) aproveitamento de potenciais hidrelétricos; e e) outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo hídrico, como a atividade de irrigação, inclusive a construção ou uso de reservatório em curso d'água. Os seguintes usos estão dispensados da obrigatoriedade da outorga (ibidem): a) aqueles que visam à satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais distribuídos no meio rural; b) as derivações, captações e lançamentos considerados insignificantes, seja do ponto de vista de vazão, seja do ponto de vista de carga poluidora; e c) as acumulações de volumes de água consideradas insignificantes.

GARRIDO (2004) considera ser verdade que no texto da Lei n° 9.433/97 não se estabeleceram os níveis de insignificância, nem para derivações e lançamentos, tampouco para as acumulações de água. Essa especificidade foi deixada para a fase de regulamentação da lei. Um aspecto interessante a assinalar no que se refere a esses usos considerados insignificantes é o fato de que, embora eles independam de outorga, os mesmos não ficarão fora do cadastramento e da fiscalização dos órgãos públicos. A questão do cadastro é relevante, pois ainda que os usos sejam considerados insignificantes, eles podem exercer um efeito de conjunto apreciável. Há de se considerar que em Minas Gerais esse prazo se encerra ao final desse ano de

3

Lei no 9.433/97: a) uma vazão de seis litros por segundo para as derivações e captações, bem como para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais, considerando-se, como critério de medida dessa vazão, a soma da parcela derivada ou captada com a parcela devolvida ao corpo d'água; e b) um volume de duzentos mil metros cúbicos, limitada a altura máxima do barramento a quatro metros, para o caso de acumulação de água.

2008, contudo, os produtores rurais não receberam as informações de forma adequada. Provavelmente, os prazos terão de ser dilatados.

A Deliberação Normativa nº. 09, de 16 de junho de 2004, define os usos considerados como insignificantes para os corpos de água de domínio do Estado de Minas Gerais, que são dispensados de outorga, mas não de cadastro pelo IGAM (por

exemplo, é considerado consumo insignificante aquele que for ≤ a 1 L s-1 ou

reservatório/barramento com acumulação < 5.000 m3). Tendo em vista a significativa variação da oferta hídrica entre as diferentes regiões do Estado, principalmente quando consideradas as águas superficiais e a sua menor disponibilidade nas regiões norte, noroeste e nordeste, os usos insignificantes para águas superficiais apresentam valores distintos conforme a Unidade de Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos – UPGRH em que ele ocorre (FROÉS, 2003).

A análise de um pleito de outorga demanda conhecimento técnico especializado no que se refere à hidrologia e à hidrogeologia. Por outro lado, esta atividade impõe, também, um conhecimento técnico relativo aos setores usuários de água e suas respectivas demandas unitárias (GARRIDO, 2004). Deverá observar, primordialmente, as disposições contidas nos planos diretores das bacias hidrográficas, especialmente no que se refere (CONAMA, 1999): a) as prioridades de usos definidos para a bacia; b) a classe de enquadramento do corpo d'água, de acordo com a Resolução n° 20/86 do CONAMA; c) a preservação dos usos múltiplos previstos; e d) a manutenção das condições adequadas ao transporte aquaviário.

Algumas situações devem ser esperadas e, para as mesmas, as soluções devem estar previstas. Analise-se, por exemplo, o caso de um pleito de outorga em bacia hidrográfica para a qual ainda não se disponha de um plano diretor. Em primeiro lugar, o tratamento para casos dessa natureza deve considerar práticas conservadoras quanto às vazões que serão outorgadas, evitando-se problemas para o planejamento futuro da bacia ou região hidrográfica. Entretanto, por mais conservadora que seja a atitude na liberação de uma vazão outorgada, deve-se procurar trabalhar com um nível de garantia de 90%. É importante assinalar que o poder outorgante deve estabelecer um cálculo mensal da vazão outorgável para corpo hídrico superficial, em função deste nível de garantia (GARRIDO, 2004).

Outro aspecto a considerar é o fato de que, uma vez que quanto menor for o nível de garantia tanto maior será a vazão outorgável. O poder público somente deverá trabalhar com níveis de garantia inferiores a 90% quando existir uma forte motivação social, ambiental ou econômica que recomende essa decisão. Por fim, o poder público poderá outorgar vazões superiores à vazão outorgável, seja para o corpo hídrico sobre o qual o pleito venha a ser dirigido, seja para corpos hídricos situados a montante ou a jusante daquele (ibidem).

No que concerne ao ato administrativo da outorga, que tem o nível hierárquico de portaria, seja para outorgas da União ou dos estados, deste deve constar (FERNANDEZ e GARRIDO, 2002): a) a localização geográfica e hidrográfica, quantidade, qualidade, nível de garantia e finalidade a que se destina a água; b) o prazo de outorga não superior a trinta e cinco anos; c) a obrigação de recolher os valores da cobrança pelo uso do recurso hídrico, quando exigível; d) informação sobre o incremento de vazão outorgada resultante da outorga, para o corpo hídrico pertinente, e para os corpos hídricos localizados a jusante; e e) a condição expressa segundo a qual os efeitos jurídicos da outorga cessarão nos casos em que o licenciamento ambiental venha a ser indeferido definitivamente.

Segundo GARRIDO (2004), a renovação de uma outorga implica a repetição de todo o ritual cumprido na fase anterior, dispensando-se, evidentemente a apresentação daqueles documentos julgados ainda atuais na fase renovatória. Entretanto, o usuário interessado em renovar sua outorga deve dar partida no processo em um prazo de pelo menos cento e oitenta (180) dias antes do término da validade da outorga vigente. É importante assinalar que as condições, normas, critérios e prioridades em prática à época da renovação podem vir a ser outras em determinada bacia hidrográfica. Neste caso, é com base nessas novas condições que a renovação da outorga será analisada.

A suspensão da outorga pode ocorrer pelo advento de circunstâncias que não são de responsabilidade da administração pública e nem do outorgado. São previstos os casos seguintes para a suspensão, parciais ou totais por período determinado ou em definitivo, da outorga: a) a necessidade de água para atender as situações de calamidade, inclusive as decorrentes de condições climáticas adversas; b) a necessidade de prevenir ou reverter quadros de grave degradação ambiental; c) necessidade de serem atendidos os usos considerados prioritários, de interesse coletivo, para os quais não se disponha de fontes alternativas; e d) a necessidade de serem mantidas as características de navegabilidade do corpo hídrico (ibidem).

Por outro lado, da outorga dada decorrem algumas obrigações para o usuário dos recursos hídricos. No caso em que este venha a deixar de cumprir alguma dessas obrigações, poderá perder o direito adquirido. Por exemplo, a ausência de uso por três anos consecutivos constitui motivo para a revogação do ato de outorga. Também constitui motivo para a perda desse direito o indeferimento definitivo da licença ambiental do empreendimento. Além disso, a outorga se extingue naturalmente no término de seu prazo de validade, caso o usuário não tenha solicitado renovação, ou ainda caso ele não pague os valores fixados para cobrança pelo uso dos recursos hídricos outorgados, segundo os prazos e critérios estabelecidos pelo comitê de bacia correspondente ou, na ausência deste, pelo poder outorgante (ibidem).

Uma série de outras faltas cometidas pelo usuário outorgado leva às penalidades distintas da revogação da outorga. Relacionam-se, a seguir, algumas dessas infrações (FERNANDEZ e GARRIDO, 2002): a) utilização de recursos hídricos em condições que não estejam de acordo com aquelas estabelecidas no ato de outorga; b) fraude em medições das vazões utilizadas em proveito próprio; c) desatendimento a determinações recebidas da autoridade responsável pela outorga; d) desatendimento a normas a que está obrigado por força das peças do regulamento do SNRH; e e) interposição de dificuldades à ação fiscalizadora das autoridades competentes no exercício de suas funções.

Assinale-se que o poder público outorgante poderá solicitar às agências de água que elas exerçam algumas atividades relacionadas com a outorga de direito de uso dos recursos hídricos situados em suas respectivas áreas de atuação. Tal é o caso da ação dessas agências para (ibidem): a) receber os pleitos de outorga; b) analisar tecnicamente os pleitos de outorga; e c) emitir parecer técnico sobre os pedidos de outorga. Mas é oportuno comentar o fato de que o exercício dessas atividades por parte das agências depende da anuência de seus respectivos comitês de bacia hidrográfica.

Em Minas Gerais, as outorgas em águas de domínio do Estado são obtidas junto ao IGAM ou às SUPRAM’s; e as outorgas em águas de domínio da União são concedidas pela ANA. Desde o ano de 2003, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) estabeleceu a integração dos processos de licenciamento ambiental, outorga de direito de uso de recursos hídricos e autorização para exploração florestal, por meio da Resolução SEMAD nº. 146, de 05 de junho de 2003. Assim, as licenças e autorizações supracitadas são tratadas em um processo único pelos três órgãos ambientais: Fundação Estadual do Meio Ambiente - FEAM, Instituto Estadual de Florestas - IEF e IGAM (FROÉS, 2003).