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Um dos objetivos buscados pelo Estado, com a edição de leis penais tipificando delitos fiscais, é proteger o bem jurídico da arrecadação, procurando minimizar eventuais déficits em função da evasão fiscal, que consiste na prática de atos ilícitos tendentes a ocultar o fato gerador ocorrido, ou a diminuir ilicitamente o impacto econômico do tributo. Eis os crimes contra a ordem tributária232.

A norma jurídica positivada exprime o resultado de um debate sobre a proteção de um valor. No caso presente, o legislativo entendeu por bem, proteger o bem jurídico da arrecadação com a mais elevada sanção do Direito: a pena restritiva de liberdade do Direito Penal.

Sob esta ótica, Luciano Amaro afirma que existem dois sistemas legais sancionatórios através do Estado, “o criminal, implementado segundo o Direito Penal, através do processo legal, no juízo criminal; e, o outro, administrativo, aplicado em consonância com as regras do Direito Administrativo, no procedimento administrativo, pelas autoridades administrativas”. 233

segundo ele, “a iminente execução da pena decorrente de sentença passível de anulação consubstancia o periculum in mora e justifica o deferimento da medida acauteladora”.

O ministro determinou também que o processo tramite em conjunto com o Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 119962.

232 A Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, alterou a definição dos crimes contra a ordem tributária, reescrevendo aqueles delitos antes designados de "sonegação tributária" pela Lei n. 4.729/65. A mencionada legislação alargou o rol dos fatos típicos configuradores dos crimes contra a ordem tributária, redesenhando, outrossim, a figura da "apropriação indébita", ao definir como crime o fato de deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo descontado ou cobrado de terceiro, art.2º, II. Posteriormente, também a Lei n. 8.212/91 arrolou tal situação como crime, art.95.

181 Destaque-se, ainda, que a distinção essencial entre a sanção civil, ou administrativa, e a sanção penal é apenas valorativa, residindo tão somente na gravidade da violação da ordem jurídica, na qual a sanção penal seria reservada aos que praticam ilícitos mais graves.

Para tanto, o legislador tem a alternativa entre considerar a conduta como sendo um crime, punível, pois, pelo direito penal, ou de remetê-la para o âmbito de um ilícito administrativo.

Tal opção, entretanto, deve ser fundamentada em uma rigorosa análise, vez que o envio para a seara do Direito Penal deve, sempre, ser feita de modo criterioso, respeitando o princípio da subsidiariedade, o qual já presume sua fragmentariedade, ou seja, deriva da consideração de que o Direito Penal é um remédio sancionador extremo, que deve ser utilizado apenas quando nenhum outro se mostrar suficiente para resolver o conflito, fundamentando-se no fato de que apenas as condutas mais graves e contra bens jurídicos de maior relevância se utilizam dos seus rigores.

Sendo assim, o que se deve diferenciar entre a sanção administrativa e a sanção penal, é que esta é resultado da tipificação do fato criminoso. Logo, sua investigação se dá no âmbito do poder judiciário, de modo que a conduta do agente deve ter origem dolosa e, em raros casos, culposa, enquanto que para a aplicação da sanção administrativa tributária não carece comprovar o dolo, e sua aplicação ocorre pela via administrativa.

Sacha Calmon considera: “realmente, em matéria de ilícitos administrativos fiscais não tem cabimento se indagar sobre a intenção do agente (responsabilidade subjetiva), sob pena de se admitir o erro de direito como causa excludente da sanção, permitir a ausência de responsabilidade da pessoa jurídica, acarretar a impossibilidade de se transmitir as multas (sub-rogação passiva das penalidades) e embaraçar de sobremaneira a ação fiscal do Estado contra os sonegadores. 234

234COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário, 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.p. 633-634.

182 O ilícito fiscal é objeto de minuciosa e rigorosa legislação, já que, através dele, os infratores se sujeitam à multa e às sanções de caráter administrativo. Desta forma, não há que se confundir com o ilícito penal, pois este só ocorre quando, ultrapassando o campo civil, o agente pratica com dolo, além da infração administrativa, fato previsto como crime, que a partir daí se torna, também, incurso nas sanções penais.

As referidas sanções são bastante diferentes. No entanto, a maior diferença reside no fato de a sanção penal tributária poder ser uma pena privativa de liberdade, posto que, nas sanções administrativas, não se admite a aplicação deste tipo de pena.

Além disso, imperioso se faz debater que a pena prisional, presente nas normas penais, é revestida de cautelas, tendo em vista a proteção da liberdade humana, sendo, inclusive, assegurado pela Constituição Federal o direito ao silêncio e ao acusado não produzir provas contra si, o que contraria a exigência de informações indispensáveis à plenitude da fiscalização tributária.

Com efeito, a intervenção do direito penal só deve ocorrer nos casos em que os demais ramos do direito se revelarem insuficientes ou ineficazes em sua intervenção punitiva.

O processo psicofísico de subsunção e implicação de normas administrativas tributárias e penais, não muda. O trabalho intelectivo é semelhante. No entanto, a forma, o conteúdo e o agente competente variam.

Em suma, podemos ressaltar alguns aspectos da fenomenologia da incidência que diferenciam a aplicação da norma penal tributária da norma tributária sancionadora:

i) As normas individuais e concretas das multas, regra geral, são constituídas por agentes fiscais em âmbito administrativo. Enquanto a norma individual e concreta do crime contra a ordem tributária deve ser constituída pelo poder judiciário com iniciativa do Ministério Público ao oferecer denúncia.

183 ii) Nos crimes tributários a investigação e produção do fato jurídico se dá no âmbito do poder judiciário, sendo indispensável a origem dolosa da conduta, já para a aplicação da sanção administrativa tributária, regra geral, não carece da comprovação do elemento volitivo.

iii) As multas tributárias estão submetidas aos princípios do Sistema Tributário e do Sistema Administrativo, ao passo que os crimes contra a ordem tributária devem obedecer ao Sistema Penal. Tal constatação traz inúmeras consequências.

iv) Na sanção penal tributária temos a pena privativa de liberdade, nas sanções administrativas, não se admite a aplicação deste tipo de pena.

v) Em âmbito penal, é assegurado o direito ao silêncio e à não produção de provas contra si, o que contraria a exigência de informações indispensáveis à plenitude da fiscalização tributária.

vi) No procedimento de lançamento, em geral, não há o contraditório e a ampla defesa, ao passo que esses dois requisitos são indispensáveis no processo penal.

vii) A pena no âmbito criminal é pessoal ao agente, art. 5º, inc. XLV, da CF. Em se tratando de sanções tributárias a pessoa jurídica responde pela pena, salvo algumas exceções, por exemplo, a do art. 135 do CTN.

Como visto, temos um procedimento de elaboração da norma diferente, o agente responsável pela inserção da norma no sistema é diferente, a espécie do documento normativo é diferente, o modo de produção probatória é diferente, a relação jurídica é diferente e os princípios a que estão submetidos os aplicadores de cada sanção varia verticalmente.

Como será apontado, o problema é que apesar das inúmeras diferenças relacionadas, os crimes contra a ordem tributária tomam como pressuposto o mesmo evento descumpridor da norma tributária, acrescendo-se o critério volitivo. No entanto, como visto, o fato jurídico criminoso demanda grande esforço probatório, mas é comum a representação para fins penais e a denúncia com o aproveitamento, sem maiores cuidados, do fato jurídico pressuposto da sanção tributária.

184 Ora, é recorrente a persecução penal em que não se perquire sobre o dolo. Aproveitando a descrição contida no Auto de Infração e Imposição de Multa carente de fatos que demonstrem o elemento volitivo.

Há uma completa distorção do feitio do Direito Penal, preocupa-se em condenar criminalmente para receber o valor do tributo, suspendendo extinguindo a punibilidade.

Ao longo da pesquisa observamos os defeitos na produção do Direito, justamente na sua parte mais importante, qual seja: a Sanção.

a) Bem jurídico tutelado

A tipificação de crimes tributários serve muito mais como modo de desestimular a evasão fiscal do que como norma penal sancionadora propriamente dita, tanto que, a todo instante, o Fisco possibilita modos para que o tributo seja pago que importem em extinção de punibilidade.

A mera previsão legal de tipos penais não tem sido eficaz. Atualmente a concessão reiterada de parcelamentos por meio do Programa de Recuperação Fiscal (REFIS) ou pelo Parcelamento Especial (PAES) tem funcionado para socorrer os déficits de arrecadação, comprometendo a persecução penal.

Uma importante constatação é de que a natureza jurídica da extinção da punibilidade nos crimes tributários é fundamentalmente arrecadatória, o Estado busca a satisfação do seu animus arrecadador, deixando de ter interesse nas questões em que o tributo seja pago.

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