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Inclusão de estudantes com deficiência e/ou com transtornos globais do desenvolvimento no ensino

superior: perspectivas para a formação continuada

de professores

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 205 (BRASIL, 1988), considera a educação como um direito de todos e dever do Estado e da família. Nos termos constitucionais, a educação “[…] será promovida e incentivada com a colaboração da socie- dade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. O documento também destaca, no artigo 206, que, em âmbito nacional, o ensino será ministrado com base no princípio de igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola.

No que se refere à educação universitária, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, destaca que a edu- cação superior tem como finalidade estimular a criação cultural, o desenvolvimento do espírito científico, o pensamento reflexi- vo. Objetiva também incentivar o trabalho de pesquisa e de in- vestigação científica, tendo em vista o entendimento do homem e do meio em que vive, e busca “[…] promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição” (BRASIL, 1996).

A implementação desses indicativos nos coloca, imediatamente, perante a necessidade de uma atuação contínua e sistemática do Estado. Diferentes estudos realizados em âmbito nacional nos mostram que, aliada à atuação estatal, a universidade precisa aprofundar o conhecimento sobre o quanto de apoio e de servi- ços se faz necessário na esfera de atuação da Educação Especial no ensino superior.

Não diferente do que vivenciamos na educação básica durante as duas últimas décadas, a inclusão de estudantes com deficiên- cia e/ou com transtornos globais do desenvolvimento na educa- ção superior demanda, fundamentalmente, o enfrentamento de questões relativas à formação de professores, à falta de estrutura física e de recursos mais adequados às necessidades desses es- tudantes e, ainda, a elaboração de políticas institucionais mais inclusivas (SOUZA, 2013).

A esse respeito vale considerar que, em âmbito nacional, de acor- do com o anúncio feito pelo Portal Brasil, em outubro de 2012, “[…] a quantidade de matrículas de pessoas com deficiência na educação superior aumentou 933,6  % entre 2000 e 2010 […]” (BRASIL, 2012). Em 2010, no Brasil, contávamos com a matrí- cula de 6.884 estudantes com deficiência e/ou com transtornos globais do desenvolvimento no ensino superior público.

Considerando alguns aspectos relativos ao fluxo de matrícula de estudantes público-alvo da Educação Especial no ensino su- perior brasileiro, vale a pena observar os dados apresentados no Gráfico 1.

Gráfico 1 – Quantidade de estudantes com deficiência matriculada nos diferentes campi da Universidade Federal do Espírito Santo em 2012.

Fonte: Elaborado pelos autores com base em dados retirados de Brasil (2012). Observamos que a Universidade Federal do Espírito Santo con- tava, em 2012, com um total de 357 estudantes que constituem o público-alvo da Educação Especial. No campus de Goiabeiras, Maruípe e Alegre, encontramos a maior concentração de alunos com baixa visão. No campus de São Mateus, observamos um nú- mero maior de matrículas de estudantes com deficiência auditi- va. Na educação a distância (EAD), em termos quantitativos, a deficiência física é a que mais se destaca.

Se esses estudantes estão chegando ao ensino superior, mesmo timidamente, a garantia de permanência e a qualidade ofertada no ensino ainda são questionáveis. A organização de espaços sis- temáticos de estudo e reflexão sobre a perspectiva inclusiva no ensino superior envolvendo os docentes constitui parte impor- tante para o sucesso desse processo.

Compreendemos que as preocupações com a qualificação da formação de professores e com suas condições de trabalho não são recentes. Mesmo com avanços, a partir de programas desen- volvidos na última década, a questão da formação de professores tem sido um grande desafio para as políticas governamentais e para as práticas das instituições formadoras.

Conforme Gatti (2009, p. 95):

Nas instituições formadoras, de modo geral, o cenário das condições de formação dos professores não é ani- mador pelos dados obtidos em inúmeros estudos e pelo próprio desempenho de sistemas e níveis de ensino, re- velado por vários processos de avaliação ampla ou de pesquisas regionais ou locais. Reverter um quadro de formação inadequada não é processo para um dia ou alguns meses, mas para décadas.

E quando nos referimos àqueles que formam os futuros profes- sores? Diferentes estudos – André e outros (1999); Pimenta e Anastasiou (2002); Cunha (2010); Ferenc e Mizukami (2005), entre outros – apontam a pouca atenção dada às discussões re- lativas à formação e à preparação do professor universitário para o exercício de ensinar.

Segundo Pimenta e Anastasiou (2002, p. 165), ensinar no ensino superior, no mundo contemporâneo, implica a articulação de, pelo menos, três aspectos complementares no desenvolvimento profissional do professor universitário:

[…] a transformação da sociedade, de seus valores e de suas formas de organização e trabalho; o avanço expo- nencial da ciência nas últimas décadas; a consolidação de uma Ciência da Educação, possibilitando a todos o acesso aos saberes elaborados no campo da Pedagogia.

É nesse sentido que, para nós, a formação inicial e continuada do professor universitário exige um diálogo entre diversos saberes e campos do conhecimento. O desenvolvimento profissional do-

cente envolve um processo de valorização identitária e laboral que reconhece a docência como campo de conhecimentos específicos configurados em quatro grandes conjuntos, que, conforme ressal- tam Pimenta e Anastasiou (2002), abrangem conteúdos:

a) das diversas áreas do saber e do ensino;

b) didático-pedagógicos relacionados com o campo da prática profissional;

c) associados a saberes pedagógicos mais amplos do campo teó- rico da prática educacional;

d) ligados à explicitação de sentido da existência humana indivi- dual, com sensibilidade pessoal e social.

Portanto, a identidade do professor universitário se constitui, ao longo de sua trajetória profissional, na prática social. Diversos teóricos partilham da ideia de que a formação pedagógica dos docentes universitários se dá por meio do desenvolvimento pro- fissional, como um processo contínuo, que se inicia antes mes- mo dos estudos iniciais ou formais.

Segundo Ferenc (2005, p. 645), em sua trajetória de atuação pro- fissional, o docente universitário vai aprendendo a ensinar re- produzindo estratégias e práticas de seus antigos professores, mas busca, também, dar sua identidade à prática.

A identidade profissional do professor universitário vai- se formando, inicialmente, por um ato de atribuição e de reconhecimento de seu papel, pela comunidade uni- versitária e local e, posteriormente, por um ato de per- tença, quando o professor já compreende a instituição, suas normas de funcionamento e se encontra socializa- do na profissão e na instituição.

Desse modo, a atividade docente no ensino superior constitui-se num processo de busca, de construção científica e de crítica ao conhecimento produzido. Pimenta e Anastasiou (2002) destacam um conjunto de saberes pedagógicos necessários à ação docen-

te universitária, entre os quais citamos: a) o domínio de conhe- cimentos, métodos e técnicas científicas; b) a condução de uma progressiva autonomia do aluno na busca de conhecimentos; e c) a consideração de que o processo de ensinar/aprender deve man- ter vínculos explícitos com a atividade de investigação/pesquisa. Nesse sentido, a constituição de espaços formativos que propi- ciem a construção dos saberes docentes, tendo como meta um processo contínuo de formação para o trabalho com a heteroge- neidade dos estudantes, incluindo aqueles que constituem pú- blico-alvo da Educação Especial, assume absoluta pertinência. Esse movimento tem o potencial de contribuir na formação de profissionais que sejam capazes de criar ambientes educativos em que os diferentes estudantes, com os mais diversificados percursos de escolarização, possam desenvolver-se no processo de ensino-aprendizagem (JESUS, 2002) e, assim, permanecer e prosseguir os estudos acadêmico-científicos.

A universidade constituída como espaço de formação e produ- ção de conhecimento só será concretizada se houver uma apren- dizagem institucional ou organizativa significativa. Nesse sen- tido, Senge (1992, apud BOLÍVAR, 1997, p. 82) apresenta-nos um argumento que nos desafia profundamente: “[…] As orga- nizações só aprendem através de indivíduos que aprendem. A aprendizagem individual não garante a aprendizagem institu- cional (organizacional), mas não há aprendizagem institucional sem aprendizagem individual”.

Cunha (2009) nos aponta, a partir de seus estudos, que a univer- sidade é o espaço indiscutível da formação dos professores da educação superior. No entanto, nem sempre se constitui como tal. “Em geral constitui alguns lugares, diluídos em experiências tópicas e nem sempre compreendidas na sua significação ins- titucional […]” (p. 10). Vale o alerta da autora de que, mesmo com os desafios presentes nas práticas de ensinar e aprender na universidade contemporânea, entre os quais, o aumento de es-

tudantes público-alvo da Educação Especial nesse nível de en- sino, a universidade tem sido morosa e resistente em pensar a si própria e em ter clareza sobre o contexto em que está imersa. Defendemos, com Cunha (2009, p. 11), que:

É preciso que se estimule um movimento mais amplo e mais forte que implique na responsabilidade institu- cional e das políticas públicas. Se a qualidade da edu- cação é um compromisso social, faz-se necessária uma conscientização de que a docência cada vez mais se estabelece como uma atividade complexa […]. Espera- se, também, que a área da educação assuma sua cota de responsabilidade nessa contenda e contribua expo- nencialmente com a base epistemológica necessária à pedagogia universitária.

Portanto, a formação dos professores no ensino superior para uma prática reflexivo-crítica, que se volte ao atendimento às di- ferenças no contexto institucional e que contemple as dimensões sociais e políticas da ação docente, emerge como elemento cru- cial neste momento de mudanças na educação e na sociedade.