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A narrativa que agora apresentamos arroga a intencionalidade de, entre muitas perspectivas possíveis, olhar o objeto de estudo ancorado em pressupostos subjacentes ao paradigma inclusivo (BOOTH; AINSCOW, 2002; EADSNE3, 2008a; RODRIGUES,

2006, 2013) e ao paradigma crítico (HABERMAS, 1987; TRIN- DADE, 2001; PÉREZ, 2006). Paradigmas que nos dão um ma- peamento conceitual e orientam a nossa leitura/interpretação do objeto de investigação. Esse epicentro da investigação é uma preocupação cujo âmago é que a avaliação pedagógica pode ser encarada em contextos escolares naturais, nos quais tanto as po- líticas como as culturas e as práticas se organizam para promo- ver a aprendizagem de todos os alunos, independentemente da sua condição intrínseca e/ou extrínseca. Um olhar que foca a avaliação pedagógica dos alunos com NEE numa lógica de ges- tão da diversidade e da própria qualificação dessa diversidade (STOER; MAGALHÃES, 2005).

O presente estudo, embora reconheça que existem outras lei- turas sobre o processo de avaliação pedagógica, assume de for- ma explícita a destrinça entre avaliação para as aprendizagens e avaliação das aprendizagens (HARLEN, 2006; EADSNE, 2008b; ISAACS et al., 2013; RICE, 2013). Desse modo, esta pesquisa

concebe o desenvolvimento do processo de avaliação pedagó- gica como: intrinsecamente relacionado com os processos de ensino e de aprendizagem, em uma perspectiva inclusiva (EA- DSNE, 2008b); ato que visa à equidade (PERRENOUD, 2008b), pressuposto mais atual do que nunca, mesmo que essa equidade possa ser encarada como um desafio constante (RODRIGUES, 2013); regulador dos processos de ensino e de aprendizagem; uma regulação equacionada no decorrer das próprias ativida- des do aluno, potenciadora de aprendizagens significativas de- senvolvidas em contextos naturais de relação (BORDONI, 2000; RICE, 2013), nos quais tanto as políticas como as práticas estão organizadas para promover as próprias aprendizagens e o suces- so de todos os alunos, independentemente da sua condição de partida (EADSNE, 2008a, 2008b).

Portanto, é um processo de avaliação que, pela sua natureza re- guladora, bem como pela sua condição eminentemente comuni- cativa, apela à autorreflexão e à colaboração (CARDINET; LA- VEAULT, 2001; SANTOS, 2002, 2007; SANTOS et al., 2010). É um processo de avaliação formativo que potencia a participação de todos os atores implicados, nomeadamente os alunos (FER- NANDES, 2008a; SANTOS et al., 2010). No entanto, a avaliação formativa não olha para a avaliação somativa como o outro ex- tremo de uma dicotomia (FERNANDES, 2006b).

Assim, este estudo, ao colocar ênfase no cariz formativo da ava- liação pedagógica, não exclui outros tipos de avaliação, como a diagnóstica e a somativa. Antes as encara como atos e dispo- sitivos que podem concorrer para essa dimensão formativa da avaliação pedagógica (EADSNE, 2008b). No entanto, registra-se que esse entendimento não é linear, pois o processo pedagógi- co de avaliação é polissêmico (FIGARI; REMAUD, 2014) e, por vezes, pouco claro (FERNANDES, 2006a), caraterísticas que lhe imputam alguma tensão no que respeita não só à sua qualifica- ção como também ao seu desenvolvimento (EADSNE, 2008b; RYAN; COUSINS, 2009).

Se a emergência da perspectiva de avaliação formativa não anula outros tipos de avaliação, o mesmo não acontece quando se su- blinha o possível afastamento entre as ideias preconizadas e as práticas que lhe estão subjacentes. Assim, podemos encontrar práticas que, embora racionalizadas à luz de concepções tidas como mais atuais e adequadas, estão enfeudadas em perspecti- vas ainda muito tradicionais (PINTO; SANTOS, 2006). O que está em jogo são dois sentidos sobre o desenvolvimento da ava- liação pedagógica, que, de algum modo, são díspares. No caso específico da avaliação pedagógica dos alunos com NEE, temos um sentido que sublinha uma avaliação formativa e uma ava- liação contínua das competências do aluno (DIFFERENTIA- TION…,2007; EADSNE, 2008b; FLORIAN, 2010). Já o segundo sentido tende a enfatizar a medida e a classificação para fins de elegibilidade. A verdade é que, na atualidade, continua patente, em muitas narrativas, uma ideia de avaliação que se confunde com a ideia de medida (FERNANDES, 2008a).

Medir as caraterísticas cognitivas do aluno e, a partir dos resultados, descrever e classificar o comportamen- to, prevendo o êxito ou fracasso nos resultados escola- res e identificar e classificar os alunos, a fim de projetar os programas educativos especiais ou alternativos (RO- DRIGO; MARTIN, 2012, p. 16).

Essa é uma perspectiva clínica e psicométrica que se sobrepõe, algumas vezes, a um entendimento mais humanista e pedagógi- co. Quadro que, no geral, reaviva o confronto entre o paradigma positivista e o paradigma qualitativo. Por um lado, realçam-se a medição e a quantificação dos comportamentos de alunos vistos individualmente e/ou como pertencentes a grupos sociais espe- cíficos e devidamente classificados/rotulados. Por outro lado, enfatizam-se, com base em narrativas descritivas e interpretati- vas da complexidade e multidimensionalidade (PIERANGELO; GIULIANI, 2009; ISAACS et al., 2013; RICE, 2013) de determi- nado aluno, a compreensão e o enriquecimento da ação desse

indivíduo. Assim como salientam Pinto e Santos (2006), embora a avaliação seja uma das ações mais visíveis na profissão dos pro- fessores, é também uma das áreas em que os significados atribu- ídos revelam maior ambiguidade.

A vertente que hoje se encontra no centro de diversas discus- sões, tanto teóricas como práticas, é a que propõem Isaacs e outros (2013), ao refletirem sobre serem óbvias as diferenças entre a avaliação de aprendizagem (somativa) e a avaliação para as aprendizagens (formativa). Como realçam Santos e outros (2010, p. 5):

À medida que as teorias de aprendizagem têm evoluído, principalmente ao longo do século XX, a avaliação do desempenho dos alunos tem vindo igualmente a tomar novos significados. De um sentido único, fortemente associado à medida, vem-lhe sendo acrescentada uma nova dimensão. Se é certo que, na primeira metade do século passado, apenas se falava de avaliação, houve a necessidade de qualificar este termo quando se passou a dar deferentes sentidos e funções à avaliação. Assim, passa-se a falar de avaliação somativa quando nos refe- rimos aos processos que procuram responder às exigên- cias sociais da educação, como hierarquizar, selecionar, certificar, e de avaliação formativa quando se procura desenvolver processos cujo principal intuito é o de con- tribuir para a aprendizagem.

Esses são pressupostos reflexivos que poderão ser úteis para a construção de novas práticas de avaliação pedagógica centradas numa perspectiva mais inclusiva. Numa perspectiva que, por- ventura, implicará diversas mudanças que tem sido ou será ainda necessário vir a operar. Partilhamos da ideia de que têm existi- do algumas modificações e inovações nas escolas, como salienta Valles (2009, p. 13, tradução nossa):

Juntamente com essas mudanças nos diversos níveis do sistema educativo surgem novos alinhamentos e reor- ganização de políticas educativas partindo-se do pon- to de vista filosófico da corrente humanista social que

aborda o processo de aprendizagem, segundo o qual se defende que todos os alunos independentemente da sua condição física, mental, cultural, emocional, étnica ou religiosa assim como todas as pessoas com deficiência estão sujeitos aos mesmos direitos e deveres de todos os cidadãos, por isso devem ser incluídos e integrados no sistema educativo regular e avaliados de forma qua- litativa e integral de acordo com suas possibilidades e respeitando suas condições.

No entanto, as mudanças têm sido mais visíveis no âmbito das estratégias de aprendizagem e de ensino do que na avaliação pe- dagógica. Realidade que não contraria a ideia de que o foco na existência de maior diversidade de alunos deve reforçar o sentido de avaliação para as aprendizagens, de avaliação da e para a di- versidade, o que se prefigura como uma oportunidade de refor- mular também as práticas relativas a esse processo. O processo de avaliação, por ser central em toda atividade desenvolvida nas escolas e por estar diretamente relacionado com os processos de ensino e de aprendizagem, assume um estatuto de primordial importância em todo o ato educativo e, mais especificamente, em toda a ação escolar. “A avaliação constitui um dos elementos mais interessantes do modelo didático, pois incide sobre todos os outros. A avaliação afeta os objetivos, conteúdos, recursos, relações de comunicação e organização” (CAPITA, 2009, p. 23, tradução nossa). Processo que, essencialmente, assenta-se nos aspectos de comunicação e interação e a eles se remete, desta- cando-os como dimensões intencionais (SANTOS et al., 2010). Como refere a EADSNE (2008b), a vontade assumida por muitas escolas de desenvolver novos métodos de avaliação pedagógica, bem como novas formas de registar as evidências da aprendiza- gem, possibilitará aos professores e a outros profissionais dota- rem-se de um conjunto de dinâmicas e instrumentos que os aju- dará a individualizar o processo de avaliação. Como Perrenoud (2008b) afirma, o desenvolvimento de práticas de individualiza- ção e, necessariamente, de diferenciação constitui o grande de-

safio à mudança. Mudança que confira ao ato avaliativo pressu- postos de representatividade e significabilidade, de flexibilidade, de globalidade e multidimensionalidade, de continuidade bem como de acessibilidade e equidade.

Por isso e muito por causa das diversas leituras sobre o ato ava- liativo dos alunos com NEE, é consensual que a construção teó- rica no domínio da avaliação pedagógica é, conjuntamente com outros conhecimentos, essencial para apoiar as práticas escola- res (FERNANDES, 2008b). Configura-se a formação no âmbito da avaliação inclusiva como eixo central dessa construção teóri- ca, pois a melhor prática é, sem dúvida, fruto da elaboração de um bom background teórico.

Egido (1997), com o objetivo de melhorar o atendimento à di- versidade nas escolas, destaca alguns pressupostos que consi- dera essenciais. A deficiência no conhecimento desses pres- supostos, segundo o autor, tem origem em falhas durante a formação inicial de professores. Egido entende que, para uma escola da diversidade, os professores devem ter formação para o desenvolvimento:

a) do trabalho em equipe;

b) da mudança de atitudes, estabelecendo compromissos com a escola da diversidade;

c) de competências de negociação e partilha com outros profis- sionais;

d) de conhecimentos básicos relacionados com a identificação de NEE, bem como de identificação de circunstâncias que favore- çam o insucesso escolar;

e) de competências que permitam organizar, de forma adequa- da, a resposta educativa e a capacidade de constituir e adequar o currículo; e

f) de competências de reflexão crítica sobre a sua própria ação de ensino.

Nessa perspectiva, deve haver uma mudança de atitudes, acen- tuando a EADSNE (2008b), entre outros aspectos, a necessida- de de ser implementada formação também na área da avaliação para as aprendizagens aplicada à avaliação inclusiva.

Bolt e Roach (2009), quando se referem aos alunos com NEE, quanto ao desenvolvimento do processo de avaliação pedagó- gica, sobretudo o somativo, sugerem algumas fragilidades de- correntes da variabilidade das adequações e das práticas dessa avaliação. Variabilidade que, segundo os autores, pode ser atri- buída à falta de confiança dos profissionais nas atuais práticas avaliativas. Nesse sentido, os autores defendem que os diversos profissionais que trabalham com alunos com NEE devem ter for- mação específica de modo a:

a) desenvolver a capacidade de avaliação das competências dos alunos;

b) adquirir competências críticas que lhes permitam analisar e interpretar dados recorrentes do processo de avaliação; c) utilizar os resultados da avaliação para criar programas que

permitam uma melhoria do ensino;

d) adquirir confiança na interpretação e análise da informação gerada pelos processos de avaliação bem como refletir com outros profissionais de forma crítica sobre novas estratégias que possam ser sugeridas por essa informação.

A necessidade dos diversos profissionais de ter, no geral, uma for- mação mais sólida sobre o processo de avaliação de modo que este seja mais inclusivo é, normalmente, salientada no sentido de se operar uma mudança de concepções no que respeita aos procedi- mentos e instrumentos utilizados no decorrer do referido processo.

Devem existir políticas claras para a formação inicial e para o desenvolvimento contínuo dos professores que fa- cultem a toda a equipa interveniente na avaliação os co- nhecimentos e competências relevantes para a avaliação inclusiva […]. A formação deve pôr em evidência a avalia-

ção como resolução de problemas e não a avaliação como identificação dos déficits dos alunos que podem funcionar como barreira à inclusão. A formação deve evidenciar a avaliação para identificar e desenvolver áreas fortes e ca- pacidades enquanto instrumento-chave para apoiar o pro- cesso de aprendizagem do aluno (EADSNE, 2008b, p. 61).

Como temos afirmado, a formação de professores é considera- da um marco fundamental para o desenvolvimento de processos de avaliação inclusiva (AVALIAÇÃO…, 2009). A formação na área da avaliação inclusiva potencializa, segundo Kemp e Carter (2005), a mudança de atitudes e competências dos professores. Acrescentamos, assim como outros profissionais, que essas mu- danças devem ser facilitadoras do desenvolvimento do processo de avaliação e da sua relação com as necessárias adequações cur- riculares e com a elaboração e implementação dos Programas Educativos Individuais. Estes, bem como outros aspectos, foram o mote para que vários participantes do estudo que desenvolve- mos fizessem emergir, nas suas narrativas, o papel essencial da formação no âmbito da avaliação inclusiva.