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RECUSA E SILÊNCIO: O CONCEITO DE REVOLUÇÃO BRASILEIRA NO

PARTE II: REVOLUÇÃO BRASILEIRA E CLASSES DOMINANTES NO

1.7 RECUSA E SILÊNCIO: O CONCEITO DE REVOLUÇÃO BRASILEIRA NO

Entre 1945 e 1964 a sociedade brasileira atinge um período novo, de construção democrática, na história. Após o término da Segunda Guerra Mundial, internamente, ocorre a deposição de Vargas e o fim do Estado Novo, sob golpe militar em 1945. Nesse período eclode um momento novo, de intensificação dos processos de industrialização e de urbanização, que geraram efeitos em toda vida social. Os representantes de forças sociais com tendências democratizantes e progressistas puderam tornar públicas suas expectativas, demandas e ideias acerca da revolução brasileira. De Eurico Dutra a João Goulart, as transformações nacionais e internacionais delinearam os limites das batalhas internas, que sucediam umas às outras, para conter ou realizar ideias novas, com valores inéditos propostos por uma ―geração perdida45‖.

Movimentos de vanguarda artística, intelectual, acompanhando o desenvolvimento industrial brasileiro, pretendiam impor novos rumos às mudanças. No rico interlúdio de 1945 a 1964 tiveram origem diversos movimentos culturais e artísticos, assim como movimentos de arte engajada, entendendo por isso uma estética plural, ideologicamente eclética, comprometida com causas públicas e progressistas (Napolitano, 2007).

O país ainda era predominantemente rural, a maioria da população era analfabeta e sem acesso aos serviços públicos de educação, saúde e saneamento. Para que a indústria cultural se desenvolvesse era preciso uma expansão do próprio processo de industrialização. Isto ocorreu principalmente entre 1956-1961, com a instalação das indústrias de base ou ―industrialização pesada‖. Apesar de não haver ainda, a rigor, uma indústria cultural no país naqueles idos, renovações culturais significativas se exprimiram também através de diversas instituições intelectuais e políticas, as quais, em seguida, ou foram suplantadas ou sofreram intervenções através dos IPM‘s (Inquérito Policial Militar) com a tomada do poder de Estado pelo grande empresariado e pelos militares em 1964.

Nesse sentido, a Assessoria Econômica da Presidência da República de Vargas, a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), o Partido Comunista Brasileiro (PCB), a Cadeira de Sociologia I da USP,

45 Neste caso, o uso do conceito sociológico mannheimiano de geração não equivale à noção temporal ou à estratificação por idade, mas a um sentido ―disposicional‖. Elo que depende de afinidades, sensibilidades comuns herdadas e vivenciadas, as quais condicionam o sentimento de partilha de um mesmo destino. Cf. Fernandes (1980).

o Centro de Estudos Sociais, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), o Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais (CLAPCS), além de outras instituições e as diversas revistas do período46, são expressivos de um movimento de conhecimento de si da sociedade brasileira sob a ótica de representantes de forças progressistas que almejavam, com diferentes projetos, a consolidação de uma nação industrializada, com desenvolvimento econômico e democracia. Neste primeiro período de experiência democrática da sociedade brasileira, ―reformismo, modernização desenvolvimentista, nacionalismo eram notas de uma mesma sinfonia‖ (DELGADO, 2007, p 363).

Em consonância com os processos de industrialização e urbanização, os conceitos de ―modernização, nação e desenvolvimento‖ entraram na ordem do dia, assim como seus antônimos ―tradição, imperialismo e subdesenvolvimento‖. No contexto democrático iniciado em 1946, revolução brasileira torna-se um debate no qual os autores retomavam o passado histórico brasileiro, com vistas ao presente, às transformações em curso, especulando o futuro de um país egresso da colonização e de relações escravistas de trabalho. É a nova problemática intelectual do período que informa, em linhas gerais, conceitos e seus diferentes vocabulários, as visões e as teorias da revolução brasileira.

Ao longo das décadas de 1930 e 1940 - ao lado das interpretações clássicas de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr., em que as temáticas da identidade e da herança ibérica se faziam presentes -, ia ganhando cada vez mais espaço no cenário intelectual e político a ideia de que o progresso deveria ser estabelecido e que competia ao Estado cuidar das diretrizes para tornar efetivo este progresso. Assim, pouco a pouco, ganhavam terreno os conceitos de modernização e desenvolvimento, então compreendidos como sinônimo de industrialização. Como tornar o Brasil, plural e diversificado culturalmente, um país integrado e capaz de construir uma economia forte e voltada para o mercado? Como viabilizar os processos de industrialização e urbanização e tornar essa população rural - bastante marcada por uma religiosidade mágica, que vivia atrelada aos poderes locais e sem acesso a um sistema educacional - apta para o trabalho industrial e a vida urbana? Não se tratava mais de discutir o atraso, mas sim de constatar que o atraso econômico e social era real e que precisava ser superado (PRADO, 2008).

Neste novo contexto intelectual brasileiro, do pós-guerra, a ideia de progresso era substituída pela de desenvolvimento, na época um sinônimo de industrialização. Em escala

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A exemplo das seguintes revistas: Fundamentos,Problemas, Literatura, Revista Brasiliense, Estudos Sociais,

Novos Rumos, dos comunistas; Cadernos do Nosso Tempo, Publicidade e Negócios (na segunda fase) Semanário, dos nacionalistas; Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, criada pelo Instituto Nacional de

Estudos Pedagógicos, em 1944; além de diversas revistas nas quais eram publicados os estudos realizados pelas novas disciplinas das ciências sociais, introduzidas pelas universidades recentemente criadas, revistas mantidas por professores e acadêmicos.

nacional e estrangeira, ao Estado era atribuído o papel de estimulador do desenvolvimento. O debate acerca da revolução brasileira, entre os anos 1945-1964, situa-se no âmbito desta problemática. Em seu conjunto, esse debate interroga o momento de mudanças sociais pelo qual passava a sociedade brasileira, exacerbadas pela consolidação do processo de industrialização.

A referência empírica dos estudos sobre a revolução brasileira é a transição para o capitalismo industrial no Brasil, conforme Ianni (1989). ―Entender a natureza da revolução brasileira significava recuperar o passado histórico do país, compreender os reflexos desse passado sobre a realidade brasileira e projetar a direção dos desenvolvimentos políticos e econômicos nacionais‖ (PEREIRA, 2012, p.183-185). Recorria-se ao passado histórico nacional comparado ao presente para se projetar o futuro.

A revolução brasileira é um conceito, cuja compreensão, para além do uso rotineiro no senso comum da cultura política dominante no país com o sentido de quartelada, insurreição, fato e episódio, dependeu de uma nova geração de intérpretes do país para ser transformado. A partir da década de 1920, essa geração buscou uma compreensão nova do Brasil, muito renovadora e que se adensa e se satura no interregno democrático. Pelo trabalho intelectual desta geração, a revolução brasileira passa a ser pensada como processo e não fato pontual, épico. Nos anos 1940 a 1960, o conhecimento do país era uma demanda impreterível para as forças progressistas que, adotando uma concepção moderna da história no sentido de Koselleck (2006), almejavam conhecer o passado para transformar o presente e planejar o futuro da nação.

As transformações econômicas, sociais e políticas demandam novas interpretações, repercutem no plano da renovação das categorias de pensamento explicativas da época. No período de 1945 doravante nas interpretações do Brasil, os conceitos de natureza, de raça e de meio geográfico foram abandonados definitivamente, conforme os usos e sentidos adquiridos no final do século XIX. Evidentemente tais conceitos estavam vinculados às problemáticas históricas concretas enfrentadas pelas camadas dominantes locais no século XIX como a garantia da unidade nacional, e a substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre e o destino a ser dado às populações afro-brasileiras. A partir de 1945, a problemática renova-se, o impulso industrial era uma realidade que contrariava as visões a respeito da vocação agrícola do país. Pareciam concretas as possibilidades de, enfim, o Brasil tornar-se uma potência industrial.

Nas primeiras décadas do século XX, o debate sobre identidade nacional desloca seu foco de interesse [da raça, do meio geográfico] [...] e são eleitas as noções de cultura e civilização como parâmetros para a construção da identidade nacional. A partir dos anos 50, as discussões políticas e os debates intelectuais pautavam-se pelas noções de modernização, desenvolvimento, burguesia nacional, imperialismo e cultura popular. Cada um desses períodos elaborou categorias específicas por meio das quais eles podem ser estudados (VELOZO, 1999, p.49).

Os militares, ao lado de uma incipiente e jovem classe operária, protagonizaram as lutas políticas contra a oligarquia durante a República Velha. No período democrático, surgem novos atores sociais, a burguesia industrial, o operariado, as classes médias urbanas, os trabalhadores rurais em busca de sindicalização. Estes tiveram suas demandas representadas pelo pensamento progressista no período no que concerne à revolução brasileira.

Nos anos 1945 até 1964, segundo Bastos (2008) emerge um período marcado pelo abandono de velhos modos de organização social e política e construção de novos modos de relacionamento social. As mudanças econômicas e políticas permitiram uma nova institucionalização com a instauração de instituições democráticas, redefinição dos papéis intelectuais – com a criação de universidades que promoviam a especialização –, com as mobilizações sociais, com a emergência de novas forças sociais e de novos atores políticos.

Neste período de nossa história no pensamento político e sociológico brasileiro, segundo Vita (1968, p.392) ocorre um ―movimento de revisão teórica à base da experiência de vida e de consciência histórica‖. A grande transformação das condições de vida operada no país e a definição do sentido da continuidade desta transformação fizeram com que os pensadores brasileiros procurassem estabelecer novas relações com o passado do país e do mundo mediante novas formas de interpretação. Os pensadores da ―geração perdida‖ procuraram, cada qual em sua especialidade e ponto de vista, relacioná-los à interpretação do país e à consciência dos problemas de sua atualidade. O pensamento sociológico adquiriu densidade no interregno democrático. Livros importantes foram publicados, alguns deles são analisados a seguir.

1.8 CONTEMPORIZAÇÃO OU ANIQUILAMENTO DAS RAÍZES IBÉRICAS

Entre 1922 e 1945 doze golpes e movimentos armados ocorreram no Brasil. (Ianni, 1971). Na cultura política dominante no país a revolução era ―entendida especialmente num sentido de luta armada‖, insurreição, intentona, quartelada. Os militares envolvidos em

rebeliões desde 1922 passaram a se designar como revolucionários. Nas disputas políticas após 1930, ―para cada grupo de adversários, ―Revolução‖ é aquele movimento que segue os rumos de seus próprios objetivos políticos‖ (BORGES, 1992, P.119). Havia grande descrença nos processos legais para a solução da crise. O uso do conceito de revolução como golpe armado, alteração pela violência da ordem jurídico-política, como hoje em dia, era bastante recorrente.

O conceito de revolução brasileira, porém, ganha complexidade quando passa a ser usado para referir-se às transformações estruturais, sob diferentes formas ou propostas, a partir da década de 1930, mediante as contribuições fundamentais de Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre.

O livro Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda47 também aponta um andamento processual da revolução brasileira, mais sofisticado que as concepções pautadas em motins, insurreições, intentonas, levantes e golpes de estado, recorrentes no senso comum da cultura política nativa. Como indica Sallum (2012), o problema do livro não é reconstruir nossas raízes e sim entender o processo de transição sócio-político no Brasil, indicando formas de vida, de dominação e mentalidades que ainda nos oprimem: personalismo, domínio oligárquico e patrimonialismo. Como conceito de personalismo, Sérgio Buarque de Holanda pretendia negar a existência de um passado feudal, que supõe hierarquias rígidas. A ênfase no prestígio pessoal faria com que os privilégios hereditários não fossem decisivos, em razão de Portugal ser um país de aventureiros, onde conta os grandes feitos para o Reino48.

Na primeira edição de Raízes do Brasil de 1936, há um livro bem diferente das duas edições seguintes de 1946 e de 1956. As linhas de interpretação do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda, como a visão temporal e a concepção de história, são revistas em

47 Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) também pensou a revolução brasileira de modo processual. Formado em direito no Rio de Janeiro, atuou como jornalista, sociólogo e historiador, além de autor de ensaios e críticas literárias. Quando aconteceu a Revolução de 1930, Sérgio Buarque encontrava-se em Berlim como enviado especial dos Diários Associados. A estada na Alemanha despertou-lhe interesse pela história e ciências sociais. Em 1936, tornou-se professor de história do Brasil na Universidade do Distrito Federal. Entre 1937 e 1944, foi chefe da sessão de publicações do Instituto Nacional do Livro e diretor de divisão da Biblioteca Nacional até 1946. Também foi presidente da Associação Brasileira de Escritores. Cf. https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/sergio_buarque_de_holanda. Acesso em 10/02/2014.

48 O Personalismo envolve o sentimento de dignidade própria de cada indivíduo na chave do individualismo antigo, desigualitário, a existência de uma estrutura social frouxa e a permeabilidade das hierarquias. Envolve a ojeriza pelo trabalho manual, a naturalização das desigualdades individuais, a dificuldade de gestar formas livremente pactuadas de organização social. A cultura política do personalismo assenta-se no grande domínio rural, está encarnada na família patriarcal, no pater poder absoluto, que abrange agregados e escravos, conforme o antigo direito romano canônico. Este modelo de organização social teria servido de modelo para a construção do Estado, levando ao predomínio na esfera pública do modelo de relações engendrado na esfera privada (Sallum, 2012). Para uma crítica a esta concepção ver os trabalhos de Jessé de Souza.

compasso com o desenvolvimento profissional do historiador49. Apesar disso, a concepção de revolução como processo histórico e não como fato localizado mantém-se nas edições posteriores do livro. Do mesmo modo, o critério usado pelo conceito, o aniquilamento das raízes ibéricas, é conservado nas edições seguintes. O que muda é o enquadramento conceitual político do processo de revolução.

Para Sérgio Buarque de Holanda (1973) as raízes ibéricas estão relacionadas ao personalismo, à influência do catolicismo, à cultura da personalidade, à ética da aventura, à predominância do rural, à fragilidade dos laços de trabalho, ao horror ao trabalho manual, à cordialidade, à primazia do privado sobre o público, à precedência do Estado em relação à sociedade, à centralização política, ao repúdio às luzes, ao apego ao obscurantismo, ao conservadorismo, ao tradicionalismo, ao individualismo aristocrático, à suposição da desigualdade natural dos indivíduos, à conciliação, ao talento, à cordialidade, à independência, ao pacto social entre grupos, à família patriarcal, ao Estado patrimonial, à cordialidade que contraria o universalismo dos valores etc.

Na primeira edição, apesar de conter passagens a respeito da positividade da herança ibérica, suprimidas nas edições seguintes, lemos:

Se a revolução que, atravez de todo o Império não cessou de subverter as bases em que assentava a nossa sociedade ainda está longe, talvez, de ter attingido o desenlace final, parece indiscutível, porém, que foi transposta a sua phase aguda. Ainda testemunhamos presentemente, e por certo continuaremos a testemunhar durante largo tempo, as ressonâncias últimas desse lento cataclysma, cujo sentido parece ser o do aniquilamento das raízes ibéricas de nossa cultura para a inauguração de um estylo novo, que chrismamos talvez illusoriamente de americano, porque os seus traços se acentuam com maior rapidez em nosso hemisfério [sic] (HOLANDA, 1936, p.137).

Nesse momento, Holanda, inspirado em autores como Alberto Torres, Oliveira Vianna e Gilberto Freyre, sustenta nossa incompatibilidade, enquanto sociedade, com os valores liberais democráticos, como a separação entre Estado e governo, o despersonalismo, a impessoalidade e a justiça neutra etc. Nesta edição, o autor sugere a ―tyrania‖ como meio de mudar a alma do povo e instaurar um elemento normativo sólido, embora reconheça a existência de outros meios para alcançar esse fim50. A ―consolidação e estabilização de um

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Uma análise de tais revisões está presente está presente em: NICODEMO (2014).

50 Não cabe a nós julgar os autores com critérios morais e políticos hoje dominantes e flertar com o anacronismo. A democracia não era aspirada nem aqui nem na Europa. Período de crise do liberalismo que deu origem a

organismo social e nacional‖, livre do personalismo e do iberismo, era o objetivo visado por Holanda em 1936.

Na primeira edição do livro existe uma citação que compara o Brasil e a Rússia czarista suprimida nas edições seguintes, bastante reveladora da perspectiva de Holanda sobre a ‗nossa revolução‘. É preciso ter em vista que a mudança de conteúdo das edições de Raízes

do Brasil significa que as ideias antes assumidas deixaram de satisfazer seu autor e foram

retificadas, precisadas e ampliadas como ele mesmo chama atenção nos prefácios das edições de 1948 e 1956.

Citando Hermann Graf Von Keyserling, Holanda diz que o Estado brasileiro está assentado em bases mais seguras e menos vulneráveis, ―[...] fosse a Rússia governada como o Brasil e jamais o seu povo se teria rebelado‖ (HOLANDA, 1936, p.142). Um aspecto importante a ser levado em conta é que a problemática do livro consiste em compreender o processo de transição sócio-política no Brasil, processo que vem desde a transferência da Corte e que ganha fôlego com a Abolição da escravidão.

Holanda revela retalhos de instituições, estilos de vida e mentalidades vigentes no Brasil que ainda nos oprimem, exercendo impedimento, resistência, oposição e antagonismo para a realização do americanismo, dos valores liberais e democráticos na sociedade brasileira (SALLUM Jr, 2012). Grosso modo, o americanismo é uma forma de organização da economia, da política, da sociedade e da cultura baseada na livre iniciativa, na partilha da terra, na descentralização política ou federalismo e na democracia representativa, na mediação entre política e economia, na separação entre público privado etc. Para Gramsci o americanismo diz respeito às sociedades nas quais o capitalismo é organicamente hegemônico, assegurado por uma extensa rede de controles sociais dentro e fora das fábricas. Para Holanda (1973), a ‗nossa revolução‘ não é uma ‗quartelada‘, mas um processo ‗lento‘, ‗seguro‘ e ‗desconcertado‘, experimentado na vida nacional. Não possui o ‗alarde das convulsões de superfície‘. A sociedade brasileira, apesar das quarteladas, intentonas, insurreições e motins epidérmicos, é uma realidade histórica processual marcada pela recorrência da conciliação. Conflitos abertos, crises revolucionárias, a exemplo de países como França e Rússia, não seriam característicos da sociedade brasileira. O declínio lento do iberismo que não serve de suporte para a ascensão também lenta e descontínua do americanismo, vindo por motivos de fora, são as faces do processo revolucionário brasileiro,

regimes e ideologias reacionários ou contrarrevolucionários como fascismo, nazismo, Estado Novo, nacionalismo de direita, autoritarismo.

de média e longa duração. Neste processo, o domínio agrário não é desconstruído em seus fundamentos. O processo de revolução é contido pelas raízes ibéricas.

Holanda não diz revolução brasileira, mas ―nossa revolução‖, pois o conceito estava identificado às forças e crenças tenentistas e comunistas, as quais o ilustre historiador era alheio. Ademais, o qualificativo brasileiro pressupõe uma ideia de singularidade não compartilhada por Holanda. Raízes do Brasil é um livro fundamental do ensaísmo brasileiro escrito para um público culto e restrito, uma vez que ao ser publicado pela primeira vez, em 1937, a maioria da população brasileira era analfabeta. Não possui a mesma estatura dos textos militantes analisados na primeira parte deste trabalho.

Holanda (1973) se refere à sociedade brasileira como o problema fundamental da ‗nossa revolução‘, do qual o Estado é um reflexo ou extensão. O passado nos condena e continua operante. A cultura e socialização ibérica derivam da cultura do colonizador, da mentalidade dominante. Trata-se de um modo de pensar e perceber o mundo, de ações sociais e de relações sociais cujos efeitos são perniciosos para o interesse público ou comum, para o convívio democrático e para a construção de um regime democrático no Brasil. Esse modo de pensar, agir e se relacionar ibérico estaria presente tanto nas classes dominantes quanto nas classes dominadas. São nossas raízes rurais, toscas, personalistas, avessas ao convívio democrático, formas de vida que ―nem sempre são expressões do arbítrio pessoal, não se ―fazem‖ ou ―desfazem‖ por decreto‖ (HOLANDA, 1973, p.119).

A democracia no Brasil seria como que ideologia dominante: ideia importada para acomodar direitos e privilégios; adorno para ocultar privilégios oligárquicos; um ―lamentável mal entendido‖, uma vez que a democratização não se traduz no plano das relações de poder e das instituições políticas. A democracia seria mais uma aspiração sem suportes sociais e políticos do que uma realidade. O encaminhamento da ‗nossa revolução‘ para a superação das raízes ibéricas depende, para Holanda, da ―democratização das relações de poder entre as