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Influência literária como diálogo inventivo

1 QUATRO FACES DO PROCESSO LITERÁRIO BRASILEIRO DE ACORDO COM A

3.2 Eixos da composição crítica assisiana

3.2.2 Influência literária como diálogo inventivo

O segundo eixo esboçado para pensar acerca dos valores dominantes na crítica assisiana é a sua visão sobre influência literária e como tal procedimento estético foi por ele concebido. Pelo que se pode perceber nos textos publicados no SDJB, a questão da influência literária – considerando autores e obras para os quais destinou suas pesquisas – se aproximou, de certa maneira, da Antropofagia, de acordo com os termos de Oswald de Andrade, embora Assis Brasil defendesse uma visão de poesia distinta, conforme apresentado no capítulo anterior. O autor do Manifesto Antropófago postulou a equação entre modelos europeus e nacionais, por meio de um processo de assimilação crítica dos valores culturais externos. Para Assis Brasil, a literatura só havia chegado a esse estágio, no contexto no qual estava inserido, ou seja, no universo da Nova literatura.

Na sua crítica hebdomadária, foi uma prática comum, antes de tratar de um novo lançamento, fazer uma retomada das modificações ocorridas no gênero literário ao qual pertencia a obra em apreço, ressaltando novas propostas estéticas, reapropriações criativas ou repetições nela presentes. Assim, percorria a tradição dita moderna (nacional ou estrangeria), apontando as influências que identificava nas obras dos novos escritores. Desse processo, destacou as fontes reincidentes de influências sobre os novos escritores – tais como James Joyce, William Faulkner, John Steinbeck, Katherine Mansfield, François Mauriac, Flannery O'Connor, Machado de Assis, Mário de Andrade, entre outros – e, desse modo, selecionou os autores que considerou na vanguarda da revitalização que ocorria nas Letras nacionais. Considerando esse aspecto, destacou o crítico que as técnicas que sobressaíam na produção dos novos escritores brasileiros deviam, em muito, a uma recriação e reinvenção das influências segundo um modo hábil e consciente de reapropriação das influências, portanto, tratava-se, a rigor, de um processo criativo.

Toda a crítica assisiana está perpassada pela ideia de que a literatura que lhe era contemporânea superava em experimentação as escolas literárias, embora dependesse das conquistas realizadas, sobretudo, pelo Modernismo, para se elevar a tal nível. Esse pensamento se relaciona diretamente com a sua defesa de que a literatura brasileira já não era deficitária em relação às europeias, portanto apta o suficiente para dialogar com literaturas de

outras pátrias, sem se ressentir do caráter de marginalidade, bem como com escritores do próprio cânone nacional, de modo a somente impulsionar o enriquecimento literário brasileiro que ele dizia constatar.

O fato de o crítico ressaltar, por vezes, obras de escritores estrangeiros como experiências modelares não implicava, segundo ele, a inferioridade dos autores brasileiros. Assim, as influências literárias – tanto externas quanto internas – sucessivas e reinventadas que foram, terminaram por contribuir para a efetivação da nova atitude estético-cultural que culminaram na Nova literatura.

Isso posto, destacou que escritores como Autran Dourado, Samuel Rawet, José Louzeiro, José J. Veiga e outros, reinventavam quaisquer influências no interior de suas narrativas, de modo que estas se tornavam vestígios dada à obnubilação brasílica, para usar uma expressão de Araripe Júnior. O que Assis Brasil sempre reprovou foi a postura imitativa, conforme se pode observar na sua crítica sobre o romance Um ramo para Luísa, de José Condé (1959). Embora ressaltasse o talento do autor quanto ao uso de alguns arranjos técnicos na narrativa, frisou sua insuficiência criadora ao se deixar guiar mais “por espírito imitativo

do que por [...] influência” (BRASIL, SDJB, 14 de nov. 1959, p.4). Destacou que, ao se

utilizar, por exemplo, de recortes de jornais, José Condé parecia imitar o estilo de John dos Passos (1930), em The 42nd Parallel. Argumento similar teceu o crítico sobre o livro O capitão jagunço, de Paulo Dantas (1959), que, com tal lançamento, mostrava um romance em declínio – se consideradas suas obras anteriores – ao ecoar imitativamente Guimarães Rosa:

O autor de O Capitão Jagunço força a expressão intuitivamente naquilo em que em Guimarães Rosa é construção consciente [...]. por ser uma procura imitativa desse estilo é que Paulo Dantas deu à sua linguagem um tom incaracterístico e desequilibrado. Como já temos chamado a atenção [...] Guimarães Rosa é um abridor de caminhos e perspectivas, mas é uma influência má, pois nenhum ficcionista poderá, impunemente, se deixar influenciar pelo seu estilo, sem que não caia na imitação (BRASIL, SDJB, 28 nov. 1959, p.7).

Desde muito cedo, Assis Brasil destacou em sua crítica a antinomia das boas e das más influências. Asseverou em relação ao romance Doramundo: “[Fosse] escrito num estilo direto, de descrição convencional, simplista, seu valor seria muito limitado [...]. É que já se foi o

tempo das boas ‘influências’. Eis o seu drama e a sua salvação” (BRASIL, SDJB, 21 abr.

1957, p.3). O crítico elucidou que há escritores que espelham má influência, dada a singularidade de seu estilo e linguagem, como Guimarães Rosa, no referido caso. Baseado na mesma premissa, observou que o romance A ronda no pátio (1957), de Paulo Novaes havia

sido atravessado pela má influência kafkiana, de modo a corromper a dimensão inventiva da obra. Argumentou que, do estilo substancioso de Kafka, Novaes ficou apenas com a imitação vazia, portanto, considerou que “seus propósitos ficaram a meio caminho por ter tomado

como espelho um escritor de má influência” (BRASIL, SDJB, 19 jan. 1958, p.2).

Na ótica do crítico, a influência literária, devidamente assimilada, após a eclosão do chamado romance moderno, passou a ser um desafio maior. Desse modo, os escritores que se destacavam eram, principalmente, aqueles que lidavam com a influência como um enigma

decifrado: “tradição e inventiva” confluíam ambas para a elevação da ficção nacional. A

crítica assisiana deixa patente que os novos escritores superavam a simples influência, mesmo quando se tivesse como farol escritores da relevância de Franz Kafka ou do próprio Guimarães Rosa cujas obras exigiam, por parte dos novos escritores, criação asséptica e, de modo mais complexo, propriedade simbólica diante da arte.