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1 QUATRO FACES DO PROCESSO LITERÁRIO BRASILEIRO DE ACORDO COM A

3.2 Eixos da composição crítica assisiana

3.2.1 Particularização da autoria

A expressão particularização da autoria, tal como será aqui delineada remete a um dos critérios mais relevantes da crítica assisiana e que esteve na base de todos os seus pressupostos para a defesa da Nova literatura. Tal particularização significava, para o crítico, o momento notável em que os escritores se desligavam dos preceitos que regiam as escolas literárias. Desse modo, a autoria sobressaía de maneira mais contundente na literatura brasileira, a despeito de escritores anteriores já terem rompido com tais códigos, como era o caso, para o crítico, dos predecessores da Nova literatura. Ressaltou ainda que escritores clássicos, naturalistas e realistas, por exemplo, escreveram segundo as regras de suas respectivas escolas literárias, tomando-as como “dogmas”. Assim, aqueles que fugiam aos seus cânones eram repudiados pelo deslocamento, quer estilístico quer temático, de modo que, somente com o tempo, pôde-se fazer justiça a alguns autores não acolhidos pelo diferencial de suas produções, como foi o caso – pode-se aqui acrescentar –, em contexto nacional, de Joaquim de Sousa Andrade, ou, Sousândrade (1833-1902) que, somente anos após o lançamento de suas obras, recebeu o reconhecimento que, de fato, era merecedor. Essa ruptura em relação a escolas literárias, assinalou o crítico, aconteceu de modo mais vigoroso e aberto

no período do Modernismo brasileiro, do qual se destacaram “indivíduos, personalidades artísticas, francos atiradores das artes, libertos de toda e qualquer convenção. As escolas

criavam homogeneidades” (BRASIL, SDJB, 24 fev. 1957, p.1). Seguindo essa mesma

constituição argumentativa, destacou a base desse perfil literário que definia os escritores desde o Modernismo, mas que marcava, especialmente, os novos autores que surgiam, sobretudo, a partir da década de 1950:

As novas técnicas [...] têm sido nos últimos anos de um grande valor para a ficção [...] tomou novas feições, e adquiriu uma validade artística nunca antes alcançada. É que, ultrapassadas as limitações das escolas literárias, os escritores se acharam, na fase Modernista, completamente livres para as suas pesquisas, experiências e realizações. Cada um procurava marcar o seu próprio caminho e criar a sua própria personalidade artística. Ou a ficção teria fatalmente morrido ou se estratificado (BRASIL, SDJB, 21 abr. 1957, p.3).

Mencionada por Assis Brasil em vários ensaios publicados no SDJB, utilizando-se de terminologias variadas, a ideia da particularização da autoria adentrou seus escritos como uma espécie de tropo, sempre como marca maior de qualquer criador autêntico, com personalidade artística ou criadora, que o colocava em vigília contínua contra as tendências homogeneizadas. Segundo a visão do jovem crítico, no ano de 1957, já era possível entrever mudanças nos rumos que tomava a arte literária nacional. Assinalou o fato de modo mais preciso ao tratar de um romance que se lhe tornou muito caro, Doramundo, de Geraldo Ferraz:

Geraldo Ferraz, no seu livro Doramundo, foge inteiramente à técnica convencional da narrativa. Não filiaríamos o escritor a nenhuma corrente da moderna ficção, pois mesmo tendo Geraldo Ferraz sido influenciado por alguns processos já conhecidos, o que fez foi amoldá-los à sua personalidade artística, tirando daí os efeitos necessários para a apresentação de uma obra nova em nossa literatura (BRASIL, SDJB, 21 abr. 1957, p.3).

No que tange ao autor de Doramundo, foi exatamente tal marca que conferiu singularidade à sua obra, levando-o a revelar valores estéticos revitalizadores da ficção nacional, de acordo com a visão assisiana. É necessário esclarecer que, ao considerar as técnicas caracterizadoras da Nova literatura como revolucionárias, o crítico se referia menos à originalidade dos escritores que ao diálogo entre a literatura nacional e outras estrangeiras, cujo substrato permitia uma nova dinâmica, especialmente, às publicações daquele período que revitalizavam o sistema literário brasileiro. Desse modo, realçou o trabalho técnico desenvolvido por Geraldo Ferraz em sua criação:

O ficcionista adota várias maneiras para desenvolver os episódios e apresentar os personagens de seu livro. Desde a superposição de planos para a narrativa, o monólogo, que não é bem o monólogo interior dos romancistas psicológicos, a incronologia (sic) temporal, até a variação de pessoa na apresentação dos fatos romanescos. Começa [...] neutro, apenas desenrolando os episódios. Mais adiante põe na boca ou na imaginação de alguns personagens o próprio fio da narrativa (BRASIL, SDJB, 21 abr. 1957, p.3).

Centralizados como critérios de valor, elementos intrínsecos como os citados acima deveriam ser elaborados segundo um processo tal, que revelasse a “força criadora” do escritor

– base multifatorial desse eixo operacional. Tal aspecto foi destacado também por Assis

Brasil em um dos seus esparsos ensaios sobre poesia, publicado no SDJB, em 18 de novembro de 1956, intitulado Três poetisas, no qual o crítico elegeu os livros: Quinze poemas, Da posse prematura e Colina, respectivamente, de Lélia Coelho Frota, Yone de Sá Motta e Maria Teresa Wuillaume. Sobre a primeira escritora, que foi incluída como representante da corrente poética que ele denominou, mais tarde, de Tradição da imagem, declarou que seria ela detentora de um estilo novo, particularizado, “um marco de uma nova

personalidade artística” (BRASIL, SDJB, 18 nov. 1956, p.2); ao passo que, em Colina, de

Maria Teresa Wuillaume, segundo sua visão:

Não [havia] transfiguração da realidade [...], nem tampouco uma personalidade criadora. [...]. A autora arruma algumas palavras procurando na relação vocabular um tônus modernista, caindo não raro em algumas

frases feitas, tais como: “no complexo jogo do destino”, “na miragem do espelho”, “no sorriso triste num canto da boca”, “o riacho cantou longamente e o chafariz chorou”. [Ela] transporta para o papel os seus arroubos emotivos – circunstanciais (BRASIL, SDJB, 18 nov. 1956, p.2).

É recorrente nos textos assisianos a ideia de que a obra precisa se projetar em transcendência, de tal modo que será este o eixo de maior relevância de sua critica. Segundo o crítico, Maria Teresa Wuillaume escreveu “uma poesia fria, sem nenhum contato com o mundo subjetivo”, o que acarretaria seu fracasso até mesmo diante do “tônus modernistas”, segundo ele, almejado pela autora. Desse modo, declarou que seus versos não revelavam

vínculos sequer razoáveis à escola modernista, “tampouco uma personalidade criadora” que

possibilitasse a ela particularidade autoral.

Mais tarde, dirá o crítico que experiências literárias realizadas de acordo com essa matriz – particularização da autoria – promoveram uma nova fase literária, que, cabalmente, prescindiria das constantes homogeneizadas, colocando em cena a apresentação autoral por meio de uma linguagem que atingiria estágios profundos de força criadora. A obra deveria,

pois, apresentar-se como um laboratório de experiências dinâmicas. Quanto à prosa de ficção, a centralidade deveria estar nos personagens, enquanto guia da narração e não mais no narrador onisciente. Grau de criação que somente uma crítica igualmente particularizada poderia alcançar. Nesse sentido, somente a leitura analítica e criadora atenta às demandas internas deveria revestir a obra em detrimento de teorias.

Assis Brasil destacou vários autores que se distinguiram pelo uso da particularidade autoral, também desvinculada manifestos e programas que tendessem à condução do “artifício

criador” no curso de um tipo previsível de literatura. Esse hiato entre escolas e obras

sobressaía, por exemplo, em romances como Marcoré de Antônio Olavo Pereira (1957), e Lady Godiva de Macedo Miranda (1957). A respeito deste último, destacou Assis Brasil, na seção Bibliografia do SDJB, que, embora mantivesse alguma aproximação com a narrativa tradicional, destacava-se pela “marca de uma personalidade e [pela] essência de uma obra de

arte” (BRASIL, SDJB, 25 de ago. 1957, p.2), projetando-se para além da composição linear,

visto que não mais fazia uso do “fraque e da cartola”.

Nas questões assinaladas em relação ao eixo operacional em foco, são perceptíveis marcas da visão do fenômeno literário, conforme apresentado no tópico anterior, no qual estariam amalgamados: objetividade e subjetividade, imanência e transcendência. Até onde é dado ver, o crítico primou por ressaltar que os arranjos técnicos deveriam se realizar de tal modo a fertilizar a obra, outorgando-lhe sacralidade, no sentido específico que conferiu ao termo. Seguiu no sentido de buscar vestígios que apontassem para a singularidade da obra que lhe caía em mãos, aspecto que será também focalizado no capítulo seguinte desta tese.

Esse pensamento, pode-se inferir, não se distingue daquele no qual o crítico se baseou para asseverar o óbito do Modernismo, considerando que tal movimento havia recaído em uma retórica repetitiva e acadêmica, isto é, em uma opacidade que não mais poderia abrigar peculiaridades. Não era outro o fundamento da sua rejeição contra o que chamou de romance documental por julgá-lo detentor de uma linguagem jornalística, não inventiva, contrariando tal critério. Para Assis Brasil, haveria sempre um caminho, como o Tao laotseano que permitiria a unicidade da arte enquanto experiência viva, enquanto irradiação consciente de um complexo que comporta peculiaridades, no sentido específico de marcar o fim das escolas literárias, condição sine qua non para o advento da Nova literatura brasileira.

Esse eixo operacional antecedeu aos demais por conter em si o substrato determinante dos outros, pois, sem o desligamento das escolas literárias tradicionais, segundo Assis Brasil, não seria possível pensar novas categorias e critérios de apreensão da literatura nascente. Em linhas gerais – ressalta-se –, esses parâmetros críticos não são autônomos entre si, conforme

será possível observar na exposição das especificidades dos demais referenciais críticos assisianos expostos a seguir.