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1 QUATRO FACES DO PROCESSO LITERÁRIO BRASILEIRO DE ACORDO COM A

1.5 O novo conto

De acordo com o crítico, antes do chamado conto moderno – quando o conto adquiriu independência formal, desapegando-se da novela e do romance, rompendo com uma história

“feita de empréstimos” (BRASIL, 1975b, p.30) –, o gênero não havia logrado de devida

realização, marcado que estava, sobretudo, pelo número de páginas. Para elucidar sua reflexão em relação ao conto, Assis Brasil se utilizou das mudanças estruturais pelas quais passou o soneto para ilustrar seu pensamento. Destacou que tal modalidade poética perdura na produção dos poetas contemporâneos, conservando seus quatorze versos, porém com muitas alterações como, por exemplo, versos brancos e livres e abolição das rimas rígidas e metrificação. Tal aspecto revela a revogação de certos valores ou a substituição de elementos de sua estrutura, contudo sua identidade permanece encerrada em uma forma a priori. Ao

contrário do soneto, ressaltou o crítico, “o conto [...] sempre foi um meio de expressão

narrativa linear da oralidade, não fizeram mais do que tatear essa forma” (BRASIL, 1975b,

p.30).

Assis Brasil, observando a história do conto, julgou como tarefa inconsistente a qualquer crítico assegurar a integração ou abolição total da ação episódica, no referido gênero. Por conseguinte, Brasil optou, nas suas especulações, por utilizar, nesse caso, a expressão

reinvenção “dentro da própria trama” dos valores estruturais do gênero, ou ainda preferiu se referir “ao surgimento de novos valores na trama”, visto que esses elementos nem sempre

seriam facilmente identificáveis, por serem aspectos que pressupunham aprofundamento analítico, no qual, a sensibilidade do crítico sobrepujaria sua capacidade de constatar “quando

um conto se realiza ou não” (BRASIL, 1975b, p.28). Acrescentou ainda que, entre os diversos

gêneros, o conto foi aquele que demandou mais tempo para atingir determinada conformação estrutural, por mais sutil que seja, minimamente arranjada, sobretudo, na contemporaneidade, de modo a promover sua distinção – “desde que se insista ainda na classificação dos gêneros

literários” (BRASIL, 1975b, p.27) – diante de outras narrativas curtas como a novela.

Afirmou ainda, nesse prisma, que tratar dos elementos estruturais do conto implica “pisar em

terreno movediço, pois em alguns contos [...] tais elementos não são encontráveis à mão”

(BRASIL, 1975b, p.29).

Para o crítico piauiense – tal como aconteceu em relação aos demais gêneros –, alguns contistas vaticinaram o novo conto brasileiro, entre os quais fez menção a Lygia Fagundes Telles, Luís Canabrava, Murilo Rubião, Breno Accioly e Jones Rocha, cuja produção, sobretudo a dos três últimos, estabeleceu vínculos entre o conto moderno e o novo conto. Eles

abdicaram de uma visão realista, bem como do enredo concatenado em função de “uma visão do mistério e do tempo interior humanos” (BRASIL, 1975b, p.16). Assis Brasil considerou os

contos de Jones Rocha, no que se refere à técnica, como os mais audaciosos, “chegam a ser apenas situações, atmosferas e seus cortes finais [...] resultam na maioria das vezes funcionais em relação ao conjunto [da obra]” (BRASIL, 1975b, p.16, grifos do autor).

Isso posto, enfatizou que, com Guimarães Rosa e Clarice Lispector, “o gênero

assumiria um dos primeiros planos literários” (BRASIL, 1975b, 49). Contudo, segundo sua

avaliação crítica, foi somente com Samuel Rawet que o conto moderno cedeu lugar, em solo nacional, ao novo conto. Nos seus contos, as peripécias do enredo perderam a primazia, tornando-se análogas aos demais elementos em tensão no todo da narrativa. Considerando essas e outras particularidades dos contos rawetianos, o crítico pontuou que “o gênero nunca

fora antes tão violentamente revolvido em sua estrutura” (BRASIL, 1975b, p.67). Com o flagrante mais refinado, a linguagem de Rawet passou a atuar “como o próprio mundo ao

nível da expressão artística” (BRASIL, 1975b, p.71). Ele desrealizou, de acordo com o crítico,

as constantes caracterizadoras do gênero, em um amadurecimento artesanal de tal monta, que o tornou o ponto de convergência do novo conto brasileiro. Quanto aos demais livros de Rawet, o crítico ressaltou que funcionaram como “a confirmação de uma personalidade

criadora invulgar e a afirmação de um gênero até então relegado a segundo plano” (BRASIL,

1975b, 15). Ponderou ainda a inércia da crítica quando do lançamento de um livro tão singular como Contos do imigrante (1956), informando que, além dele próprio, apenas lhe teria feito referência o crítico Heráclito Sales que escrevia no Diário de Notícias.

Após ressaltar o nome de Rawet como o escritor consagrado dentro da nova fase, o crítico destacou então aqueles que seriam os novos contistas, tais como: Dalton Trevisan

que impôs ao gênero “uma marca pessoal e contundente” (BRASIL, 1975b, p.48) –, José

Louzeiro, Jorge Medauar, José J. Veiga, Rodrigues Marques, Ivan Ângelo, Maura Lopes Cançado, José Edson Gomes, João Antônio, Rubem Fonseca, Luiz Vilela e Moacyr Scliar, cujas obras ele se dedicou a pesquisar. Seguindo sua metodologia, destacou aqueles que seriam os chamados novíssimos, já consolidando uma tradição do novo conto, como: Maria Geralda do Amaral Mello, Sônia Coutinho, Judith Grossmann, Elias José, entre outros. Muitos deles tiveram suas obras comentadas, em primeira mão no SDJB, como era o caso de Samuel Rawet, José J. Veiga, José Louzeiro, Rubem Fonseca, Maura Lopes Cançado e Jorge Medauar.

De acordo com suas proposições, na esteira do antirrealismo que desembocaria no novo conto, do qual Murilo Rubião foi desbravador exponencial, sobressaíram as obras de José J. Veiga e José Edson Gomes e, ainda, nesse denominador comum, Luiz Vilela e Ivan Ângelo, sob um ângulo mais poético, bem como Rubem Fonseca, sob um prisma mais satírico. Um detalhamento mais adequado da visão assisiana sobre o novo conto brasileiro se encontra no quarto capítulo desta tese.

Ressaltou Brasil que, juntamente com Rawet, Dalton Trevisan seria a referência mais forte do novo conto brasileiro. Trevisan – acrescentou o crítico –, com a publicação de A guerra conjugal, em 1969, atingiu “o mito em sua ficção”, um mundo cindido das contingências históricas e, assim, particularizou-se, sobretudo, pela marca inconfundível de seus personagens, no mais alto grau de depuração e de amadurecimento estético.

Enfatizou que, para a defesa de sua tese do novo conto, não se baseou aleatoriamente nos livros que recebeu para análise enquanto crítico militante, mas que havia procedido a uma

interior [do país], mas o importante: vieram à luz [...]. Cremos, em nenhum momento da literatura brasileira, o conto foi cultivado por tantos bons escritores” (BRASIL, 1975b, p.50).

Dadas essas constatações, o crítico refutou o pensamento exposto por Walnice Nogueira Galvão, na Primeira Bienal Nestlé de Literatura Brasileira. Segundo Walnice Galvão, o conto de atmosfera pouco havia progredido no cenário brasileiro, eclipsado que foi pelo conto de anedota ou conto de enredo. Acrescentando ainda que:

Esse modelo tinha força disruptiva e criadora naquela fase de revolução industrial, mas de há muito tempo já a perdeu. Apesar das exceções, e possivelmente até a contragosto dos envolvidos, esse é o modelo de conto que impera na literatura brasileira [...]. O impulso vitalmente experimentalista, a busca de novos códigos, a alegria da rebeldia contra o academicismo, a problematização das relações entre escritor e público – bandeiras do Modernismo – parecem ausentes do panorama mais recente (GALVÃO, 1983, p.171).

Assis Brasil contestou tal argumentação, alertando que a Walnice Nogueira Galvão parecia desconhecer contistas como: José J. Veiga, Luiz Vilela, Victor Giudice, Samuel Rawet, Domingos Pellegrini, Tânia Jamardo Faillace, entre outros contistas que ele apresentaria “como indicação de leitura e atualização para a professora” (BRASIL, 1995, p.69). Conforme o crítico piauiense, as experiências do conto, de meados da década de 1950 até o final dos anos de 1980, legaram ao gênero independência em nossa literatura que passou

a contar com uma produção que “orgulharia a literatura de qualquer país”, pontuou.

Após ressaltar o nome de Rawet como o escritor consagrado dentro da nova fase, o crítico destacou então aqueles que seriam os novos contistas, tais como: Dalton Trevisan

que impôs ao gênero “uma marca pessoal e contundente” (BRASIL, 1975b, p.48) –, José

Louzeiro, Jorge Medauar, José J. Veiga, Rodrigues Marques, Ivan Ângelo, Maura Lopes Cançado, José Edson Gomes, João Antônio, Rubem Fonseca, Luiz Vilela e Moacyr Scliar, cujas obras ele se dedicou a pesquisar. Seguindo sua metodologia, destacou aqueles que seriam os chamados novíssimos, já consolidando uma tradição do novo conto, como: Maria Geralda do Amaral Mello, Sônia Coutinho, Judith Grossmann, Elias José, entre outros. Muitos deles tiveram suas obras comentadas, em primeira mão no SDJB, como era o caso de Samuel Rawet, José J. Veiga, José Louzeiro, Rubem Fonseca, Maura Lopes Cançado e Jorge Medauar. José J. Veiga, Luiz Vilela, Victor Giudice, Samuel Rawet, Domingos Pellegrini, Tânia Faillace,

É perceptível na crítica assisiana, sobretudo naquela circunscrita ao SDJB, que houve por parte dele uma apreciação mais acurada voltada para o conto. Os nomes mais aclamados

em seus escritos ganharam notoriedade, outros escritores podem, de modo pertinente, ser considerados, mesmo no contexto atual, como invisíveis, segundo os termos assisianos. As pesquisas realizadas pelo crítico piauiense, vastas que foram, em relação aos diversos gêneros aos quais se dedicou, mas, sobretudo, ao conto, abrangeram escritores dos diversos estados brasileiros. Muitos conseguiram notoriedade; outros, não obstante a projeção alcançada no período para o qual se voltaram as investigações do crítico, continuam marginalizados em meio ao atual campo de produção cultural, e, só de maneira superficial, são citados em alguns sites. Como exemplos desse ostracismo, podem ser citados os ficcionistas José Edson Gomes, Rodrigues Marques e Maria Geralda do Amaral Mello. Ressalta-se que, até onde foi possível averiguar, em 2011, o maranhense Rodrigues Marques foi objeto de pesquisa da dissertação de Rita de Cássia Barros Assunção, Coisas do cais, coisas da zona: prostituição feminina em Beira rio beira vida e Julieta, coisa e tal, defendida no programa de pós-graduação da UFPI. Tal estudo expõe uma análise comparativa entre o romance Beira rio beira vida de Assis Brasil e o romance Julieta, coisa e tal de Rodrigues Marques.

Outros novos contistas, embora não sejam nomes tão recorrentes, conseguiram algum espaço de reconhecimento, sobretudo, pelo fato de algumas de suas obras terem conquistado prêmios literários importantes, como é o caso do poeta e contista baiano Jorge Medauar (1918-2003) que, além de outros prêmios, ganhou o Prêmio Jabuti, com o livro Água Preta, em 1959, na categoria contos/crônicas/novelas; do mineiro Elias José (1936-2008) que se dedicou também às narrativas infantojuvenis, romances e poesias, mas foi com um livro de contos que ganhou o Prêmio Jabuti, em 1974; do contista fluminense Victor Giudice (1934- 1997) que também conquistou o Prêmio Jabuti, em 1995; bem como da escritora baiana Sônia Coutinho (1939-2013) que, por duas vezes, conquistou o Prêmio Jabuti, em 1979, na categoria contos/crônicas/novelas, e em 1999, na categoria romance.