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1 QUATRO FACES DO PROCESSO LITERÁRIO BRASILEIRO DE ACORDO COM A

4.1 Desaprovação e combate na crítica assisiana

4.1.1 Particularidades e novos caminhos

Assis Brasil se mostrou entusiasmado com muitos lançamentos ocorridos no ano de 1956, marcados que estavam por uma refinada sofisticação técnica e estilística que assegurava um diferencial àquele conjunto de obras de alguns ficcionistas brasileiros, em cujo ápice estavam Guimarães Rosa, Geraldo Ferraz e ainda “Lígia Fagundes Telles, Autran Dourado, Samuel Rawet, Nataniel Dantas e outros que completam essa revolução ou evolução em

nossas letras” (BRASIL, SDJB, 07 out. 1956, p.2). Foi nos ensaios destinados à obra de

Guimarães Rosa que, pela primeira vez, anunciou uma das premissas da sua futura tese da Nova literatura: a literatura brasileira estaria passando por um processo de alterações internas ainda não experimentado: o processo evolutivo “para a nossa definitiva autonomia literária [...] alcançou o seu ponto mais alto com Guimarães Rosa” (BRASIL, SDJB, 30 dez. 1956,

p.2). Referiu-se a tais alterações por meio de termos como revitalização, revolução, evolução ou ainda inovação formal.

Considerando o movimento editorial do ano de 1957, quando Assis Brasil já fazia parte do corpo de críticos permanentes do SDJB, começou ele a proceder a uma apresentação retrospectiva de sua crítica por meio de um balanço literário do ano anterior, destacando as obras que, segundo ele, estariam provocando a mencionada “revolução literária”. Em janeiro

de 1958, trouxe a lume sua primeira análise sintética em uma texto intitulado de A ficção nacional em 1957. Declarou, na ocasião, que a qualidade estética dos lançamentos em 1957 havia sido inferior aos de 1956 e apontou apenas cinco livros que julgou merecedores de destaque, com a ressalva de que eram lançamentos que não tinham “contribuído fortemente

para a renovação ou revitalização de nossa novelística” (BRASIL, SDJB, 26 jan. 1958, p.6).

Esse julgamento que foi revisto, quando reabilitou vários desses lançamentos, na década de 1970, a uma posição privilegiada na configuração vanguardista da década de 1950. As obras destacadas em A ficção nacional em 1957 foram: Auto da Compadecida30 (dramaturgia), de Ariano Suassuna; A madona de cedro (romance), de Antônio Callado; Marcoré (romance), de Antônio Olavo Pereira; Lady Godiva (romance), de Macedo Miranda e Nove histórias em grupo de três (contos), de Valdomiro Autran Dourado. Conferiu notoriedade também a alguns livros reeditados, naquele ano, – como os romances O Amanuense Belmiro (1937) e Abdias (1945), de Ciro dos Anjos e o romance Cascalho (1944), de Herberto Sales – e destacou ainda contos inéditos publicados no SDJB.

Em relação aos lançamentos de 1958, a impressão do crítico foi semelhante à do ano anterior, considerando que tomou como referência para suas inferências os lançamentos de 1956: “mais pobre do que 1957, que já foi muito pobre em relação a 1956, o ano que findou

em quase nada contribuiu para o enriquecimento da novelística brasileira” (BRASIL, SDJB,

17 jan. 1959, p.5). Posicionamento que foi também revisto, mais tarde, na ocasião do lançamento do ensaio A nova literatura. No texto A ficção nacional em 1958, publicado em 17 de janeiro de 1959, assinalou, a princípio, dois livros de contos: Depois da luta, de José Louzeiro e Água Preta, de Jorge Medauar; em seguida, citou o romance O salto mortal, de Ascendino Leite. Da dramaturgia, destacou A beata Maria do Egito, de Rachel de Queiroz e 3 mulheres de Xangô, de Zora Seljan. Fez uma menção tímida a outras obras que não satisfizeram aos seus critérios, em vigor literário, mas que, segundo ele, apresentavam alguma consistência estética, tais como Gabriela, cravo e canela, de Jorge Amado; O vento do mar aberto, de Geraldo Santos; Os incoerentes, de Lygia Fagundes Telles (apesar da competência sempre realçada, para o crítico, esse seria o livro mais frágil da autora) e outras obras; além de citar mais uma vez autores que, durante aquele ano, só publicaram em suplementos: Dalton Trevisan, Rodrigues Marques, Clarice Lispector, Sadala Maron, José Louzeiro, Elvira Foeppel e Maura Lopes Cançado.

30 Obra escrita em 1955. Sua primeira encenação foi em Recife, em 1956. Assis Brasil tomou como referência a publicação de 1957, pela editora Agir (Coleção Teatro Moderno).

O descontentamento na análise apreendida – ao afirmar que os lançamentos de 1957

em quase nada haviam contribuído “para o enriquecimento da novelística brasileira” – é

contraditório se comparado a futuras publicações feitas no próprio SDJB, no qual já assinalava o surgimento de uma nova fase literária. Contudo, convém lembrar que estava ele enfrentando as vicissitudes do contemporâneo o que justifica tais oscilações. Posteriormente, revisou sua austeridade, ressaltando a expressividade então negada, em sua crítica, a muitas produções, quando do seu lançamento. Afinal, os critérios de sua seleção estavam, de certa maneira, obnubilados pelo seu fascínio diante de algumas obras lançadas em 1956, bem como ofuscados pela celeridade própria ao seu ofício que o expôs a certas vulnerabilidades.

Em março de 1960, no último quadro apresentado, o crítico elencou nove obras, iniciando as indicações com grande destaque a dois livros de contos: “em 1959, os volumes de José J. Veiga, Os cavalinhos de Platiplanto, e de Dalton Trevisan, Novelas nada exemplares, no que concerne ao equilíbrio de concepção e realização, deixaram os romancistas do ano em linha inferior” (BRASIL, SDJB, 26 mar. 1960, p.8). Quanto aos

romances destacou: Manuscrito holandês ou a peleja do caboclo Mitavaí com o monstro Macobeba, de M. Cavalcanti Proença; Crônicas da casa assassinada, de Lúcio Cardoso (a despeito de considerá-lo um “academicista”); Histórias Reunidas, de Anibal Machado; Os Quatro Filhos do Papa, de Rodrigues Marques e outros.

Nesse balanço literário referente ao ano de 1959, mencionou o romance Maria de cada porto, do escritor estreante Moacir. C. Lopes, com a ressalva de que o autor lapidasse os recursos utilizados naquela narrativa. Assis Brasil expôs considerações cáusticas sobre a obra, por julgar que ela mais reproduzia do que produzia uma “realidade”. Desse modo, considerando que se tratava de um estreante, advertiu-o: “lhe cobramos por esta menção o compromisso de se desvencilhar do contador de casinhos, do contador linear [...] num anedotário que sufoca as suas melhores qualidades [...] precisa apurar seu estilo, sua linguagem e sua técnica” (BRASIL, SDJB, 26 mar. 1960, p.8).

A cobrança feita ao estreante, não veio senão corroborar a busca incessante do crítico por obras cujos recursos técnicos – desonerados dos processos narrativos que considerava passadistas – impulsionassem, sob o signo da emancipação, “o movimento de evolução” já iniciado por uma parcela considerável de escritores que, conforme sua ótica, conferia nova feição ao sistema literário da época. Nessa marcha, enfatizou a preponderância do conto sobre o romance, o que não implicou relegar tal gênero a uma posição menos privilegiada em seus escritos. Após escrever sobre o impacto causado por Grande sertão veredas, reconheceu, na

crítica ao romance Doramundo, de Geraldo Ferraz, as novas feições do gênero que impediam a estratificação do mesmo.

Irrompeu na crítica hebdomadária assisiana, inúmeras defesas das mudanças singulares, no universo crítico e literário, por ele percebidas, sobretudo, durante o ano de 1956. Em meados de 1958, posicionou-se sobre tais mudanças de maneira mais sistematizada

– ou seja, mais próxima daquilo que apresentou como fundamento para a efetivação da Nova literatura – ao expor sua visão acerca do livro de crítica Dimensões I, de Eduardo Portela:

A crítica, uma vez que temos em foco um livro de crítica literária, já devidamente entrosada, depois de alguns obstáculos naturais que sempre aparecem ante o que é novo ou revolucionário, é uma espécie de guia para uma tomada mais firme de consciência dos problemas estéticos que hoje nos assoberbam. Uma nova crítica para um novo romance, para uma nova poesia (BRASIL, SDJB, 06 jul. 1958, p.8).

As conjecturas cederam espaço à convicção de que um novo estágio marcava a literatura brasileira nas suas mais variadas expressões, inclusive, na própria crítica literária. Não se pode negligenciar que a ideia exposta no fragmento acima e o déficit de qualidade técnica e estilística por ele apontado em seu quadro sinótico do mesmo ano são incongruentes. Aspecto revelador de que a gênese da Nova literatura ocorreu em meio a oscilações e que o crítico só chegou a um consenso, de fato, após anos de pesquisa.

No que tange ainda à gênese da Nova literatura, ressalta-se que, no percurso até a década de 1970, o crítico dedicou atenção à poesia de modo paralelo e externo ao seu trabalho no SDJB31, visto que as suas atribuições ali não contemplavam o referido gênero. No SDJB, em específico, a crítica mais diretamente ligada à poesia ficou sob a responsabilidade de Mário Faustino; com o afastamento deste, tal tarefa foi assumida por outros críticos, entre eles, José Guilherme Merquior. Nesse sentido, também cabe acrescentar que o único livro de poemas escrito por Assis Brasil, Nostalgia do barro32, permanece inédito até o momento.

No entanto, de quando em quando, o crítico piauiense surpreendia o leitor do SDJB ao analisar alguns livros de poesia. Uma dessas análises, por exemplo, foi destinada ao livro

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Destaca-se que, somente após a década de 1970, Assis Brasil publicou ensaios específicos sobre poetas, em livros como: Carlos Drummond de Andrade (1971a), Manuel e João, dois poetas pernambucanos (1990) – com o qual ganhou o prêmio José Veríssimo da Academia Brasileira de Letras, em 1991–, A trajetória poética de Lêdo Ivo: transgressão e modernidade (2007). O ensaio sobre Lêdo Ivo foi o último livro de crítica literária lançado por Assis Brasil, representando, no conjunto de sua obra, a centésima décima quarta publicação.

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O diretor da Imago Editora, em 1998, Eduardo Salomão, sugeriu que o livro Nostalgia do barro fosse lançado como a centésima obra do autor que já se destacava como ficcionista. O livro revelaria o seu talento poético, mas Assis Brasil preferiu lançar, na ocasião, o livro de novelas O sol crucificado. Nostalgia do barro encontra-se entre diversos outros livros inéditos, todos igualmente datilografados, nas gavetas da escrivaninha da sua biblioteca particular. Embora não haja, nos originais, referências ao ano em que foi produzido, afirmou o autor, em conversa informal, que o escreveu no ano de 1993.

Linhagem de Rocinante, de Judith Grossmann, alvo também da crítica de diversos colaboradores daquele suplemento que foram uníssonos em reconhecê-lo como uma obra singularmente qualificada, embora, no quadro da Nova literatura, o nome da escritora só tenha figurado entre os novos contistas. Foi nessa ocasião que, pela primeira vez, o crítico fez alusão à tendência poética que, futuramente, denominou de Tradição da imagem, conforme se pode perceber no fragmento: “Judith se integra, a nosso ver [...] aos poetas novos que hoje, paralelamente ao concretismo, interessam sua poesia dentro do plano do objeto-coisa, e que

fazem da metáfora seu campo de ação” (BRASIL, SDJB, 21 fev. 1959, p.6).

Os eixos operacionais que sustentaram a crítica assisiana atuaram, de modo especial, como fonte de acesso às obras que impulsionaram a Nova literatura. Considerando um dos critérios que determinou singularmente sua práxis, advogou que a apropriação devida do regionalismo literário seria imprescindível nesse processo. Em setembro de 1957, por exemplo, na crítica dedicada ao romance Chão vermelho, do romancista e ensaísta Eli Brasiliense, o crítico reprovou a feição regionalista da obra, por estar ainda configurada, segundo ele, enquanto categoria sociológica, a exemplo do que fizeram os romancistas de 1930, em detrimento da sua apropriação estética, enfatizou, ao contrário do que acontecia na obra de Guimarães Rosa ou, ainda, na produção de Mário Palmério, Macedo Miranda e Jorge Medauar, para citar alguns nomes. Essa nova conformação da categoria, conferida pelos novos escritores – “graças a um léxico regional incorporado harmoniosamente ao estilo

[atinge] equilíbrio entre o popular e o erudito” (BRASIL, 19 out. 1958, p.6) – tornou-se

condição sine qua non para que seus cultores pudessem ascender à nova fase literária. Ainda em 1957, postulou: “graças à visão de alguns romancistas-construtores, já partimos para

novos horizontes dentro dessa literatura” (BRASIL, SDJB, 08 set. 1957, p.2, grifou-se) de

caráter regionalista.

O epíteto “romancistas-construtores” – para além de referendar a estilização devida do regionalismo – surgiu, pois, como uma das referências utilizadas pelo crítico para tratar dos

escritores que impulsionavam “de modo inventivo” o dinamismo literário da época que,

segundo ele – em se considerando os expoentes das escolas literárias passadas, no contexto nacional – evoluía rumo a uma “literatura superior”, do ponto de vista das conquistas técnicas. De acordo com seus postulados, não soa destoante o julgamento de que a Nova literatura brasileira, por ele descrita, fosse superior, em termos técnicos, àquela que lhe antecedera, bem como a inúmeros escritores coetâneos. Todavia, apesar da coerência interna, a afirmação se fez arbitrária, não exatamente no que diz respeito ao caráter evolutivo, por si, visto que ele, reiteradas vezes, declarou esse processo de evolução da produção literária nacional,

declarando-a como uma “literatura rica”, mas por ser um indicativo que, em específico, mais servia para enaltecer o seu lugar de enunciação crítica, visto que algumas das técnicas às quais se referia já haviam sido conquistadas por expoentes do Modernismo literário, como, por exemplo, Graciliano Ramos, para citar um nome (por ele mesmo reconhecido, em outro momento). Seria, afinal, tecnicamente inferior toda a literatura passada por ser concebida sob a rubrica de escolas literárias? Aqui, faz-se oportuno o truísmo: não se pode julgar o passado com referenciais do presente, ou falando, analogamente, com Santiago Nunes Ribeiro (1974), não é lícito exigir de um século aquilo que ele não pode dar.

Em meio à evolução advogada por Assis Brasil – ou mesmo à revolução, como ele afirmou: “a literatura é uma arte em constante renovação e à procura de caminhos” (BRASIL, SDJB, 12 jan. 1958, p.12) –, apontou ele alguns revezes de tal processo. Nessa diretiva, diagnosticou e atacou contos e romances aos quais chamou de passadistas ou acadêmicos, por destoar do nível de excelência literária que ele reputou se manifestar nos expoentes da Nova literatura, segundo os parâmetros críticos por ele privilegiados.