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1 QUATRO FACES DO PROCESSO LITERÁRIO BRASILEIRO DE ACORDO COM A

1.3 O novo romance

Não obstante a idêntica terminologia, o novo romance brasileiro, conforme o categorizou Assis Brasil, não se trata de uma tradução ou versão nacional do Nouveau Roman, consoante os termos de Alain Robbe-Grillet. Nem mesmo poderia sê-lo, uma vez que nos escritos assisianos, o novo romance aparece como parte de uma pesquisa mais ampla, sendo somente um dos gêneros contemplados na proposição da Nova literatura, no contexto literário nacional. Contudo, são inegáveis os arranjos de um espírito de época em relação à técnica da ficção no período pós-guerra em várias nações. Com efeito, há alguns pontos de aproximação entre o novo romance brasileiro e o Nouveau Roman, ambos divulgados na década de 1950. Segundo a acepção assisiana, o novo romance brasileiro abriu uma vertente ainda

Inexplorada [em] nossa literatura de ficção: o romance como forma [...]. É preciso que se diga, sem querer parecer pretensioso, que as novas técnicas na arte de narrar – que na literatura brasileira começam a sair do limbo por volta daquele ano de 1956 – têm sido nos últimos anos de grande importância para a ficção. O romance [...] tomou novas feições, e adquiriu um nível artístico nunca antes alcançado (BRASIL, 1973, p.53-54).

Para ele, empenho linguístico dos novos romancistas se distanciava, sobremaneira, de um formalismo gratuito, não incorrendo, portanto, na antinomia categórica: forma/conteúdo. Segundo sua visão, a primazia desses escritores consistia na acepção do romance como forma, ou seja, como íntima e simultânea relação estrutural, estilística e conteudística.

A esse aspecto, acrescentou que tais autores estariam atuando no sistema linguístico de um modo inventivo ainda não experimentado. Com isso, ressaltou que “o campo de ação do

romancista estava mais aberto e livre” (BRASIL, 1982, p.197). Eles revelavam, conforme

descreveu o crítico, um interesse experimental diferenciado e superior ao Modernismo brasileiro, estilizando, inclusive, o coloquial sem soar falso como ocorria com o romance de 30, ressaltou, cuja técnica se realizava dentro de uma artificialidade imitativa, tecendo, assim, um julgamento impreciso, generalizante que foi sobre os romancistas do Nordeste. Nessa perspectiva, ao analisar o regionalismo na ficção de Guimarães Rosa, afirmou:

A uniformização de nossa “fala” popular, de extensão nacional, só pode ser

considerada a partir de Guimarães Rosa. Seu livro Grande Sertões: Veredas

já nos mostra, claramente, as possibilidades reais de “nossa língua”, sem

normas válidas para a nossa completa autonomia linguística (BRASIL, SDJB, 6 jan. 1957, p.2)13.

Para ele, somente os novos escritores conferiram ao regionalismo o status adequadamente linguístico. No entanto, a tônica predominante era o romance como forma. Considerando-o, pois, dentro da referida complexidade técnica (estrutural, estilística e conteudística), Assis Brasil destacou que, em Doramundo, o seu autor “artificializ[ou] – no bom sentido – temas simples e repetidos da ficção, pois temas não envelhecem, o que envelhece é a forma de apresentá-los” (BRASIL, 1973, p.56).

Questões similares, ressalta-se, foram comuns à ficção que se configurou à luz do chamado Nouveau Roman, expressão cunhada por Alain Robbe-Grillet. Para o escritor francês, os romances dessa fase demonstraram cuidado formal e expuseram “a consciência criativa do escritor”, por serem obras que, por sua unicidade, criavam suas regras, ou seja,

inventavam, singularmente, a sua própria forma e “nenhuma receita pode[ria] substituir essa reflexão contínua” (ROBBE-GRILLET, 1969, p.10). Robbe-Grillet aprofundou suas

ponderações a respeito do Nouveau Roman nos seguintes termos:

Se em muitas páginas emprego conscientemente o termo Novo Romance, não o faço com o intuito de designar uma escola, nem mesmo um grupo definido e constituído por escritores que trabalhariam num mesmo sentido; trata-se apenas de um rótulo cômodo que engloba todos aqueles que procuram novas formas de romance, capazes de exprimir (ou de criar) novas relações entre o homem e o mundo, todos aqueles que se decidiram a inventar o romance, isto é, a inventar o homem (ROBBE-GRILLET, 1969, p.8, grifo do autor).

Se, por um lado, o argumento de Robbe-Grillet é esclarecedor; por outro, parece um tanto impreciso no que se refere ao reconhecimento sistemático do Nouveau Roman; pois, ao passo que tenta negligenciar a delimitação de um grupo de autores que “trabalharia num mesmo sentido”, diz, contra si próprio, que o termo Novo Romance trata de um rótulo que engloba todos aqueles que buscavam novas formas de construir romances “capazes de

exprimir novas relações entre o homem e o mundo”. No caso do novo romance assisiano, a

ideia de identificar peculiaridades caracterizadoras dos novos romancistas brasileiros é evidente: “eles abandonaram, como se tivesse havido uma combinação prévia, o realismo com

todas as suas ‘mazelas’, ‘do naturalismo ingênuo’ ao dito realismo social, o participante ou

13 Como serão feitas várias citações dos textos publicados por Assis Brasil no SDJB, de1956 a 1961, optou-se pelo formato de, após o nome do autor, colocar a sigla SDJB e, em seguida, citar o dia, o mês, o ano e a página da publicação, conforme o exemplo acima. Em tais citações, os títulos das obras aparecerão em itálico, embora, nos textos originais, o itálico somente começou a substituir as aspas, até onde foi possível perceber, nos dois últimos anos de circulação do referido suplemento.

não, ou toda ‘veleidade’ imitativa da realidade” (BRASIL, 1973, p.23). Sobressai, de tal

assertiva, particularidades dos referidos romancistas que, embora sem combinações prévias ou manifestos, moviam-se sob uma espécie de espírito de época e, ao contrário do que escreveu Robbe-Grillet, “trabalha[vam] num mesmo sentido”.

É necessário ressaltar que, em meio à crítica dedicada aos novos romancistas, Assis Brasil evidenciou vários autores de obras tanto compatíveis quanto incompatíveis com os princípios estéticos da nova fase literária.

Isso posto, é importante destacar que, para além do romance de 30, o crítico também combateu a chamada Geração de 45 – tal como estava disposta nos manuais da época –, considerando-a retrógrada pela reutilização de técnicas literárias passadistas. Embora, nesse caso, sua objeção tenha sido direcionada de modo mais enfático ao gênero poético, ele escreveu em relação ao romance:

Vindos de um passado próximo a 1956 e prosseguindo com a publicação de outros livros importantes após este ano, estão Clarice Lispector e Adonias Filho, dois escritores originais no quadro de nossa literatura, e que por isso mesmo não poderiam estar ligados, de maneira alguma – a não ser por um parentesco cronológico – àquela fase cognominada de geração de 45. A obra desses dois ficcionistas, a que já dedicamos volumes de estudos autônomos, contribui de maneira decisiva para mudar a feição do romance brasileiro, entregue até então aos acadêmicos Marques Rebelo, Lúcio Cardoso e Octávio de Faria, ou ainda vivendo do saudosismo “regional” de Jorge Amado, Rachel de Queiroz e José Lins do Rego (BRASIL, 1973, p.28-29, grifo do autor).

Para Assis Brasil, o fato de os novos escritores não se organizarem em torno de escolas, bem como de terem ultrapassado as conquistas do Modernismo brasileiro rumo a novas pesquisas, permitiu o surgimento do novo romance, respondendo, assim, a uma nova demanda estética. Ao analisar as peculiaridades do gênero, na ocasião, de 1950 a 1970, o autor de Os que bebem como os cães anunciou que o romance havia encontrado novo domínio, e sua relação com a tradição literária se dava de maneira menos aditiva que cumulativa, ou seja, não era uma fase que progredia segundo gerações sucessivas.

Malgrado a ênfase na produção nacional, no momento específico da elaboração da proposição da Nova literatura, o crítico se destinou também a escrever ensaios sobre romancistas estrangeiros que marcaram a transição do romance oitocentista para o chamado romance moderno. Desse modo, fez menção especial às produções impactantes de escritores

como James Joyce e William Faulkner14, para citar dois nomes que lhe foram caros, dedicou- lhes, inclusive, como signatário da crítica jornalística, considerável espaço em sua página. Considerando a influência como um processo inalienável à experiência literária – válida enquanto reinvenção, conforme defendeu que ocorria entre os representantes da Nova literatura –, destacou que o novo romance era marcado por revitalizações técnicas ousadas e avançava desvanecendo, no contexto nacional, progressivamente a já desgastada e residual herança estrutural do romance oitocentista.

No que tange à irrupção do novo romance, ressaltou que José Cândido de Carvalho e Herberto Sales foram os romancistas que primeiro marcaram a passagem dos padrões anteriores aos novos; transição concluída, sobretudo, pelos escritores – à época, ainda tomados como marginais – Guimarães Rosa e Geraldo Ferraz. Os dois romancistas responsáveis pela referida transição estrearam, respectivamente, em 1939, com Olha para o céu, Frederico, e em 1944, com Cascalho. Eles já fugiam à equação literária do período, de acordo com a análise assisiana, embora mantivessem alguns elos com o regionalismo de 1930. Desse modo, ressaltou:

Com a publicação de Dados biográficos do finado Marcelino e Além dos

Marimbus, Herberto Sales já não poderia ficar ligado ao chamado Romance

do Nordeste, [suas] preocupações pela forma, pelo plano da criação, estavam fora de cogitações puramente parassociais e para-ideológicas. Neste mesmo plano de concepção, vale a pena chamar a atenção para José Cândido de Carvalho, um escritor de pequena bagagem literária. Estreou com o romance

Olha para o céu, Frederico, em 1939, mas após a publicação de O coronel e o lobisomem, em 1964, o interesse de sua literatura toma vulto, numa

concepção nova da linguagem literária – a rica experiência da estilização do

coloquial, o “retrato do Brasil” interiorano, a fábula e a lenda valorizando o “real” artístico, sem aproximação a escolas ou preconceitos (BRASIL, 1973,

p.28).

No que se refere à produção de Geraldo Ferraz, o crítico lembrou que o novo romancista havia principiado sua experiência ficcional em parceria com Patrícia Galvão; portanto, somente com o segundo livro, Doramundo, efetivaria as marcas da fase literária já iniciada pelos autores mencionados, por revelar um desenvolvimento peculiar daqueles ideais vanguardistas, destacando irreverência sintática e morfológica ao desmembrar as palavras e ao associá-las “em inversões significativas, para o encontro de valores ainda não identificados no código linguístico” (BRASIL, 1973, p.55), aspecto que lhe serviu à construção

14

Assis Brasil publicou Faulkner e a técnica do romance (1964); o ensaio Joyce: o romance como forma (1971); e Joyce e Faulkner: o romance da vanguarda (1992) – neste último, reuniu e atualizou os dois ensaios anteriores.

diferenciada de personagens e ambientes. O amor, o crime e a morte constituiriam a trindade na qual se apoiou Geraldo Ferraz para a construção do seu mundo, de acordo com o crítico.

Guimarães Rosa, conforme destacou Assis Brasil, apresentou ao leitor “o processo criador mesmo de uma língua”, focalizando no ponto exato o nascimento de vocábulos e de expressões necessárias à sua ficção. A esse respeito, acrescentou que:

Para a transposição integral das fases primeiras de uma língua nascente, João Guimarães Rosa sentiu a necessidade de ficar de fora e deixar os fenômenos linguísticos, das associações e estados psíquicos, se processarem espontaneamente, através de seus personagens, num mundo primitivo e

peculiar. Os personagens é que fazem a “língua” de João Guimarães Rosa

(BRASIL, 1973, p.63, grifo do autor).

O romancista promoveu, de acordo com o crítico, uma revelação mitológica do sertão profundo: “sua pesquisa não vem dissociada de fabulação que, na verdade, é o fator que exige as novas expressões e os novos vocábulos – ou vocábulos renovados – para que o seu mundo

artístico se apresente também novo” (BRASIL, 1973, p.64). Concluiu, assim, que a obra de

Rosa legou à literatura nacional parâmetros novos, servindo, pois, como ponto de partida para uma nova visão do processo criador brasileiro.

Na sequência de suas reflexões, focalizou as contribuições de Clarice Lispector e de Adonias Filho. Em relação aos romances da escritora, Assis Brasil, em meio a uma apreciação mais ampla, voltou sua atenção para o romance A paixão segundo G.H. (1964), por considerá- lo o vértice “de um processo evolutivo, quer do ponto de vista da pesquisa romanesca, quer

em relação à sua procura da verdade ou da Graça” (BRASIL, 1973, p.69). Para ele, G.H.

devorou a essência da vida e, consequentemente, a deidade e a evolução de seu pensamento

“cresce das cavernas, da escuridão, à beatitude da luz e da integração no mundo” (BRASIL,

1973, p.73).

No que diz respeito aos romances de Adonias Filho, o crítico ressaltou – como em outros casos – as oscilações de seus romances, alguns presos ao passadismo e outros dispostos de acordo com o novo momento literário. Destacou a apurada técnica dos romances que compõem a “Trilogia do cacau”: Os servos da morte (1946), Memórias de Lázaro (1952) e Corpo vivo (1962). Em 1965, Adonias Filho publicou o romance O forte, no qual, para o crítico, a narrativa tendeu menos ao criativo que ao documental, distanciando-se do novo romance. Léguas da promissão, de 1968, por seu turno, revestiu-se do “novo vigor”, fortalecendo o conjunto da obra do seu autor. Por meio de tal romance, Adonias Filho revelou

“uma visão mais completa de seu mundo e de suas possibilidades artísticas” (BRASIL, 1973,

Desse modo, Assis Brasil completou a apreciação – na década de 1970 – dos autores que julgou como consagrados no contexto da Nova literatura. Em seguida, tratou dos novos e dos novíssimos romancistas de relevância dentro da nova matriz literária. Dos chamados novos, destacou os nomes de Autran Dourado, Osman Lins e Antônio Callado, seguidos de Jorge Mautner, Ignácio de Loyola, Luiz Carlos Dolabela Chagas, Paulo Jacob, Ricardo L. Hoffmann, Rezende Filho. Entre aqueles que chamou de novíssimos, ganharam destaque Sérgio Tapajós, O. G. Rego de Carvalho, Caio Fernando Abreu, Fernando Ramos, Agnaldo Silva, Nélida Piñon, José Alcides Pinto, Rezende Filho, Lygia Fagundes Telles, Macedo Miranda, Tânia Jamardo Faillace, além de fazer menção às consideráveis experiências na ficção protagonizadas pelo também novo poeta Walmir Ayala.

Da lista acima, sem contar com tantos outros mencionados pelo crítico, há muitos autores que se tornaram reconhecidos e continuaram publicando e outros que não mais publicaram – desses dois grupos, alguns continuam sendo lidos e lembrados e outros, mesmo alguns que tiveram notoriedade à época, caíram no ostracismo. Jorge Mautner (1941), por exemplo, muito embora tenha tido o reconhecimento da crítica, não apenas da crítica assisiana, pelos romances lançados na década de 1960 (e também pelos contos), hoje se popularizou por seu talento musical.

A produção de Paulo Jacob (1921-2004), apesar de ovacionada na crítica assisiana, não ultrapassa muito, na atualidade, as fronteiras do estado do Amazonas. Algo semelhante também acontece com a obra de O.G. Rego de Carvalho (1930-2013), de certo modo, ainda circunscrita ao estado do Piauí; com Ricardo L. Hoffmann (1937) – também autor de ficção para o público infantil –, cuja obra não se expandiu para além do estado de Santa Catarina; com o baiano Fernando Ramos (1932-2008) que ganhou a admiração de Assis Brasil com a publicação de Os enforcados (1970), romance laureado com o Prêmio Jorge Amado em 1968, e, mesmo tendo vários livros premiados, sua projeção está circunscrita ainda ao seu estado de origem.

O escritor e diplomata carioca Sérgio Tapajós (1941), autor de três livros, como também Luiz Carlos Dolabela Chagas que, até onde foi possível pesquisar, desistiu da vida literária após a publicação da saga primeira (Sexopeia, lançada em 1969), são autores hoje praticamente desconhecidos.

O cearense José Alcides Pinto (1923-2008), que deixou uma obra vasta em diversos gêneros, juntamente com o gaúcho Walmir Ayala (1933-1991) alcançaram considerável reconhecimento, não como romancistas, mas como poetas. Igualmente com projeção, o pernambucano Agnaldo Silva (1943) – cujos romances ganharam destaque na crítica

assisiana, na década de 1960 – tem, atualmente, seu nome associado às tramas televisivas para as quais cederam espaço suas produções literárias.

A gaúcha Tânia Jamardo Faillace (1939) que também se dedicou ao conto, embora tenha sido bem recebida pela crítica da época e, a despeito do mérito literário ressaltado por Assis Brasil, é um nome que ainda não mais voltou à cena literária. O escritor fluminense Macedo Miranda (1920-1974), especialmente, com o romance Lady Godiva (1957), agradou, sobremaneira, o crítico, contudo a posteridade não lhe reservou a mesma projeção que lhe foi conferida na crítica assisiana.

O pernambucano José Rezende Filho (1929-1977) teve, de modo especial, o seu sexto romance Dimensões zero (1970) aclamado por Assis Brasil. Romance publicado pela editora Livros do mundo inteiro, de sua propriedade, pela qual também foram publicados os livros de Assis Brasil: Ulisses: o sacrifício dos mortos (ficção, 1970); Carlos Drummond de Andrade (ensaio, 1971) e Joyce: o romance como forma (ensaio, 1971). Rezende Filho escreveu a narrativa Tonico (1977) que projetou seu nome em meio ao público infantil. Era intenção do referido autor publicar uma série de narrativas infantis que tivessem Tonico como personagem central. Havia esboçado o livro Tonico e Carniça, segundo episódio da série, quando veio a óbito. A família de Rezende Filho convidou o autor piauiense para concluir a narrativa. Assis Brasil aceitou o convite para a parceria. Tonico e Carniça continua atualmente sendo reeditado pela editora Ática.

Observando o exposto neste tópico, enfatiza-se, que não se pode atribuir a todos os romancistas contemplados na crítica assisiana o apanágio de escritores invisíveis, nem mesmo no próprio período no qual Assis Brasil trouxe a lume a sua proposição da Nova literatura. No entanto, muitos deles, conforme mostrado, ainda permanecem desconhecidos ou com projeção circunscrita às suas cidades ou estados de origem.