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1 QUATRO FACES DO PROCESSO LITERÁRIO BRASILEIRO DE ACORDO COM A

3.1 SDJB: laboratório de cultura nova

No SDJB, foram divulgadas as vanguardas culturais brasileiras, bem como veiculadas diversas reflexões sobre a crítica literária, revelando o clima de renovação pelo qual passavam as artes nacionais. Devido à posição que esse suplemento ocupou na trajetória crítica assisiana, é importante expor algumas particularidades de sua história.

O JB inaugurou, em 3 de junho de 1956, o SDJB que passou a ser, após pouco tempo, uma das mais importantes páginas da história da cultura do país, por divulgar e promover a arte contemporânea nas mais diversificadas esferas. Como aludiu Elizabeth Lorenzotti, em Suplemento literário, que falta ele faz!, as décadas de 1950 e 1960 foram marcadas por ares democráticos e desenvolvimentistas que viabilizaram uma fértil produção cultural. Nesse

período, houve o surgimento de “suplementos literários em quase todos os grandes jornais diários” (LORENZOTTI, 2007, p.10). Eles evidenciaram o dinamismo literário por meio de

uma linguagem combativa que revigorou, de uma maneira particular, o sistema literário da época. Refletindo, mais amplamente sobre a causa, pode-se dizer com Benedito Nunes, que

“os momentos literários mais fecundos, aqueles que fazem história, talvez sejam os de maior tensão entre a escrita dos escritores e a leitura dos críticos” (NUNES, 2000, p.54).

Para Assis Brasil, foi a Nova literatura que propiciou o trabalho crítico diferenciado no SDJB, por evidenciar novos códigos estéticos, forçando a crítica a rever seus parâmetros de aferição. O saldo dessa tensão foi a consolidação da nova crítica, que encontrou no referido hebdomadário, segundo ele, seu lugar de máxima expressão.

Em relação a esse período pelo qual passava a crítica, Antônio Callado, em entrevista concedida para Ruth Silver – pseudônimo da jornalista Mary Ventura – no SDJB, declarou que

A crítica (como os demais ramos da literatura brasileira) está numa excelente fase de renovação e meu próprio livro me dá ciência disto: foi seriamente abordado em seus vários aspectos. A madona de cedro foi criticada tanto do ponto de vista do impacto do livro no leitor comum, como do ponto de vista da sua técnica. Mas exatamente porque a crítica brasileira está numa fase de renovação, acho que os romancistas também têm o direito de criticá-la [porque] transforma, às vezes, a investigação dessa obra de arte num frio problema formal (CALLADO, SDJB, 1957, s/p.).

29O crítico Franklin de Oliveira utilizou a frase “laboratório de cultura nova” para se referir ao SDJB, na ocasião do seu primeiro aniversário de circulação, em 09 de junho de 19547, p.6.

Assis Brasil assegurou que o SDJB havia conseguido reunir críticos que fugiam à prática aludida por Callado no final da citação. Tratava-se de uma equipe que não mais se prendia ao modelo impressionista duramente reprovado por Afrânio Coutinho, já que se utilizava de um método aberto às demandas da obra em si, tampouco se prendia a “frios problemas formais”.

Segundo os relatos assisianos, fica patente que o SDJB não contou com um projeto a priori que lhe direcionasse uma linha editorial, porém paulatinamente Reynaldo Jardim foi lhe conferindo uma organização interna. Para que sejam compreendidas as especificidades do SDJB serão destacados, de início, alguns dados referentes à história do próprio JB, focalizando aspectos que viabilizaram a eclosão do referido suplemento.

O JB, fundado em 1891, teve seu fechamento (da edição impressa) anunciado em 14 de julho de 2010. A partir de 1º de setembro do mesmo ano, contou apenas com a versão on- line. Durante os anos iniciais de existência, no final do século XIX, o veículo foi alvo de controvérsias, sobretudo, por apoiar o regime monárquico que havia sido recentemente deposto. O jornal foi comprado, em 1918, pelo conde Ernesto Pereira, fase na qual os classificados foram priorizados como fonte de arrecadação, pois os jornais da época deixaram de ser tutelados pelo Poder Público, devido às mudanças na estrutura produtiva do país. Com a morte do conde, em 1953, a viúva, condessa Maurina Pereira Carneiro, assumiu o comando do JB. Ela convidou então o poeta Reynaldo Jardim, que tinha um programa cultural na rádio do JB, para produzir, na versão impressa, uma coluna tratando de autores e livros contemporâneos. Desse modo, principiou o que mais tarde viria a se tornar o SDJB. De acordo com Assis Brasil, no início, havia no suplemento apenas uma seção permanente, composta por

Uma página feminina, feita por Dona Heloísa, sobrinha da Condessa Pereira

Carneiro [...]. Creio que o Suplemento fora criado como uma “amenidade”

de um jornal que se caracterizara por anunciar empregos. Reynaldo Jardim é que o foi mudando aos poucos, criando seções e chamando novos colaboradores (BRASIL, 1975a, p.73-74, grifo do autor).

Esse aspecto não foi marca exclusiva do JB, conforme destacou Alzira Alves de Abreu, pois “a origem de alguns suplementos literários se encontra nas páginas ou suplementos femininos, [nos quais] se misturavam receitas culinárias, moda, assuntos infantis e poesia, como é o caso [...] do Diário de Notícias e do Diário Carioca, entre outros” (ABREU, 1996, p.21). De acordo com Cristiane Costa, em Pena de aluguel, a “transformação do Jornal do Brasil, de um jornal de pequenos anúncios de empregadas domésticas até os

anos 50 para o jornal mais influente dos anos 60 e 70, teve como ponto de partida o SDJB” (COSTA, 2005, p.120).

Em fevereiro de 1957, Amílcar de Castro passou a trabalhar no JB, realizando uma inconfundível e inovadora reforma gráfica nas suas páginas. Seu experimentalismo proporcionou ao jornal uma identidade visual peculiar: sem fios gráficos, com blocos de textos assimétricos e com a utilização orgânica dos espaços em branco, o que foi, sem dúvida, uma influência direta do projeto do Concretismo. Tais elementos, em função do uso mais abrangente do espaço gráfico, começaram a gerar problemas financeiros à direção do JB, pois já eram sentidos os efeitos do câmbio alto do papel importado, todavia a reforma não foi interditada. A esse respeito, Ana de Gusmão Mannarino esclareceu que:

No SDJB, a importância dada à experimentação visual é ainda mais evidente. É o espaço no qual as principais características do projeto foram acentuadas, e onde as mudanças aconteceram de modo mais acelerado. Por se tratar de um suplemento literário semanal, era-lhes permitido assumir mais riscos. Assim, nele foram apresentadas, pela primeira vez, muitas das soluções gráficas adotadas posteriormente no caderno do jornal (MANNARINO, 2006, p.53).

Tal reforma, nas palavras de Alzira Alves de Abreu, “teve grande impacto sobre as transformações subsequentes na imprensa brasileira” (ABREU, 1996, p.15). Para além do inovador projeto gráfico-visual, foi também promovida, no SDJB, uma revisão dos grandes acontecimentos culturais da época. Em seus cadernos, foram divulgados os mais importantes eventos dos cenários nacional e internacional, no que diz respeito às artes plásticas, ao teatro, à música, à dança, à filosofia, à literatura, entre outras expressões artísticas. É importante ressaltar que o SDJB, desde o princípio, apoiou os ideais da Poesia Concreta, tornando-se, inclusive, o núcleo de discussão sobre o referido movimento poético. Não foi por eventualidade que ocorreu a divulgação, no caderno de 23 de junho de 1957, em primeira mão, da manchete Cisão no movimento da poesia concreta que marcou a atuação distinta dos poetas cariocas em relação ao grupo paulista.

A qualidade dos debates garantiu a relevância do SDJB que avançou, contando com importantes contribuições, tais como: a colaboração de Haroldo Bruno que assinou a coluna Bilhetes da crítica, criada em 1º de julho de 1956 e que, a partir de 14 de outubro de 1956, passou a ser denominada de Impressões de leitura; a página de Mário Faustino, Poesia- Experiência, criada desde 23 de setembro de 1956 (encerrada em 1959, antes da morte prematura do crítico, ocorrida em novembro de 1962); o trabalho de Ferreira Gullar na página Artes plásticas, a partir de 5 de maio de 1957; as reflexões de José Carlos Oliveira, que

assinou, a partir de 2 de junho de 1957, a página O homem e a fábula; a página Ficção Nacional, que Assis Brasil criou em 29 de setembro de 1957, alterada, em 29 de dezembro do mesmo ano, para Crítica de ficção; a coluna Teatro, assinada por Bárbara Heliodora, a partir de 30 de março de 1958; Poesia para amanhã assinada por José Guilherme Merquior, a partir de 12 de novembro de 1960. Além das colaborações de Adolfo Casais Monteiro, Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Cecília Prada, José Carlos Oliveira, Judith Grossmann, Fausto Cunha, Waltensir Dutra, Walmir Ayala e muitos outros. As manifestações literárias ganharam alto índice de vitalidade, ao longo das páginas do SDJB, confirmando ou negando valores literários estabelecidos e apresentando novos escritores. Seus colaboradores expuseram um marcante panorama histórico-crítico e efetivaram a nova crítica brasileira, segundo os termos assisianos.

No entanto, em dezembro de 1961, o SDJB deixou de circular, sofrendo antes um processo de redução que passou de doze para oito páginas, em 8 de dezembro de 1957; reduzindo-se a quatro, em 19 de agosto de 1961, e assim permanecendo até dezembro do mesmo ano, quando foi inexoravelmente suspenso. A direção do JB justificou a crise do papel

– que era um problema econômico da época – como a causa da interrupção do SDJB. A isso

se somaram questões de naturezas diversas, como, por exemplo, a imposição do tecnicismo veloz em detrimento dos textos reflexivos, que se instaurou de forma mais notável, no Brasil, durante a década de 1960.

A contribuição do SDJB para a história cultural do país foi de fundamental importância. De acordo com a visão assisiana, reitera-se, representou um marco decisivo na trajetória da crítica literária brasileira.