• Nenhum resultado encontrado

3 O MODELO PROCESSUAL INQUISITIVO

3.3 AS CARACTERÍSTICAS DO MODELO PROCESSUAL INQUISITIVO

3.3.1 A iniciativa judicial

judicial com o autoritarismo, citando como exemplo de Código não autoritário que preconiza a iniciativa judicial o art. 37 da lei suíça sobre o processo federal, de 1947220-221.

Feita a devida ressalva, cumpre analisar as particularidades que configuram o modelo inquisitivo de processo civil.

3.3.1 A iniciativa judicial

O modelo processual inquisitivo não se coaduna com a predominância das partes na condução do procedimento, assente no Estado liberal. Visto um processo como fenômeno de massa, de interesse do Estado, por certo que a postura do órgão julgador, titular de uma das funções do poder estatal, há de ser não a de um “convidado de pedra” ou de um “árbitro” de uma disputa particular, mas, sim, a de um gestor do processo. E referida missão pressupõe que se confiram ao magistrado maiores poderes e uma mais ampla iniciativa no processo judicial.

O ativismo judicial pode ser observado sob duplo viés: no que concerne à distribuição de poderes entre juiz e partes no processo e no que diz respeito à relação havida entre o órgão jurisdicional e as demais funções estatais. Em ambas as perspectivas, será possível, de igual modo, examinar a iniciativa judicial no modelo inquisitivo.

3.3.1.1. O incremento dos poderes do juiz, especialmente os instrutórios

No que concerne ao aspecto da divisão de tarefas entre o órgão judicial e as partes, tem- se que o modelo inquisitivo confere amplos poderes ao magistrado na condução material e

220Artigo 37 da Lei Federal Suíça sobre o processo civil federal, de 1947: “Le judge n’est pas lié par les offres de

preuve des parties; il ne retient que le preuves nécessaires. Il peut ordonner des preuves que les parties n´ont pas offertes”. O dispositivo em comento assevera que o juiz não fica vinculado às provas oferecidas pelas partes, conservando as que reputar necessárias. Além disso, pode o magistrado ordenar a produção de provas não apresentadas pelas partes.

221 “A ampla iniciativa judicial pode conviver com o autoritarismo e com o liberalismo político, do mesmo modo

que com um e outro pode conviver a tendência de restringi-la ou a nulificá-la. O que cabe afirmar com segurança, isso sim, é que a consagração de semelhante iniciativa acompanha a transição do Estado absenteísta, dominado pela obsessão do laisser faire, para o Estado com preocupações sociais, empenhado em avançar da igualdade puramente formal até algo que se aproxime, tanto quanto possível, de uma igualdade substancial. Daí a falar de autoritarismo vai distância que não se transpõe sem grave risco de equívoco” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Os poderes do juiz na direção e na instrução do processo. In: ______. Temas de direito processual: quarta série. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 48-49).

formal do procedimento. São-lhe reconhecidos poderes de impulso processual, de fixar prazos, de conhecer, mesmo de ofício, os fatos notórios e outros, acessórios, não alegados pelas partes etc. Em sistemas mais extremos, até mesmo a iniciativa para a instauração do feito é conferida ao julgador, o que, no entanto, não reflete uma característica necessária à configuração do modelo inquisitorial. A marca diferenciadora desse modelo está vinculada, sobretudo, à tarefa de descoberta da verdade, ou seja, à instrução probatória.

Nos sistemas adversariais, como regra, o órgão julgador estará jungido à busca de uma verdade puramente formal, já que a escolha e a produção do material probatório são tarefas pertencentes às partes e a prova serve para dar maior credibilidade a uma das versões apresentadas ao processo pelos litigantes. Não sucede de igual maneira no modelo inquisitivo. Aqui, a prova é meio de demonstração e de conhecimento da verdade dos fatos, premissa indispensável para a prolatação de uma decisão justa. A atividade probatória deixa de ser assunto exclusivo das partes e passa a se submeter ao domínio judicial, o que exige do juiz a

adoção de uma postura mais atuante no processo222. Logicamente que a intensidade da

atuação judicial variará em cada sistema processual e não adquirirá ares absolutos em nenhum deles. As bases que sustentam o modelo inquisitivo, no particular, são a presença desse ativismo judicial, em escalas variáveis nos planos reais, e a verticalização da relação jurídica processual, assumindo o juiz posição de superioridade, visto como um autêntico órgão de poder.

Examinando-se o processo civil austríaco estruturado por Franz Klein (1895), revela-se evidente a concessão de amplos poderes instrutórios ao julgador. Às partes se reserva o dever de expor com fidelidade os fatos subjacentes à demanda, sendo-lhes facultada, perante o tribunal ou com autorização deste, a formulação de quesitos à parte contrária ou ao seu representante. No entanto, remanesce com o órgão jurisdicional o dever de atuar de modo a que todos os fatos relevantes sejam descortinados. Para tanto, pode o magistrado requisitar documentos que estejam em poder de uma das partes ou de uma autoridade, bem como convocar testemunhas não arroladas pelos litigantes. As partes apenas podem se opor à

222 “Neste modelo o procedimento é caracterizado pelo forte ativismo judicial, ou seja, um juiz burocrata,

presentante do Estado, que participa da instrução probatória ativamente. Desta forma é considerado assimétrico, justamente porque o juiz assume papel relevante na instrução e acaba por desigualar a relação de isônomia entre as partes. Ao tomar para si a responsabilidade de lidar com o material probatório o Estado-Juiz verticaliza a relação processual, tornando-se o vértice do discurso institucional” (ZANETI JÚNIOR, Hermes. O problema da verdade no processo civil: modelos de prova e de procedimento probatório. In: MITIDIERO, Daniel Francisco; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Introdução ao estudo do processo civil: primeiras linhas de um paradigma emergente. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2004, p. 143).

requisição de documentos pelo juiz de comum acordo e para proteção de sua intimidade ou vida privada223.

De se notar, por outro lado, que a concessão de poderes instrutórios ao juiz não significa que o sistema processual assim estruturado não se compatibilize com o princípio dispositivo224. A posição segundo a qual o princípio dispositivo abrangeria, além do aspecto substancial (referente à delimitação do objeto litigioso do processo), também o processual (alusivo ao procedimento: impulso, produção de provas etc.) é típica do modelo adversarial, sendo, pouco a pouco, abandonada em prol da compreensão desse princípio como concernente apenas ao primeiro critério225.

223 “From a conviction of the disadvantages attendant upon too strict a following of the principle of party-

presentation, the Code has sought to widen the powers of the court with reference to the ascertainment of the truth. Accordingly, while the parties are required to set forth truly all the facts serving for the support of their respective contentions and are permitted, through the court or by its permission, to question each other or each other´s representatives, it is made the duty of the court, at the hearing, ‘by questioning or otherwise’, so to proceed that all relevant allegations be brought forward and all relevant facts disclosed. And, except in the case of united objection from the parties, it may, of its own motion, call for the production of documents referred to by one or the other and remaining in their possession or in that of a public official or notary, and at all times summon witnesses not named by the parties. The limitation upon the last mentioned powers proceeded from the desire on the part of the legislature to protect facts of private life from official scrutiny where the parties are content not to refer to them” (ENGELMANN, Arthur. The later development in Austria. In: ______. A history

of continental civil procedure. Buffalo, New York: William S. Hein & Co., Inc., 1999, v. 7, p. 636). Em tradução

livre: “Partindo de uma convicção sobre as desvantagens resultantes de uma observância muito rigorosa do princípio da party-presentation, o Código tem procurado ampliar os poderes do tribunal no que se refere à descoberta da verdade. Assim, enquanto as partes devem expor de forma verdadeira todos os fatos que dão suporte às suas alegações, sendo-lhes permitido, por intermédio do tribunal ou com sua permissão, questionar a parte adversa ou seus representantes, é dever do tribunal, na audiência, ‘questionando ou de outra maneira’, proceder de modo a que todas as alegações pertinentes sejam apresentadas e todos os fatos relevantes, revelados. E, exceto no caso de objeção conjunta das partes, o tribunal pode, de ofício, requisitar a apresentação de documentos referidos por uma ou por outra parte, permanecendo em sua posse ou na de um funcionário público ou notário, e em todos os momentos convocar testemunhas não arroladas pelas partes. A limitação dos poderes supramencionados procedeu da vontade do legislador de proteger fatos da vida privada do controle oficial, quando as partes estão dispostas a não se referir a eles”.

224 “Ma in generale il conferimento al giudice del potere di scegliere e di sperimentare da sè i mezzi di prova che

egli ritiene più idonei ad accertare la vertià nell´ambito delineato dalle richieste delle parti, non è in contrasto col carattere disponibile del rapporto controverso: il potere di disposizione delle parti si manifesta nel segnare i limiti del thema probandum, ma entro questo limite il roconoscere allo stesso giudice che deve indagare sulla verità dei fatti allegati dalle parti una certa autonomia nella scelta dei metodi di indagine appare come una necessità di ordine tecnico, che non ha niente a che vedere col rispetto della volontà delle parti. Si capisce pertanto come il nuovo Codice di procedura civile, pur avendo energicamente proclamato il mantenimento del principio dispositivo da essa considerato come « proiezione nel processo del diritto soggettivo» [...], abbia potuto senza contraddirsi accrescere notevolmente, anche nell´ordinario processo a tipo dispositivo, la iniziativa probatoria del giudice, consentendogli poteri assai più ampi di quelli che aveva sotto il vecchio Codice [...]”. (CALAMANDREI, Piero. Gli orientamenti originali del nuovo códice. In: ______. Opere Giuridiche. Napoli: Morano, 1970, v. 4, p. 223-224).

225 Segundo afirma Joan Picó i Junoy, “la ideología social emergente en el presente siglo lleva consigo en

Europa el fenómeno de la ‘socialización’ del proceso civil que, con el objetivo de incorporar a los clásicos principios del liberalismo determinadas exigencias del Estado Social de Derecho, pone de manifiesto la distinción entre objeto del proceso y proceso como instrumento idóneo para alcanzar la efectiva y real tutela, por parte del Estado, de los intereses litigiosos” (PICÓ I JUNOY, Joan. La iniciativa probatoria del juez civil: un debate mal planteado. Revista uruguaya de derecho procesal, Montevideo, n. 03, 2007, p. 575).

Por outro lado, a previsão de iniciativa judicial em matéria probatória implica o abandono, pelo modelo inquisitivo, de determinados postulados colhidos do período liberal, que se contrapunham frontalmente a esse ativismo judicial em tema de prova: a) a natureza privada dos interesses discutidos no processo; b) as partes, titulares desses interesses, são as melhores gestoras deles; c) a previsão do direito à prova das partes é incompatível com a atuação judicial que intervenha no exercício desse direito; d) a atuação judicial em matéria instrutória destrói a regra do ônus da prova; e) a imparcialidade do juiz também estaria maculada quando exerça o magistrado iniciativas em tema de prova; e, f) os poderes instrutórios do juiz têm caráter autoritário.

Joan Picó i Junoy, defensor da concessão de poderes instrutórios ao juiz, embora limitados, realiza exame crítico desses postulados liberais, refutando-os sob diversos argumentos. Assim, à concepção liberal de que o processo civil envolve interesses privados e, pois, teria como fim a defesa dos interesses das partes, o autor contrapõe a visão publicística do fenômeno processual, em que este é vislumbrado como um instrumento para o exercício da atividade jurisdicional. Reputa desarrazoado o fundamento segundo o qual as partes, sendo titulares dos direitos discutidos em juízo, figurariam como suas melhores gestoras, porque isso não impede que, além das partes, o juiz também desenvolva atividades instrutórias. Tampouco a iniciativa judicial em matéria de prova seria incompatível com o direito à prova das partes, já que tal direito não implica conceder o monopólio das provas aos litigantes, apenas lhes confere a liberdade de utilização dos meios probatórios que entendam pertinentes (desde que lícitos)226.

Prossegue Picó i Junoy rechaçando o pressuposto liberal de que a iniciativa instrutória do magistrado significaria a destruição da regra de distribuição dos ônus da prova (uma vez que o juiz estaria se desincumbindo de um ônus que é imputado à parte), contra- argumentando que referida regra – referindo-se, embora implicitamente, ao regramento de distribuição estática do ônus da prova – somente se aplica no momento de o magistrado proferir a sua sentença, se existente dúvida sobre matéria de fato, tratando-se, pois, de regra de julgamento (e não de regra de conduta). As provas produzidas no curso do processo submetem-se à regra de comunhão, ou seja, pertencem ao processo, beneficiando ou prejudicando qualquer das partes, independentemente de quem as tenha adunado ao feito227.

226 PICÓ I JUNOY, Joan. La iniciativa probatoria del juez civil: un debate mal planteado. Revista uruguaya de

derecho procesal, Montevideo, n. 03, 2007, p. 576-578.

Detida crítica é dirigida pelo autor em debate à premissa de que a imparcialidade do juiz restaria malferida se este vier a exercer iniciativas probatórias. Afirma ele, a respeito, que o juiz, ao adotar tal iniciativa, não sabe, de antemão, a quem a prova irá favorecer ou prejudicar; que é contraditória a afirmação de que a concessão de poderes instrutórios ao juiz redunda em comprometimento de sua imparcialidade quando em outras esferas (ex.: penal, administrativa, arbitral) esses poderes são conferidos sem que tal discussão se instale; que também se revela paradoxal negar os poderes do juiz em matéria de determinação de prova e lhe atribuir poderes para inadmitir prova, formular perguntas a testemunhas ou partes etc. De relação às objeções postas pelos liberais, de que tenderia o juiz a outorgar valor preponderante às provas por ele determinadas de ofício e que poderia ele abusar de suas faculdades probatórias, a solução para ambas Picó i Junoy atribui à via dos recursos (para a primeira delas, acresce-se, ainda, a necessidade de fundamentação das decisões judiciais), salientando que a segunda hipótese (abuso da faculdade) é excepcional e como tal deve ser tratada228.

Por fim, acerca da alegação de que os poderes instrutórios do juiz conteriam um caráter autoritário, trata-se, na opinião do autor, de crítica puramente terminológica e desprovida de valor científico, já que decorre de uma polarização entre um modelo “bom” (o adversarial,

dispositivo) e um modelo “ruim” (o social, inquisitivo)229. O tema alusivo ao caráter

autoritário do modelo inquisitorial e, de uma forma geral, de qualquer modelo que confira iniciativa instrutória ao juiz será mais bem enfrentado por ocasião da análise do chamado garantismo processual, a realizar-se no item 3.4 deste capítulo.

3.3.1.2 O papel do juiz no contexto do Estado social: a abertura do direito à criatividade judicial e a fluidez entre as funções legislativa e jurisdicional

A guinada hermenêutica vislumbrada com a adoção legislativa de conceitos indeterminados e de cláusulas gerais consiste em tornar o direito permeável aos valores e suscetível às mudanças sociais230, dependendo, para a sua concretização, de uma atividade menos descritiva e mais construtiva do julgador.

228 PICÓ I JUNOY, Joan. La iniciativa probatoria del juez civil: un debate mal planteado. Revista uruguaya de

derecho procesal, Montevideo, n. 03, 2007, p. 580-582.

229 Ibidem, p. 582-584.

230 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 9. ed. Tradução: J. Baptista Machado. Lisboa:

Ou seja, as cláusulas gerais destinam-se, precipuamente, ao juiz, cabendo-lhe “adequar o caso concreto ao modelo legislativo aberto”231. Essa tarefa de concreção da norma pelo magistrado enseja criação judicial do direito, mormente quando existentes reiteradas decisões

sobre o mesmo tema232. Em compensação, exige-se-lhe uma fundamentação mais

substanciosa, a fim de possibilitar o controle endo e extraprocessual da legitimidade de sua decisão.

Bem se vê que a técnica legislativa das cláusulas gerais prestigia antes a efetividade do que a segurança jurídica, sendo o contraponto da técnica casuística. Por isso, malgrado aquela técnica guarde maior consonância com a dinamicidade da vida social e com o pluralismo jurídico, não há de ser utilizada de forma exclusiva, devendo-se, ao revés, buscar a sua harmonização com a técnica casuística, na busca de equilíbrio também entre os princípios da segurança e da efetividade.

Naturalmente, as mudanças havidas na conjuntura político-social, impactando diretamente na atividade legislativa e executiva, não deixariam também de influenciar no papel a ser doravante exercido pelos magistrados no contexto do Estado social. O legislador, por um lado, sentiu-se premido pela necessidade de tutelar novos direitos; por outro, estava consciente de que, afinal, a legislação era incapaz de acompanhar a velocidade das evoluções sociais e de prever, tal como outrora pretendido, a totalidade dos comportamentos humanos em sociedade. Como solução, passou a fazer uso de técnica legislativa consistente na utilização de cláusulas gerais, normas de textura aberta e permeáveis às mudanças valorativas havidas no seio da comunidade, exigindo, assim, do intérprete, uma postura distante da tradicional ideia de mera subsunção do fato à norma.

Dentro desse novo contexto, tem-se que o papel conferido à magistratura diante do surgimento do Estado social e de suas particularidades jurídico-normativas e sociais está intrinsecamente associado ao conceito de criatividade judicial (que, registre-se, não se confunde com a livre e arbitrária criação do direito pelo juiz).

231 HENRIQUES FILHO, Ruy Alves. As cláusulas gerais no processo civil. Revista de processo, São Paulo, n.

155, jan./ 2008, p. 342.

232 Entendendo que a cláusula geral confere poder criador de norma jurídica ao juiz: MARTINS-COSTA, Judith.

O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no Projeto do Código Civil brasileiro.

Revista de informação legislativa, Brasília, n. 139, jul./set. 1998, p. 10; DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. 12. ed. Salvador: Juspodivm, 2010, v.1, p. 34. Negando essa função criadora do juiz:

HENRIQUES FILHO, Ruy Alves. As cláusulas gerais no processo civil. Revista de processo, São Paulo, n. 155, jan./ 2008, p. 339.

Mauro Cappelletti afirma inexistir diferença ontológica entre jurisdição e legislação, sendo ambas processos de criação do direito. A diferença havida entre elas é de grau e não qualitativa, já que a criatividade judicial encontra limites quantitativamente superiores aos impostos à criatividade legislativa233.

Justificando o incremento da criatividade judicial advinda do surgimento do Welfare State, Cappelletti apresenta os seguintes argumentos: a) revolta contra o formalismo existente no período, que atribui à atividade jurisdicional um caráter lógico e mecânico, ocultando-lhe o aspecto volitivo, em contraste com o novo papel do direito e do estado implementado pelo Estado do bem-estar social; b) a nova técnica legislativa utilizada resulta na edição de leis que não mais indicam estritas regras de conduta, mas, ao revés, contemplam finalidades, princípios e normas programáticas, o que se associa à natureza própria dos direitos sociais, que exigem uma atuação prestativa do Estado (a vagueza da lei e a imprecisão dos elementos nela contidos conferem maior espaço para a atividade criativa do juiz); c) o novo modelo estatal propiciou uma pujante expansão dos poderes legislativo (chegando-se a falar em “orgia de leis”) e executivo, a exigir, de modo a possibilitar a contenção do poder, segundo o sistema de freios e contrapesos, também o desenvolvimento do judiciário (note-se que, a essa altura, a noção de checks and balances, antes própria do sistema norte-americano, passa a ser também vislumbrada nos países de tradição romano-germânica); e, d) o surgimento de um expressivo catálogo de direitos fundamentais, especialmente no período posterior à 2ª Guerra Mundial234.

O ponto central, atinente à interpretação e à aplicação, pelos magistrados, dos chamados direitos sociais, residiu em se saber se as normas de cunho programático seriam ou não auto- aplicáveis, ou seja, se poderia o judiciário, constatando a não-realização estatal desses direitos, conferir tutela jurisdicional consistente na sua concretização. Diante da intensa atividade legislativa típica desse período histórico de surgimento e desenvolvimento do Estado do bem-estar social, diversas normas, embora ditadas pelo legislador, não chegavam a ser implementadas, apresentando-se ora como ineficazes, ora como dissonantes da realidade social a que se referiam, ou, ainda, tornando-se rapidamente obsoletas.

A propósito do descompasso entre a realidade social e as normas promulgadas pelo

Documentos relacionados