Nesta seção, vamos analisar o artigo de Russo (2013). O autor faz uma separação entre seus conceitos de tradução e interpretação. Sucintamente, para o autor, uma interpretação entre dois sistemas lógicos preserva a relação de consequência entre esses sistemas e uma tradução entre duas linguagens envolve apenas os conectivos das linguagens.
Para justificar esta separação, é dado um exemplo em linguagem natural. Primeiramente, a fim de esclarecer que a tradução, conceito atrelado à linguagem, existe independente da interpretação, conceito associado ao significado, suponhamos que duas pessoas, as quais chamaremos de A e B, falam idiomas distintos e B traduz para sua própria língua o que A diz, então, apesar de B traduzir o raciocínio de A de uma linguagem para outra, B pode não concordar com o raciocínio de A. Por outro lado, o conceito de interpretação também é independente do de tradução, pois podemos ter duas pessoas com idiomas distintos que compartilham de um mesmo raciocínio, mas não conseguem traduzir o raciocínio entre as linguagens que falam.
Como analisaremos, na última seção deste capítulo, os conceitos introduzidos por Russo (2013) correspondem a casos particulares dos conceitos de tradução e tradução conservativa de da Silva, D’Ottaviano e Sette (1999) e Feitosa (1997), respectivamente.
Ações de monóides sobre conjuntos foram consideradas no artigo como uma estrutura matemática adequada para trabalhar com o operador de consequência, definido no capítulo anterior (Definição 1.6.1).
Definição 2.2.1. Seja X um conjunto não vazio. Um monóide A = (𝐴, ∙𝐴, 1) age sobre
X se existe uma operação ∙ : 𝐴 × X −→ X tal que, para todos 𝑎, 𝑏 ∈ 𝐴 e todo 𝑥 ∈ X: (i) (𝑎 ∙𝐴𝑏)∙ 𝑥 = 𝑎 ∙(𝑏 ∙ 𝑥)
(ii) 1 ∙ 𝑥 = 𝑥.
Na definição acima, X é chamado de um A-conjunto.
Definição 2.2.2. Sejam A = (𝐴, ∙𝐴, 1) um monóide e X um A-conjunto. Um operador
de consequência sobre X, C : ℘(X) → ℘(X), é uma ação invariante se, para todo 𝑎 ∈ 𝐴 e todo Y ⊆ X, 𝑎 ∙ C(Y) ⊆ C(𝑎 ∙ Y), em que 𝑎 ∙ C(Y) = {𝑎 ∙ 𝑥 : 𝑥 ∈ C(Y)} e 𝑎 ∙ Y = {𝑎 ∙ 𝑥 : 𝑥 ∈ Y}.
Daremos a partir de agora algumas definições iniciais de Russo (2013) a fim de definirmos posteriormente interpretação e representação entre sistemas dedutivos proposicionais e tradução de linguagem.
Definição 2.2.3. Uma linguagem proposicional é um par L = (𝐿𝑐, 𝑣), em que 𝐿𝑐 é um
conjunto e 𝑣 : 𝐿𝑐 −→ N é uma função de 𝐿𝑐 nos números naturais. Os elementos de 𝐿𝑐
são chamados conectivos e a imagem de um conectivo por 𝑣 é chamada de aridade deste conectivo. Conectivos de aridade zero são chamados símbolos de constantes.
Denotamos por 𝑉 = {𝑥𝑛 : 𝑛 ∈ N} o conjunto de variáveis proposicionais. As
L-fórmulas são definidas como usual:
(i) Toda variável proposicional e todo símbolo de constante é uma L-fórmula; (ii) Se 𝑓 é um conectivo de aridade 𝑣(𝑓 ) > 0 e 𝜙1, . . . , 𝜙𝑣(𝑓 ) são L-fórmulas,
então 𝑓 (𝜙1, . . . , 𝜙𝑣(𝑓 )) é uma L-fórmula;
(iii) O conjunto de todas as L-fórmulas, 𝐹𝑚, é gerado apenas por (i) e (ii).
Em álgebra utilizamos uma assinatura ao invés de uma linguagem. Se L é uma linguagem sobre 𝑉 , então Fm = (𝐹𝑚, L𝐹𝑚) é uma álgebra de assinatura de L. Os
números naturais 𝑚 e 𝑛, não nulos ao mesmo tempo, um sequente sobre L de tipo (𝑚,
𝑛) é um par (Γ, Δ), em que Γ = (𝜙1, . . . , 𝜙𝑚) e Δ = (𝜓1, . . . , 𝜓𝑛) são sequências de
L-fórmulas. Fórmulas são (0, 1)-sequentes e equações são (1, 1)-sequentes.
É assumido que estruturas de fórmulas é um subconjunto do conjunto de todos os sequentes de uma dada assinatura.
Os endomorfismos sobre a álgebra de fórmulas Fm formam um monóide substi-
tuição Σ𝐿 = (Σ𝐿, ∘, 𝑖𝑑𝐹𝑚) que possui uma ação natural sobre 𝐹𝑚: Φ ∙ 𝜙 = Φ(𝜙), para
todo Φ ∈ Σ𝐿 e 𝜙 ∈ 𝐹𝑚.
Definição 2.2.4. Uma substituição invariante é um operador de consequência sobre uma
estrutura de fórmulas que é ação invariante com respeito às substituições.
A definição de substituição invariante é um caso particular da definição de operador estrutural dada na Definição 1.5.9. Claramente a definição de operador estrutu- ral envolve linguagens gerais enquanto que a de substituição invariante envolve apenas linguagens proposicionais.
Definição 2.2.5. Um sistema dedutivo proposicional é um par ℒ = (𝐿, C) tal que 𝐿 é
um conjunto de sequentes sobre uma linguagem proposicional L e C é um operador de consequência sobre 𝐿 que é uma substituição invariante.
Também com as distinções entre linguagens proposicionais e linguagens gerais, o conceito acima corresponde a um caso particular do conceito de sistema lógico dado na Definição 1.6.13. Abaixo são apresentadas formas de comparar dois sistemas dedutivos proposicionais, de acordo com Russo (2013).
Definição 2.2.6. Sejam A um monóide, X e Y dois A-conjuntos e CX e CY operadores
de consequência sobre X e Y, respectivamente, que são ações invariantes.
(i) Uma função f : X −→ ℘(Y) é uma ação invariante se f(𝑎 ∙𝑋 𝑥) = 𝑎 ∙𝑌 f(𝑥),
para todo 𝑎 ∈ 𝐴 e 𝑥 ∈ X.
(ii) Uma função ação invariante f : X −→ ℘(Y) é uma interpretação de CX em
CY se, para todo Z∪{𝑥} ⊆ X, 𝑥 ∈ CX(Z) ⇒ f(𝑥) ∈ CY(f(Z)).
(iii) Uma função ação invariante f : X −→ ℘(Y) é uma representação, ou uma
interpretação conservativa, de CX em CY se, para todo Z∪{𝑥} ⊆ X, 𝑥 ∈ CX(Z) ⇔ f(𝑥) ∈
(iv) Duas representações f : X −→ ℘(Y) e f’ : Y −→ ℘(X) formam uma
equivalência e dizemos que CXem CYsão equivalentes se, para todo 𝑦 ∈ Y, 𝑦 ∈ CY(f[f’(𝑦)])
e f[f’(𝑦)] ⊆ CY(𝑦).
(v) Uma função f : X −→ ℘(Y) é uma interpretação fraca de CX em CY se,
para todo Z∪{𝑥} ⊆ X, 𝑥 ∈ CX(Z) ⇒ f(𝑥) ∈ CY(f(Z)).
(vi) Uma função f : X −→ ℘(Y) é uma representação fraca de CX em CY se,
para todo Z∪{𝑥} ⊆ X, 𝑥 ∈ CX(Z) ⇔ f(𝑥) ∈ CY(f(Z)).
(vii) Duas representações fracas f : X −→ ℘(Y) e f’ : Y −→ ℘(X) formam uma
similaridade e dizemos que CX em CY são similares se, para todo 𝑦 ∈ Y, 𝑦 ∈ CY(f[f’(𝑦)])
e f[f’(𝑦)] ⊆ CY(𝑦).
Definição 2.2.7. Sejam L = (𝐿𝑐, 𝑣) uma linguagem proposicional e 𝑛 um número natural.
A função 𝑓 : 𝐹𝑚𝑛 −→ 𝐹𝑚 é uma operação derivada sobre 𝐹𝑚 se existe uma fórmula 𝜙𝑓 =
𝜙𝑓[𝑥1, . . . , 𝑥𝑛] ∈ 𝐹𝑚 tal que 𝑓 (𝜓1, . . . , 𝜓𝑛) = 𝜙𝑓 = 𝜙𝑓[𝑥1/𝜓1, . . . , 𝑥𝑛/𝜓𝑛], para toda 𝜓1, . . . , 𝜓𝑛 ∈ 𝐹𝑚. Se 𝑛 = 0, 𝑓 é uma constante derivada sobre 𝐹𝑚.
Definição 2.2.8. Sejam L = (𝐿𝑐, 𝑣) e L’ = (𝐿𝑐’, 𝑣’) duas linguagens proposicionais.
Consideremos que para cada conectivo 𝑓 ∈ 𝐿𝑐 existe uma operação derivada 𝑓 ’ sobre
𝐹𝑚’ de aridade 𝑣(𝑓 ) e denotamos por LFm’ o conjunto de tais operações, daí a estrutura
Fm’L = (𝐹𝑚’, LFm’) é uma L-álgebra. Uma função g : 𝐹𝑚 −→ 𝐹𝑚’ é uma tradução de
linguagens de L em L’ se:
(i) g-1(𝑥) = {𝑥} para qualquer variável 𝑥
(ii) g é um L-homomorfismo, ou seja, para todo 𝑓 ∈ 𝐿𝑐 e todos 𝜙1, . . . , 𝜙𝑣(𝑓 )
∈ 𝐹𝑚, g(𝑓 (𝜙1, . . . , 𝜙𝑣(𝑓 ))) = 𝑓 ’(g(𝜙1), . . . , g(𝜙𝑣(𝑓 ))).
A definição de tradução de linguagens proposicionais acima é parecida com a definição de tradução entre linguagens proposicionais de Wójcicki (1988) (Definição 1.5.10). Diferem apenas na maneira como definem a tradução da variável. Enquanto na definição de Russo (2013) a condição que envolve variável fornece a informação que a imagem inversa de uma variável 𝑥 é o conjunto unitário {𝑥}, na definição de Wójcicki (1988), tal condição exprime que existe uma fórmula 𝐴(𝑥0) em L’ na variável 𝑥0 tal que,
para cada variável 𝑥, g(𝑥) = 𝐴(𝑥).
Para sistemas dedutivos proposicionais de linguagens distintas, podemos apenas descrever interpretações fracas, pois, neste caso, a noção de ação invariante não não se aplica. Segue, então, uma definição de ação invariante via homomorfismo de monóides,
que permite definições de interpretação, representação e equivalência via morfismo de monóides.
Definição 2.2.9. Sejam A e B dois monóides, X um A-conjunto, Y um B-conjunto e CX e CY dois operadores de consequência ações invariantes sobre X e Y, respectivamente.
(i) Uma função f : X −→ ℘(Y) é uma ação invariante via o homomorfismo de
monóides h se existe um homomorfismo de monóides h : A −→ B tal que f(𝑎 ∙𝑋 𝑥) =
h(𝑎) ∙𝑌 f(𝑥), para todo 𝑎 ∈ 𝐴 e 𝑥 ∈ X.
(ii) Uma função f : X −→ ℘(Y) é uma interpretação via h de CX em CY se ela
é uma interpretação fraca e é uma ação invariante via um homomorfismo de monóides h. (iii) Uma função f : X −→ ℘(Y) é uma representação via h, ou uma interpretação
conservativa via h, de CXem CY se ela é uma representação fraca e é uma ação invariante
via um homomorfismo de monóides h.
(iv) Uma similaridade dada por duas representações fracas f : X −→ ℘(Y) e f’ : Y −→ ℘(X) é uma equivalência via h e k se existem dois homomorfismos de monóides h : A −→ B e k : B −→ A tais que f é uma ação invariante via o homomorfismo h e f’ é uma ação invariante via o homomorfismo k.
O que nos interessa no artigo de Russo (2013) são as noções de interpretação, representação e tradução de linguagens acima apresentadas. Não nos atentaremos ao conceito de quantale de Galatos e Tsinakis, que é um monóide numa categoria, e nos resultados dados por Russo (2013) que seguem deste conceito e das definições por nós apresentadas nesta seção.
Relações entre esses conceitos e os nossos conceitos de tradução e tradução conservativa serão analisadas nas considerações finais deste capítulo.