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CAPÍTULO 3. METODOLOGIA

3.7. Procedimentos de análise dos dados

3.7.1. Intervisão

Tradicionalmente a formação psicanalítica inclui o método de observação de bebés, combinado com um seminário de observação semanal, em que um grupo de observadores se reúne à volta de um observador/supervisor experiente, tendo em vista a necessidade de se processarem as emoções e pensamentos despertados na e pela observação.

Baseadas nesta metodologia, a nossa experiência incluiu a constituição de um grupo de investigadores, liderado pela coorientadora desta tese e que denominamos como grupo de pares. Estes encontros implementados semanalmente, com uma duração de duas horas e meia, foram estendidos por um período de vários meses. Não pressupunham considerar os

entrevistados como “casos” para serem interpretados psicanaliticamente, não se constituíram como discussões teóricas (defensivas) como se as teorias importassem mais do que as emoções vividas, dificultando por isso a emergência do novo, mas como um espaço de reflexão e de procura de significados sobre os dados obtidos a partir das transcrições das entrevistas e notas de campo, fundamental para análise dos processos intersubjetivos e transformações inerentes ao processo de tornar-se mãe, pai, bebé e investigador. Desta forma, com vista à aproximação à verdade, à verdade como consenso construída na intersubjetividade, os entrevistados podem “ser vistos”, para além da lente de sentimentos e auto- reflexão do investigador, com uma visão mais nítida e rica dos sujeitos.

Podemos, então, afirmar que além da ênfase diádica ou triádica, no nosso estudo, escolhemos as tendências mais recentes que fazem avançar a compreensão do self nas relações primárias: que envolvem a relação dinâmica entre a individualidade e a intersubjetividade, pela constituição de um tempo e de um espaço de encontros regulares de três investigadoras, onde as transcrições das entrevistas e as notas de campo foram lidas em voz alta, analisadas e discutidas, num trabalho de intervisão e supervisão. Tornando pensável e exprimível o que antes fazia pressão sob forma de emoções e pensamentos condensados inexprimíveis, nestes encontros intersubjetivos com o grupo de pares, foram criados e recriados os vários cenários narrativos, onde todos os personagens puderam espairecer-se, tomar corpo e voz.

A leitura do material em voz alta fazia realçar uma exposição saturada de emoções, que nos possibilitava o desenvolver da tolerância em sermos observados, o aumentar a capacidade de lidarmos com as dúvidas e incertezas, de esperar pelo insight e pensar. Gradualmente foram sendo destacadas e reformuladas as questões conflituais das entrevistas, a dinâmica intersubjetiva consciente e inconsciente, a relação transfero-contratransferencial entre o entrevistador e os entrevistados, o potencial de construção e criação das palavras de cada participante, permitindo uma maior integração das formas implícitas (não-verbais) da comunicação. Através de uma análise transversal e longitudinal aprofundada pudemos aceder às transformações ocorridas no processo de tornar-se.

Deste modo, em grupo, foi constituída uma experiência emocional partilhada, um clima propício para a descoberta de convergências e divergências entre os membros, donde emergiram novos insights para além do entendimento individual da investigadora. As novas ideias que foram emergindo no grupo, puderam ser consideradas, porque cada encontro era

sentido como local seguro para a confusão e a incerteza. Só o contrastar de algumas ideias e o aproximar de algumas clivagens, torna possível a elaboração e o aceder a novos aspetos.

Houve um lugar para a sensação de estar sobrecarregado ou incompetente, bem como um lugar para apreciar os aspetos gratificantes do trabalho ou para um sonhar acompanhado, segundo as palavras de Ogden (2010b). A atmosfera de não-julgamento foi promotora de curiosidade e conhecimento. Assim, a função continente do grupo de pares para com a investigadora pode comparar-se à função do pai que alimenta e sustenta a mãe no cuidar do bebé. O grupo assumiu uma posição de terceiro, contendo o impacto emocional da situação de observação (Sandri, 1997), clarificando os processos psíquicos, a análise da relação transfero- contratransferencial e as transformações quer nos pais quer na investigadora. As notas desses encontros foram também registadas e consideradas como dados, facilitando a elaboração dos dilemas, das dificuldades e dos pontos cegos em relação a potenciais identificações com as mães, pais ou bebés.

Todos os dados foram analisados pela investigadora e no grupo de pares, tendo como quadro de referência a metodologia proposta por Hollway e Jefferson (2000, 2008). Assim, na análise dos dados torna-se fundamental considerarmos o lugar do observador na investigação, o lugar ocupado pelo bebé no psiquismo de cada um dos pais e o lugar de cada um relativamente ao outro. Cada entrevista foi analisada individualmente dando-se particular atenção aos mecanismos de defesa mobilizados e à gestalt das mesmas de forma a identificarmos as consistências e inconsistências, as concordâncias e contradições, as semelhanças e alterações expressas através da linguagem, bem como à exploração de temas significativos quer pela sua presença quer através da sua ausência, ao invés de permanecermos dentro dos limites dos relatos obtidos. Desta forma, procurámos aceder à expressão dos conflitos inconscientes e ao papel determinante da comunicação intersubjetiva no processo de investigação, sem esquecer a dinâmica dos processos psíquicos e as relações sociais em que os pais e o bebé se envolvem e pelas quais se transformam e são transformados.

O facto de considerarmos a intersubjetividade como um meio incontornável de construção de saberes e não como obstáculo à produção de conhecimentos levou-nos a dar particular atenção à transferência e contratransferência inerente a todas as relações interpessoais, incidindo, como é óbvio, na relação do investigador com cada tríada.

Dada a extensão do material obtido, foram definidos em grupo três momentos de observação: último trimestre da gravidez, primeiro mês após o nascimento e ao quarto mês de vida do bebé, e utilizadas apenas algumas passagens da transcrição para ilustrar determinados detalhes para que o leitor pudesse entrar em contacto com o material recolhido tal como se passou. Neste processo foi necessário destacar os aspetos da relação que se revelavam incoerentes e contraditórios de forma a ilustrar o modo como é que os mecanismos de defesa são usados, uma vez que só poderemos aceder ao Outro, ser psicológico, pelo “recurso a modelos que usam a significação e o sentido, que se fundam, também, na consensualidade, comunicação, construção e transformação” (Marques, 1999, p. 74).

Todos estes procedimentos implicam um trabalho de reflexão durante todo o processo de investigação e assentam numa procura de coerência e convergência entre o objeto de estudo, a teoria e os métodos adequados à investigação do(s) - Inconsciente(s). Desta forma, contrariamente à pesquisa transversal que procura estados psicológicos, a pesquisa qualitativa longitudinal psicanaliticamente informada tem o potencial de revelar processos psíquicos dinâmicos e complexos que envolvem os sujeitos no tempo e no espaço, com uma coerência ontológica, epistemológica, metodológica, ética e singularizante.