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U MA A NATOMIA DA C RISE DA

2.4 4 º M OVIMENTO – E XPROPRIAÇÃO /A CUMULAÇÃO DE R IQUEZA E A LIENAÇÃO DO M UNDO

1.3. V IRAGEM E XISTENCIAL

Em praticamente toda a tradição filosófica ocidental, e principalmente desde a sua formalização no Sobre a Interpretação de Aristóteles, que se assumiu que a distinção entre verdade e falsidade – ser e não-ser – só se aplicava a proposições ou juízos, não fazendo qualquer sentido quando aplicada a termos isolados273. Como vimos na secção anterior, a concepção de verdade proposta por Husserl liberta quer esta última, quer o ser, da cópula do juízo, mostrando assim que a própria distinção entre verdade e falsidade em sentido proposicional e a sua validade pressupõem um acesso à verdade e ao ser que é ele mesmo pré-proposicional ou antepredicativo274

Para dar conta desta noção de verdade no quadro do seu conceito de intencionalidade – o qual, como vimos, é primariamente cognitivo e assenta num espectro de preenchimento do visado que vai da ausência do objecto à sua plena presença imediata na evidência –, Husserl avança com a distinção entre intuição sensível e intuição categorial.

, correspondendo a um excedente de significação vivido em toda a intuição.

A introdução da intuição categorial pretende dar conta do problema da verdade no que respeita a “estados-de-coisas” ou a expressões complexas como as que podem ser encontradas nas asserções empíricas. Categorial refere-se, assim, a um tipo de intuição que preenche os significados de formas categoriais como os juízos, os quais não encontram «na esfera da percepção sensível assim entendida e, de forma correspondente, na intuição sensível em geral […] não encontra, então, uma significação tal como a da palavra ser nenhum correlato possível e, por isso, nos actos de tal percepção, nenhum preenchimento possível»275

273

Veja-se Aristóteles, Sobre a Interpretação, 16a 10-15.

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274

Uma observação que, aliás, já havia sido feita, de certa maneira, pelo próprio Aristóteles no tratado referido acima. Veja-se Aristóteles, Sobre a Interpretação, 16a 10-15.

275

„In der Sphäre der so verstandenen sinnlichen Wahrnehmung, und entsprechend der sinnlichen Anschanung überhaupt [...] findet nun eine Bedeutung, wie die des Wortes Sein, kein mögliches objektives Korrelat und darum in den Akten solcher Wahrnehmung keine mögliche Erfüllung.“, Husserl, Edmund, LU, Bd. 2 VI, p. 138 (p. 142 na edição portuguesa).

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Como já assinalámos, num qualquer juízo de tipo “A é b” está presente uma forma complementar que contém o ser, forma que não é ela mesma alcançada na intuição sensível. O “é” é aí visado signitivamente, uma visada que pode ser compreendida como uma intenção significativa que se dirige não à simplicidade da intuição sensível, mas a um universal que, estando já de alguma forma presente na intuição sensível, não pode por esta ser preenchido, carecendo de comprovação276

De acordo com Husserl, tal como é para nós possível ter uma intuição directa e imediata de propriedades individuais e de entidades concretas – aquilo a que o filósofo chama “objectos reais” –, assim também nos deve ser possível intuir significados, objectos e estados-de-coisas ideais. Muito embora esta idealidade, na concepção de intencionalidade avançada por Husserl, diga respeito ao lado subjectivo dos actos ou ao seu sentido, isso não implica que estejamos aqui diante de um momento meramente subjectivo e que, como tal, os objectos ideais sejam objectos resultantes de uma reflexão sobre os próprios actos. Uma tal solução significaria que a origem do conceito de ser seria descoberta na reflexão sobre o juízo, retomando a doutrina clássica de que o ser e a verdade ocorrem primariamente na proposição.

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Não é esse o caso. As formas categoriais não são constituídas pelos actos do mesmo tipo que os juízos; elas são os objectos que se manifestam ou tornam visíveis nesses actos. Como vimos, cada intenção significativa antecipa a possibilidade do seu eventual preenchimento. No caso das expressões categoriais, nomeadamente no caso concreto do “ser” indicado pela cópula no juízo, a antecipação da possibilidade desse preenchimento ocorre e está fundada em toda a intuição sensível. Com essa possibilidade é dado, de forma não-tematizada, o próprio ser do objecto universal visado, o qual aguarda preenchimento, pelo que, como diz Husserl,

276

„Das Sein ist nichts im Gegenstande, kein Teil desselben, kein ihm einwohnendes Moment; keine Qualität oder Intensität, aber auch keine Figur, keine innere Form überhaupt, kein wie immer zu fassendes konstitutives Merkmal. Das Sein ist aber auch nichts an einem Gegenstande, es ist wie kein reales inneres, so auch kein reales äußeres Merkmal und darum im realen Sinne überhäupt kein »Merkmal«. Denn es betrifft auch nicht die sachlichen Einheitsformen, welche Gegenstände zu umfassenderen Gegenständen verknüpfen, Farben zu Farbengestalten, Töne zu Harmonien, Dinge zu umfassenderen Dingen oder Dingordnungen (Garten, Straße, phänomenale Außenwelt). [...] das Sein sei schlechthin nichts Wahrnehmbares.“ («O ser não é nada no objecto, não é nenhuma parte dele, nenhum momento que nele resida; nenhuma qualidade ou intensidade, mas também não é nenhuma figura, nenhuma forma interior em geral, nenhuma nota característica constitutiva, seja como for que tenha de ser concebida. O ser também não é nada do objecto, não é como um interior real, nem sequer uma nota característica exterior real e, por isso, em sentido real geral, não é nenhuma “nota característica”. Ele também não diz respeito a formas de unidade coisal, que ligam objectos a objectos mais abrangentes ou a ordenações de coisas (jardins, ruas, mundo exterior fenomenal). […] o ser pura e simplesmente não é nada percepcionável.»), Husserl, Edmund, LU, Bd. 2 VI, p. 137 (pp. 141-142 na edição portuguesa).

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Não é na reflexão sobre juízos, ou melhor, sobre o preenchimento de juízos, mas sim nos próprios preenchimentos de juízos, que reside verdadeiramente a origem do conceito de estado-de-coisas e de ser […]; não é nestes actos como objectos, mas sim nos objectos destes actos que encontramos o fundamento de abstracção para a realização dos mencionados conceitos […].277

Para Husserl, o categorial é dado, tal como o sensível, pelo que o preenchimento das expressões complexas, cujo correlato é um objecto categorial, tem de ser possível numa intuição igualmente categorial, tal como as expressões simples encontram o seu preenchimento na intuição sensível: «o categorial é o analogon dos dados dos sentidos»278

Como sabemos, para Husserl, intuição corresponde à presença imediata do visado, pelo que a analogia distingue entre intuição simples e intuição categorial apenas no que respeita à relação de fundamentação: como o objecto potencial das expressões categorias é sempre dado na intuição sensível, embora não seja aí directamente visado, é nesta última que a intuição categorial descobre o seu fundamento. Isto significa que a intuição categorial não corresponde a uma qualquer intuição intelectual depurada de todo o elemento sensível, mas é sempre acompanhada de um carácter sensível, o qual constitui uma espécie de materialidade da intuição categorial e introduz níveis de mais elevada ou de menos elevada categorialidade, dependendo da maior ou menor presença do sensível.

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A distinção husserliana entre intuição sensível e intuição categorial deixa-se captar com maior facilidade se considerarmos o paralelismo que Husserl estabelece com Kant e a sua distinção entre sensibilidade e entendimento: tal como, em Kant, as intuições sem conceitos são cegas, assim também a intuição sensível não desemboca num diverso sensível indistinto, constituindo já um objecto; e tal como, para Kant, os pensamentos sem conteúdo são vazios, assim também para Husserl os objectos descobertos pela intuição categorial não surgem do nada, mas têm de estar eles mesmo fundados, isto é, a possibilidade do seu preenchimento tem de se de alguma forma já dada justamente na intuição sensível.

277

„Nicht in der Reflexion auf Urteile oder vielmehr auf Urteilserfüllungen, sondern in den Urteilserfüllungen selbst liegt wahrhaft der Ursprung der Begriffe Sachverhalt und Sein [...]; nicht in diesen Akten als Gegenständen, sondern in den Gegenständen dieser Akte finden wir das Abstraktionsfundament für die Realisierung der besagten Begriffe [...].“, Husserl, Edmund, LU, Bd. 2 VI, p. 141 (p. 145 na edição portuguesa).

278

„[...] das Kategoriale ist das, was den sinnlichen Daten entspricht.“, Heidegger, Martin, «Seminar in Zähringen 1973», HGA 15, p. 376.

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Ora, é justamente no momento em que realiza os seus propósitos que a concepção de verdade e de ser proposta por Husserl, assente na distinção entre intuição sensível e intuição categorial, se torna problemática e mesmo paradoxal.

A análise da expressão enquanto unidade básica do modelo de intencionalidade husserliano mostrou a sua constituição dual: a expressão tem um lado subjectivo, manifestando um acto particular ou momento do objecto; e tem um lado objectivo, no qual se refere ao objecto ou à entidade parcialmente descoberta por esse mesmo acto. Cada expressão é, pois, animada por uma intenção comunicativa, pois um determinado modo de manifestação é imediatamente posto em relação com a coisa que nele se manifesta como um todo, como unidade referencial de diversos momentos de doação.

Esta forma de caracterizar as expressões serve não só para os actos complexos como os juízos, mas também para os actos simples que nos apresentam directamente um objecto.

De acordo com Heidegger, esta concepção de expressão encerra, no contexto do pensamento husserliano nas Logische Untersuchungen, uma ambiguidade no tratamento do objecto: o objecto é simultaneamente o percebido – ou seja, uma percepção sensível, aquilo que é sensorialmente dado como exemplo de objecto sensível ou momento de uma coisa; e a coisa percebida – isto é, o objecto propriamente dito, que se torna “visível” na percepção como excedente de significação, embora o seu carácter de objecto – este objecto – não seja sensivelmente percebido. Nesta segunda acepção, o objecto assume o carácter de coisa, de substância, a qual, em Husserl, não se limita a ser uma categoria do entendimento, uma forma que ajusta espontaneamente o diverso sensível à capacidade de conhecer de um sujeito transcendental – como em Kant –, mas um dado intuitivo, um trazer-à-presença de um objecto ideal, a categoria, que se distingue e é independente do objecto sensível279

Ora, isto parece indicar que mesmo os actos simples estão sempre já “saturados”, por assim dizer, de categorialidade, por uma objectualidade (Gegenständlichkeit, chama-lhe Heidegger

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280

) que determina e se constitui como fundamento de todo o objecto sensível281. Segundo Heidegger,

279

Veja-se Heidegger, Martin, «Seminar in Zähringen 1973», HGA 15, pp. 375-376.

280

Veja-se Heidegger, Martin, «Seminar in Zähringen 1973», HGA 15, p. 378.

281

Uma espécie de superfície que se constitui em condição de possibilidade do aparecimento de formas, cores, etc.. A superfície ela mesma não aparece ou, como diz Heidegger, é mais aparecente do que aquilo que aparece.

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Asserções são actos de significação, e asserções no sentido de proposições formuladas são apenas formas determinadas de expressividade no sentido de expressarem vivências ou comportamentos através do significado. É um mérito essencial da investigação fenomenológica que este sentido autêntico da expressão e da expressividade de todos os comportamentos se tenha tornado fundamental e tenha sido colocado no primeiro plano da questão da estrutura do lógico. Isto não é surpreendente quando se considera que os nossos comportamentos são, de facto, atravessados consistentemente por asserções, que eles são sempre realizados numa expressividade determinada. É também matéria de facto que as nossas percepções e estados constitutivos mais simples são já expressos, mais ainda, são interpretados de determinado modo.282

Há já uma articulação, uma síntese antepredicativa do objecto, numa espécie de duplo reenvio, no qual a intuição categorial é remetida para o sensível e compreendida a partir dele, e a intuição sensível remetida para uma dimensão categorial, pois só esta parece estar apta a fornecer o ser da coisa. Para Dahlstrom, esta saturação categorial das expressões conduz Heidegger a afirmar, contra Husserl, que «nós vemos primária e originalmente não tanto os objectos e as coisas, mas antes falamos acerca deles; mais precisamente, nós não falamos do que vemos mas, inversamente, vemos aquilo que se diz acerca do assunto»283

Em suma, o primeiro caso de reenvio vai ao encontro da tese de Husserl, pois é a vivência do ser, a sua compreensão prévia ou doação como excedente de significação na intuição sensível que deve fundar qualquer juízo acerca do mesmo; mas a admissão do segundo reenvio deita por terra o carácter fundacional e autónomo da intuição sensível, pois suprime a distinção entre intuição sensível e intuição categorial e, como tal, mostra a parcialidade dos próprios esforços de Husserl de fundar o objectivo no subjectivo.

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282

„Aussagen sind Bedeutungsakte, und Aussagen im Sinne des formulierten Satzes sind nur bestimmte Formen der Ausdrück-lichkeit im Sùone des Ausdrückens von Erlebnissen oder Verhaltungen durch Bedeutung. Es ist ein wesentliches Verdienst der phänomenologischen Untersuchungen, daß dieser eigentliehe Sinn des Ausdrückens und der Ausgedrücktheit aller Ver-haltungen grundsätzlich in den Vordergrund der Frage nach der Struktur des Logischen gestellt wurde. Das ist nicht verwunderlich, wenn man bedenkt, daß faktisch unsere Verhaltungen durchgängig von Aussagen durchsetzt sind, sie jeweils in bestimmter Ausdrücklichkeit vollzogen werden. Faktisch ist es auch so, daß unsere schlichtesten Wahrnehmungen und Ver-fassungen schon ausgedrückte, mehr noch, in bestimmter Weise interpretierte sind“, Heidegger, Martin, Prolegomena Zur Geschichte des Zeitbegriffes Sommersemester 1925, HGA Band 20, pp. 74-75.

283

Veja-se Dahlstrom, Daniel, Heidegger’s Concept of Truth, p. 85; e Heidegger, Martin, Prolegomena

Zur Geschichte des Zeitbegriffes Sommersemester 1925, HGA Band 20, p. 75: «Wir sehen nicht so sehr

primär und ur-sprünglich die Gegenstände und Dinge, sondern zunächst sprechen wir darüber, genauer sprechen wir nicht das aus, was wir sehen, sondern umgekehrt, wir sehen, was man über die Sache spricht».

163

Nesta leitura heideggeriana deve-se, pois, compreender por “objectualidade” não a objectividade – a universalidade e a necessidade – do conhecimento (a chamada

Objectivität, para a qual Husserl oferece um resposta cabal)284

A afirmação do carácter abstracto da intuição simples e a exigência de uma intuição concreta que contém já um estrato categorial desloca a investigação para lá do horizonte traçado por Husserl nas Investigações Lógicas, a saber, o horizonte da determinação das condições de possibilidade do conhecimento, transpondo a discussão para o campo da ontologia e para uma investigação em torno do sentido do ser.

, mas o próprio ser- objecto que funda toda a coisa enquanto unidade referencial dada como excedente de significação na intuição simples e que, ao articular antepredicativamente o diverso sensível, permite que o objecto da intuição apareça. A intuição concreta nunca é, desta forma, uma percepção sensível isolada, mas sempre uma intuição já recoberta, estratificada, categorialmente determinada, pelo que falar de intuição simples parece equivaler a falar de uma abstracção. Em consequência, a distinção entre intuição sensível e intuição categorial parece corresponder a pouco mais do que à distinção entre percepção implícita e percepção explícita, ou à distinção entre visadas categoriais pré- temáticas e temáticas.

Ao detectar um compromisso ontológico implícito nas teses de Husserl, Heidegger põe em causa aquilo que o seu antigo mestre pretendia desde o início, isto é, uma suposta neutralidade ontológica das suas teses – é preciso não esquecer que toda a iniciativa fenomenológica husserliana assenta na suspensão de juízo acerca da realidade. Ao remeter a análise fenomenológica para o campo da ontologia, Heidegger trata de questionar o sentido da realidade do objecto, transformando a questão ontológica no núcleo da indagação fenomenológica.

Ficam assim claros os limites da proposta de Husserl tal como Heidegger os concebe, uma clarificação de limites que servirá também à reflexão de Arendt, muito embora numa direcção distinta quer do primeiro, quer do segundo.

A resposta à questão da objectualidade do objecto tem como pressuposto a resposta à interrogação em torno do sentido do ser do ente, uma vez que a objectualidade ou ser- objecto em contraposição a um ser-sujeito é apenas um entre outros modos possíveis de presença ou ser, um modo no qual o ser se torna presente, como objecto, no espaço da

284

A distinção entre objectualidade – Gegenständlichkeit – e objectividade – Objektivität –, introduzida por Heidegger, é decisiva para a compreensão da cisão entre a fenomenologia husserliana e a fenomenologia heideggeriana.

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subjectividade. A relação sujeito-objecto subentende já uma abertura prévia ao ser do ente ou daquilo que aparece – no caso, como objecto a um sujeito – na qual subjectividade e a objectividade estão fundadas: o Dasein, ser-aí ou existência, proposto por Heidegger como alternativa a Bewusstsein ou consciência.

No Seminário de Zähringen, Heidegger esclarece a sua interpretação de

Bewusstsein, sublinhando a presença do particípio passado de “saber” (ge-wusst), o

qual, por seu lado, se refere a videre, ver. Nesse sentido, saber é ter-visto, e é nesta dimensão do ver que a consciência se move. Mas o que funda este ter-visto da consciência? E qual é o significado de Sein em Bewusstsein?

Sein em Bewusstsein significa estar-presente-a-si-mesmo. Esta presença a si, que

constitui o carácter de ser da consciência, é determinada pela subjectividade. No entanto, a subjectividade não é questionada no seu ser, que permanece sendo um

fundamentum inconcussum desde Descartes. O ser-para-si que caracteriza o ser-objecto,

embora pressuponha uma transcendência que o funda, nunca sai da imanência da consciência, permanecendo na subjectividade.285

Quando, ao falar de intencionalidade, referimos que a consciência é sempre consciência de algo, sublinhámos o “de”, pois este é revelador da presença do genitivo que traduz a vida da própria consciência. Assim, pode dizer-se que a consciência tem algo como objecto directo da sua actividade, seu resultado directo, mas também que a consciência mesma se faz objecto. Isto significa que aquilo que caracteriza a subjectividade da consciência é a sua objectualidade, uma actividade ou ser próprio que se determina num constituir e constituir-se em objecto, ou seja, devir objecto, aqui compreendido como a actividade de trazer o seu ser, na forma de um objecto – enquanto sujeito corpóreo, sujeito empírico, etc., o «eu a si próprio aparece»

286 –, à presença do sujeito fenomenológico287 285

Veja-se Heidegger, Martin, «Seminar in Zähringen 1973», HGA 15, pp. 379-380.

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286

„[…] das Ich sich selbst erscheine [...].“, Husserl, Edmund, LU, Bd. 2 I-V, p. 362 (p. 397 na edição portuguesa).

287

„Die bewußte intentionale Beziehung des Ich auf seine Gegenstände kann ich nicht auders verstehen, als daß zum phänomenologischen Gesamtbestand der Bewußtseinseinheit eben auch solche intentionale Erlebnisse gehören, in denen der Ichleib, das Ich als die geistige Person und so das ganze empirische Ichsubjekt (Ich, der Mensch) das intentionale Objekt ist, und daß solche intentionalen Erlebnisse zugleich einen wesentlichen phänomenologischen Kern des phänomenalen Ich ausmachen. [...] wer nicht anerkennen will, was uns als das Allersicherste gilt, daß das Gegenstand-sein, phänomenologisch gesprochen, in gewissen Akten liegt, in welchen etwas als Gegenstand erscheint oder gedacht ist: der wird freilich nicht verstehen können, wie das Gegenstand-sein selbst wieder gegenständlich werden kann. Nach uns ist die Sache ganz klar: Akte "richten sich" auf die Eigenart von Akten, in denen etwas erscheint; oder Akte richten sich auf das empirische Ich und auf seine Beziehung auf den Gegenstand. Den phänomenologischen Kern des Ich (des empirischen) bilden hierbei Akte, die ihm Gegenstände

165

Posto de outro modo: se é certo que a consciência possui algo como objecto directo e actual da sua actividade, não é menos certo que, no movimento de constituição do objecto, a própria consciência devém não um objecto actual, mas possível. A objectualidade ou a realidade característica do ser-sujeito adqu ire um sentido pot encial, o qual permanece, ao contrário daquilo que é para a consciência objecto actual, por tematizar, tornando-se assim não meramente possível, mas a própria condição possibilitante de qualquer objectividade. Segundo Husserl (que aqui citamos extensamente):

Em todo o cogito actual, o ego vive a sua vida num sentido especial. Mas todos os processos mentais no pano de fundo pertencem-lhe do mesmo modo; e ele pertence-lhes. Todos eles, enquanto pertencendo ao fluxo de processos mentais uno que é meu, têm de admitir ser convertidos em cogitationes actuais ou incorporados em cogitationes actuais enquanto constituintes imanentes. Nas palavras de Kant, “O eu penso tem de poder acompanhar todas as minhas representações”. Se retivermos um Ego puro enquanto resíduo após a nossa exclusão fenomenológica do mundo e da subjectividade empírica nele incluída (e um ego puro essencialmente diferente para cada fluxo de processos mentais), então é apresentada, no caso do ego, uma transcendência de tipo peculiar – uma transcendência que não é constituída –, uma transcendência no interior da imanência. Devido ao papel essencial imediatamente desempenhado por esta transcendência no caso de qualquer cogitação, não devemos empreender à sua exclusão, embora em muitas investigações as questões