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Jornalismo e Facilitação Gráfica: novas e antigas formas de narrar

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CAPÍTULO I O JORNALISMO VISUAL NAS NARRATIVAS JORNALÍSTICAS E NO

1.4 Jornalismo e Facilitação Gráfica: novas e antigas formas de narrar

As facilitações gráficas midiatizadas mesclam suas características com as narrativas jornalísticas, ao mesmo tempo que são transformadas pelas práticas das redações, transformação esta que o jornalista estabelece com sua própria maneira de narrar.

A narrativa é crucial para atingir pessoas. A habilidade de contar histórias e encontrar uma estrutura para isso é algo procurado por consumidores de mídia, sobretudo atualmente (BERGSTRÖM, 2009). As narrativas são para nós familiares, e até clássicas ou clichês no cinema e no teatro.

Trabalhar com narrativa é trabalhar com a expectativa, o que o público anseia ler ou ver. Além disso, a história pode sofrer mudanças de roteiro e reviravoltas, isso pode fidelizar o leitor, ou fazer com que ele abandone a leitura proposta. Bergström definiu dois níveis em que as histórias se operam: o nível da ação e o nível narrativo. No primeiro, descreve-se o que acontece e, no segundo, como aquilo aconteceu. O mesmo autor elencou três técnicas narrativas: dramática, não dramática e interativa.

- a narração dramática possui começo, meio e fim; define-se um cenário onde a ação acontece em tempo real.

- são exemplos de narração não dramática a estrutura aberta de alguns filmes, noticiários e anúncios publicitários. Nestes casos, a estrutura

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“começo-meio-fim” tem variações, reviravoltas. Alguns produtos nem mesmo tem um fim, abrindo para interpretações ou continuações. Mesmo na imprensa, uma cobertura jornalística de um assassinato pode não acabar enquanto não se descobre o assassino, e algumas investigações não tem mesmo fim.

- já a narração interativa baseia-se na experiência do espectador ou leitor, no rumo e velocidade que ele quer dar para a peça de comunicação. Lembrando que “a mídia interativa combina texto, imagens, filme, som, estimulando o visitante de várias maneiras ao mesmo tempo, aumentando dramaticamente o espaço das experiências abertas a ele e fortalecendo o impacto do conteúdo (BERGSTRÖM, 2009, p. 24).

Também no jornalismo existem técnicas e tipos de narrativa dentro da Narrativa Jornalística. O jornalismo, toda a sua técnica e estética, é somente mais uma forma de contar uma história. Existem, contudo, maneiras dentro do jornalismo de contar histórias. Normalmente escrito, usando os códigos das letras e das palavras na imprensa ocidental, o jornalismo na imprensa ocidental permite tipos de narrativas em seus periódicos. Em uma entrevista para Natália Mazzotte, em 2013, o então editor do Grupo Abril define assim as dificuldades para apresentar a notícia de forma atrativa ao público, em forma de game:

Na apuração propriamente dita não tem muita diferença, mas a forma como você deve pensar a matéria muda bastante. São duas coisas paralelas, uma é a apuração tradicional, que funciona do mesmo jeito, e outra é que é preciso pensar na mecânica do jogo, pensar o game design. Para dar apoio na construção do game, o repórter precisa trazer muitas referências visuais, já tem que fazer a apuração pensando em imagens relativas ao tema para recriar o cenário que está sendo retratado. Então eu diria que a grande diferença é essa preocupação com o que vai ser ilustrado (MAZZOTTE, 2013, s/p).

A escrita jornalística se apresenta nas formas de nota, notícia, reportagem e crônica. Se uma reportagem não apresenta elementos narrativos (cenário, personagem e ação) esta não é de fato uma reportagem (SODRÉ; FERRARI, 1986, p. 15). A narrativa jornalística, então, diferencia-se da literária por conta de seu compromisso com a objetividade informativa (SODRÉ; FERRARI, 1986, p. 9). Além disso, o jornalismo se estrutura na crença verdadeira e justificada (LISBOA;

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BENETTI, 2015), na qual sua legitimidade está relacionada com a credibilidade do veículo jornalístico, seja ela percebida ou constituída; a verdade, em sua constituição filosófica, refere-se à verdade proposital do jornalismo, ou seja, sua correspondência com o real, uma vez que “a questão da veracidade é primordial para a crença em uma fonte de informações como o jornalismo, que se propõe a descrever e interpretar a realidade” (LISBOA; BENETTI, 2015, p. 13).

Para as autoras, o jornalismo se consolida à medida que cresce o nível de fidelidade com a realidade e o relato desta. Por isso, o jornalismo faz uso de outras ferramentas discursivas, como a fotografia e os gráficos (formas abstratas que reunidas criam sentidos e significações). O jornalismo pode ser sempre uma interpretação, mas as fotos comprovam a realidade, assim como os gráficos demonstram a verdade nas conclusões que aquela peça de comunicação que chegar: “Se a narrativa jornalística visa ser conhecimento, ela não pode ser apenas uma interpretação qualquer. Tem que ser uma interpretação plausível e com elevado poder explicativo” (LISBOA; BENETTI, 2015, p. 14).

O jornalismo está intimamente presente em nosso dia a dia. A ideia de periodicidade do jornalismo, inclusive, dá ritmo à nossa vida, como por exemplo, marcamos compromissos baseados no horário dos programas de TV, ou quando notamos que estamos atrasados ou adiantados de acordo com o noticiário do rádio do carro.

Ler, ver ou ouvir notícias diariamente passou a fazer parte do ritmo moderno do mundo da vida e se incorporou à cotidianidade, se agregou ao ciclo cronológico do homem de hoje. Essa recorrência do hábito de tomar e retomar conhecimento do mundo através das notícias criou no homem contemporâneo um círculo cultural cuja intenção vai além da simples busca de sentido imediato, vai muito além da simples vontade de querer se informar sobre os fatos que ocorrem a cada dia. O ato de consumir notícias transformou-se num ato culturalmente importante porque se agregou ao ritmo do mundo da vida do homem moderno enquanto ato antropologicamente significativo, independentemente dos conteúdos veiculados e consumidos (MOTTA, 2002, p. 13).

Assim, a notícia é um produto que as pessoas estão familiarizadas a consumir, apesar de não dominarem seu processo de produção e, muitas vezes, nem notarem as nuances entre diferentes coberturas de um mesmo fato, ou mesmo a semelhança das notícias e grandes reportagens, com a literatura:

Pela sua natureza ritualística e enquanto sistema simbólico, as notícias têm um caráter de fábula, se aproximam de narrativas teológicas. Mas, na

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sua intencionalidade estratégica, elas não deixam de ser relatos plenos de verossimilhança, porque é a verossimilhança externa, esse compromisso com a história que lhes confere credibilidade para continuar contando e repetindo os temas arquetípicos, que lhes assegura a legitimidade para instalar-se como fonte das fábulas contemporâneas. Elas não constituem um corpo de sentidos elaborados e definitivos e só adquirem esses sentidos fabulares na imaginação dos leitores, telespectadores ou ouvintes (MOTTA, 2005, p.14).

As narrativas jornalísticas podem ser auxiliares de uma argumentação e não somente estar no espaço de protagonismo em notícias e reportagens (BERTOCCHI, 2006, p. 105). Visando a análise das narrativas jornalísticas, Motta (2005) nos propõe cinco movimentos característicos para compreender este tipo de narrativa:

(i) Recomposição da intriga ou do acontecimento jornalístico, isso pois, “As notícias são fragmentos dispersos e descontínuos de significações parciais”, necessitando um resgate dos fatos passados para compreender na sua totalidade a narrativa. O autor recomenda que esse resgate seja temático e cronológico.

(ii) Identificação dos conflitos e da funcionalidade dos episódios, afinal são os conflitos que darão espaço para os próximos episódios, sequências e ações. “O conflito é o núcleo em torno do qual gravita tudo o mais na narrativa”, e sua compreensão é o que torna possível reunir as demais notícias que montam essa narrativa.

(iii) Construção de personagens jornalísticas. A definição destes papéis é simplificada quando identificamos o conflito do item anterior. “No jornalismo as personagens costumam ser fortemente individualizadas e a transformar-se no eixo das histórias. [...] há sempre uma relação íntima entre personagens e pessoas físicas porque personagens representam pessoas reais”.

(iv) Estratégias comunicativas: diferente da ficção, em que temos a presença explícita ou implícita do narrador, no jornalismo as histórias são contadas como se a verdade estivesse posta, independente da figura do narrador que “dissimula sua fala como se ninguém estivesse por trás da narração”, ao que Motta chama de “processo de-subjetivação do real”, em que o jornalista é um narrador que nega até o fim sua narração.

(v) A relação comunicativa e o “contrato cognitivo”, segundo Motta (2005, p. 12), enquanto na literatura falamos em perspectiva, ou situação narrativa, ou também foco narrativo, na teoria jornalística se fala em

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“enquadramento” e “abordagem”. Importante destacar neste quinto movimento que:

Na análise pragmática da narrativa a atenção desvia-se da relação narrador - texto para a relação comunicativa narrador - narratário, para o jogo entre as intencionalidades do narrador e as interpretações e reconhecimentos da audiência. A perspectiva é outra, a atenção desloca- se do texto como unidade estática para a relação comunicativa intersubjetiva. O texto torna-se apenas o nexo de uma atividade interativa entre dois interlocutores (narrador e narratário) que realizam um processo, um ato comunicativo. O enquadramento ou abordagem jornalística são analisados como parte da estratégia comunicativa (MOTTA, 2005, p. 12).

(vi) Significados de fundo moral ou fábula da história: partindo do princípio que toda cobertura jornalística só existe devido a alguma transgressão em contraposição com a estabilidade, por mais que se busque a isenção e a imparcialidade, neste sexto movimento, Motta defende que “os jornalistas só destacam certos fatos da realidade como notícia porque esses fatos transgridem algum preceito ético ou moral, alguma lei, algum consenso cultural”. Portanto, como uma peça ficcional, existe na narrativa jornalística a moral da história e “esse fundo ético e moral vai surgindo cada vez mais nítido ao longo da análise do acontecimento: é o plano da estrutura profunda da narrativa”.

Sodré e Ferrari (1986) afirmam que as principais características de uma reportagem são:

(a) predominância da forma narrativa; (b) humanização do relato;

(c) texto de natureza impressionista; (d) objetividade dos fatos narrativos.

“Uma vez que (na reportagem) a aproximação com o leitor é maior, na medida em que se pode acompanhar o desenrolar dos acontecimentos quase como testemunha. Esse tipo de relato se apoia na ação e no detalhamento” (SODRÉ; FERRARI, 1986, p. 21).

Em meio à descrição dos elementos narrativos em reportagens, vale destacar que na mesma obra os autores descrevem os tipos de reportagens e os objetivos

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delas: as reportagens de ação, que visam colocar o leitor dentro do acontecimento por meio da narrativa; as reportagens de denúncia, que por meio de técnicas discursivas não apenas enunciam o fato, como pronunciam uma tendência, com se uma balança pende-se para o certo e o errado que aquele fato permeia.

Ainda sobre as características da nova narrativa jornalística, sempre vale lembrar o exemplo que os professores dão aos alunos no primeiro ano da Faculdade de Jornalismo: se a história da Chapeuzinho Vermelho tivesse mesmo acontecido, como seria essa notícia? O clímax e, portanto, a manchete da notícia é que um lobo foi abatido por um caçador após devorar uma criança e sua avó. Após esse esclarecimento, vêm as informações adicionais, onde foi o ataque, porque a garota estava na casa da avó, quem era o lobo, quem era o caçador, como elas foram localizadas e etc. Ao que confirma a explicação de Motta para esse estilo: “os fatos saltam sobre o leitor” (MOTTA, 2005, p. 6), pois na narrativa jornalística a história começa pelo clímax e posteriormente são acrescentados os detalhes e ambientações. O que explica também a existência de conteúdos jornalísticos derivados de notícias, como infográficos e retrancas do tipo “entenda o caso”, o que para Motta (2005, p.6) corresponde a analepses, ou seja flashbacks, das narrativas ficcionais que buscam facilitar a conexão da memória cultural do receptor da mensagem. Também os depoimentos de autoridades ou especialistas no assunto da reportagem recuperam fragmentos da história e constroem o enredo dessa narrativa. São estratégias de linguagem apropriadas pela narrativa jornalística visando recuperar a memória do receptor acerca de episódios anteriores ao narrado no presente mas que contribuem de forma orgânica ao entendimento da notícia.

Sodré e Ferrari (1986) identificam alguns tipos de textos que, apesar de apresentarem uma estrutura narrativa, possuem outras subcaracterísticas que as diferenciam dentro do campo da reportagem.

Por exemplo, as “notícias denúncia” são opinativas e em certo ponto irônicas quanto ao fato narrado; as reportagens de fatos utilizam a clássica estrutura de “pirâmide invertida”, na qual a informação principal (ou desfecho) é a manchete e depois os fatos são narrados na ordem de sucessão; a reportagem de ação diferencia-se da anterior principalmente por se aproximar do leitor, contar as cenas do acontecimento como em um filme, o texto ainda começa do ponto mais atraente do caso, mas não necessariamente seu desfecho; por fim, a reportagem

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documental, que comunica usualmente temas controversos, colocando tudo que se sabe sobre o assunto objetivamente, acompanhada de citações, se for o caso.

A discussão sobre como as reportagens utilizam as ferramentas narrativas para apresentar fatos e defender posicionamentos nos levam à discussão de interesse público e interesse do público. Para isso, recorremos a Chaparro:

O interesse do público pertence, pois, ao universo dos indivíduos, em configurações individuais ou coletivas. Está, portanto, relacionado às razões emocionais e/ou objetivas das pessoas. Razões que são a base construtora do sucesso interlocutório, sempre dependente do “outro”, e que tem de ser imediato. Já o interesse público, no entendimento que a ciência política lhe atribui, define bens imateriais indivisíveis, que pertencem a todos, ou seja, a uma totalidade dos unidos por valores-verdades em que acreditam. Valores concretos, como a Pátria, a Família, a Igreja, ou valores abstratos, com a Justiça, a Liberdade, a Igualdade, a Dignidade, a Honra, o direito à Vida e à Felicidade. Valores motivadores e justificadores das ações humanas, inclusive as ações de narrar e analisar as coisas da Atualidade, que pertencem ao jornalismo (CHAPARRO, 2008, p. 7-8).

A explicação de Chaparro à diferença de interesse do público e interesse público nos abre espaço para a discussão sobre que canais informativos, presentes hoje na internet, assumem a responsabilidade jornalística de levar informação de interesse público aos seus públicos.

A interação do leitor com tecnologias e telas sensíveis ao toque sugere que os jornalistas reorientem o processo de produção da informação jornalística em direção a uma pedagogia de movimentos para se comunicar com seu público, numa atmosfera que conduz à exacerbação das sensações e do infotenimento. Nossa hipótese é que, desse processo, emerge um jornalismo centrado na lógica das sensações, um jornalismo sensorial: não basta à notícia ser apenas lida, vista ou ouvida; ela é, sobretudo, sentida, experienciada pelas sensações, vivenciada ao máximo pelos sentidos (BARSOTTI, 2015, p.297).

Em uma discussão acerca das narrativas audiovisuais, Piccinin (2016) coloca que as mídias audiovisuais têm adotado formas e estruturas narrativas como validação de um discurso e, também, na intenção de seduzir a audiência. “Auxiliadas pelas possibilidades tecnológicas, as narrativas vão fazendo mesclar os papéis de quem narra e escuta, resultando no movimento que hoje se compreende como o de ‘redução da distância entre o palco e a plateia’” (PICCININ, 2016, p. 16).

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A evolução do jornalismo e da comunicação acompanha o desenvolvimento da tecnologia, assim como os hábitos de quem consome e produz notícias. A inovação na forma de narrar acompanha esse movimento.

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