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Uma técnica nova?

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CAPÍTULO I O JORNALISMO VISUAL NAS NARRATIVAS JORNALÍSTICAS E NO

CAPÍTULO 2 FACILITAÇÃO GRÁFICA COMUNICANDO COM IMAGENS E

2.1 Uma técnica nova?

A Facilitação Gráfica começou nos anos 1970 nos Estados Unidos. Primeiro, em reuniões de equipes de negócios, depois, em treinamento de lideranças em empresas inovadoras, até conquistar setores estratégicos, organizações não governamentais, grupos de discussão etc (SIBBET, 2013, p.14).

No Brasil, identificamos que grupos de educação popular faziam uso da Facilitação Gráfica em reuniões com lideranças populares nos anos 1980. Existe um relato no livro “Cadernos de Educação Popular 1”, escrito por Beatriz Costa e publicado pela editora Vozes, que confirma que um agente de educação popular ouviu uma demanda das lideranças da comunidade onde ele atuava, pensou sobre isso, esquematizou de forma que todos pudessem compreender e refletir juntos sobre ela:

Num bairro de periferia, um grupo de trabalhadores pediu que o agente os ajudasse numa discussão sobre a nova política salarial. No debate inicial, o grupo colocou o que já conhecia a respeito do assunto e também os questionamentos que cada um fazia a essa política. O agente ouviu um silêncio e, depois que todos falaram, organizou os depoimentos num esquema que permitisse mostrar a relação entre o que foi dito pelos trabalhadores e certas causas explicativas mais gerais. Feita a apresentação de tal esquema, o agente formulou algumas questões e sugeriu que o grupo discutisse. Mais tarde, comentando a reunião com um colega, este agente falou: ‘o que eu fiz foi recolher o pensamento do grupo, sistematizá-lo e devolvê-lo ao grupo para que a discussão pudesse progredir de um modo mais organizado’ (COSTA, 1987, p. 25).

Assim como a presença dos agentes da educação popular, o facilitador gráfico participa, como ouvinte, de um grupo que esteja construindo uma estratégia, ou debatendo um assunto (em reunião, discussão, encontro, treinamento, palestra). A função dessa pessoa é registrar, enquanto acontece, o que o grupo produz de conteúdo, ou a que conclusões chega, sempre focando no essencial do que foi dito. A ideia é que no fim do período se obtenha um resumo do que foi discutido, pois as deliberações são registradas em palavras, frases, expressões e, sempre que possível, em desenhos, ilustrações e metáforas visuais.

Ela baseia-se no trabalho de um profissional multitarefas, que ouve, entende e registra de forma escrita com palavras e imagens o que julga essencial em um evento, filme, reunião, debate, etc. Trata-se de uma técnica híbrida, que pode ser realizada ao vivo, enquanto uma reunião ou palestra acontece, ou posteriormente,

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enquanto assiste-se ou ouve-se a gravação daquilo que se deseja facilitar, resumir e registrar.

Facilitação Gráfica é servir a um grupo, escrevendo e desenhando sua conversa ao vivo e de forma grande para ajudá-los com seu trabalho. É uma poderosa ferramenta para ajudar as pessoas a se sentirem fortes, para desenvolver um conhecimento compartilhado enquanto grupo e disponíveis para sentir e tocar de uma forma que não poderiam antes (AGERBECK, 2012 - 4ª capa).

Existe entre os profissionais uma crença de que é sempre mais eficaz mostrar o que é uma Facilitação Gráfica do que descrevê-la. Um exemplo de Facilitação Gráfica, então, é o “resumo ilustrado” do discurso inaugural do presidente Barack Obama, em 2009, realizado por Brandy Agerbeck. Existe uma forma mais atrativa de apresentá-lo, isto é, os tópicos e os pontos altos da fala do presidente dos Estados Unidos escritos, juntos a ilustrações e muitas cores. Está resolvido o problema da complexidade e do tamanho do discurso:

Figura 1 - Facilitação Gráfica de Brandy Agerbeck para o discurso do presidente dos EUA, Barack Obama

Fonte: Graphic Facilitation2

2GRAPHIC FACILITATION (2009). Obama’s Inauguration Speech. Disponível em: <http://www.loosetooth.com/Viscom/gf/obama.htm>. Acesso em: 20 mar.2018.

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“Uma imagem forte não descreve simplesmente as emoções - ela as cria” (BERGSTRÖM, 2009, p.11). Esta citação de Bo Bergström está no livro “Fundamentos da Comunicação Visual”, já utilizada em outros momentos da pesquisa. Ela nos instiga à reflexão sobre o poder da imagem criada pelo homem em nossa comunicação.

Norval Baitello Jr, em “A Era da Iconografia” (2014), afirma que as imagens têm vontade própria, declararam independência do mundo “da vida e das coisas” e fundaram seu mundo próprio, o “Mundo das Imagens”:

E tentaram nos seduzir para lá. Sua sedução conta, além disso, com um poderoso aliado, a extenuação dos nossos olhos diante do insistente apelo. E o “padecimento dos olhos” (assim o formulou Dietmar Kamper, 1997a), em busca de camadas mais profundas, torna-se facilmente a primeira vitória das superfícies impenetráveis das imagens que sonegam as histórias, substituindo-as por mais imagens, mais superfícies, em vez de profundidades e desdobramentos (BAITELLO, 2014, p. 64).

Assim como Philip Meggs, Baitello concorda que as imagens na comunicação humana nasceram primeiro nas paredes das cavernas, só então as coisas receberam nomes (palavras) que as definiriam. Por nascerem no interior, nas sombras, imagens evocam recordações e interiorização, ao invés, do que se espera, exteriorização. Baitello recorre a uma classificação de Hans Belting (2001) para separar as imagens em endógenas e exógenas, pois “elas possibilitam a verificação do vetor de uma imagem e seu efeito sobre a comunicação social [...] um diagnóstico do potencial dialógico das imagens como força imaginativa” (BELTING, 2014, p. 65).

Assim em todas as mídias e superfícies, como denomina Flusser (2017), encontramos imagens produzidas pelo homem com potencial de interiorização, que significa “que abriram as portas para mundos perceptivos novos, criaram novos olhares e ampliaram horizontes da cultura humana” (BAITELLO, 2014, p. 65). Da mesma forma, existe o oposto, algo perigoso na visão do autor, pois a criação dessas outras imagens não carrega a interioridade da imaginação. Para nós, isso pode ser compreendido como a criação de imagens sem propósito, ou mesmo uma crítica à reprodutibilidade técnica que popularizou a arte, mas esvaziou seu sentido.

Relacionando com o ofício da Facilitação Gráfica, cada trabalho é único, como a tela de um pintor. Contudo, atualmente com o avanço das comunicações em rede, sua reprodutibilidade é ainda mais acelerada. Um painel, ou um vídeo, feito em

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forma de Facilitação Gráfica, pode ser copiado e repassado assim que está finalizado, garantindo que seu conteúdo de fato se espalhe. Como confirma Baitello, mais adiante no ensaio, “com a reprodutibilidade são as imagens que procuram nossos olhos”, não o contrário.

A produção massiva de imagens dirige-se aos nossos olhos que progressivamente se transformam em receptadores de superfícies planas. Uma vez que elas se dirigem aos nossos olhos e eles se tornam viciados em bidimensionalidade, desaparecem para eles as profundidades (BAITELLO JR, 2014, p. 66).

Existem marcos na linha do tempo da comunicação visual que nos direcionam para o estudo da prática da Facilitação Gráfica. Partindo do princípio de que a comunicação humana é artificial, por precisar de artifícios para existir (FLUSSER, 2017, p. 85), deixamos nossos olhos mais atentos ao que a história do mundo nos mostra, as pinturas nas cavernas, como forma de representar conhecimentos e acontecimentos, traduzem-se num medo da morte (FLUSSER, 2017; BAITELLO 2014), um medo de levar o conhecimento para sempre daquela sociedade incipiente. No Egito Antigo, a construção das pirâmides contemplava a contação da história do morto a ser sepultado ali, naquela época a história já era contada pelos poderosos. Além da mistura dos hieróglifos (pictogramas que representavam objetos ou seres e então construíram uma narrativa) com as grandes pinturas que mostravam cenas, havia o Livro dos Mortos, com a mesma estrutura, porém não feito na parede, um objeto a ser carregado e utilizado, composto por imagens e “texto” com feitiços e orações para que a alma daquele morto completasse o percurso esperado (MEGGS, 2009).

Saltamos para a Idade Média, na já clássica explicação que as letras (o alfabeto, a escrita) não eram dominadas por todos, então, a Igreja, normalmente, possuía o controle do saber. Esse saber era registrado por monges. Os monges copistas faziam cópias dos livros que eram transportados de reino a reino. Com o passar do tempo, as margens desses livros copiados passaram a ser adornadas com ilustrações que representavam as cenas que eram escritas, as Iluminuras da Arte Gótica (PROENÇA, 2002, p. 73).

Meggs, como falamos, voltou muitos séculos na história para construir a sua obra “História do Design Gráfico” (2009). No capítulo dedicado aos manuscritos iluminados, ele coloca que “a ilustração e a ornamentação não eram mera

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decoração. Os líderes monásticos tinham consciência do valor educacional das figuras e da capacidade do ornamento de criar nuances místicas e espirituais” (MEGGS, 2009, p. 64). Portáteis, estes manuscritos permitiram que o conhecimento fosse passado de região a região ao longo do tempo. Ao longo da Era Medieval, a produção e reprodução dos manuscritos constituiu um repertório grande de formas gráficas, leiautes de página, estilos de ilustração, letras e técnicas. Contudo, este ofício milenar estava com os anos contados: sua extinção se deu nas primeiras décadas do século XVI com o advento do Livro Tipográfico. Ainda assim, deixou seu legado:

Da observação dos manuscritos ilustrados podemos tirar duas conclusões: a primeira é a compreensão do caráter individualista que a arte da ilustração ganhava, pois destinava-se aos poucos possuidores das obras copiadas; a segunda é que os artistas ilustradores do período gótico tornaram-se tão habilidosos na representação do espaço tridimensional e na composição analítica de uma cena, que seus trabalhos acabaram influenciando as criações de alguns pintores (PROENÇA, 2002, p. 74). Apesar de a prensa mecânica estar a todo vapor (literalmente), a arte de usar traços essencialmente humanos sobreviveu à Revolução Industrial por meio do movimento Arts and Crafts (Artes e Ofícios) na Europa:

Apesar dos esforços de Pickering [um aprendiz de livreiro do século 19] e outros, o design de livros continuou a decair até o final do século, quando começou a experimentar um renascimento. Essa revitalização - que primeiro tratou o livro como objeto de arte com edição limitada, depois influenciou a produção comercial - foi resultado, em grande parte do movimento arts and crafts (artes e ofícios), que floresceu na Inglaterra durante as últimas décadas do século 19 como reação à confusão social, moral e artística da Revolução Industrial. Advogam-se o design e um retorno aos ofícios manuais e abominavam-se os bens “baratos e vis” da produção em massa da era vitoriana. O líder do movimento, William Moris (1834- 1896), clamava por clareza de propósito, fidelidade à natureza dos materiais e métodos de produção e expressão pessoal tanto por parte do designer como do trabalhador (MEGGS, 2009, p.217).

No espírito do movimento Arts and Crafts, mas sem citá-lo necessariamente, a Facilitação Gráfica nasce como uma resposta à correria e à automação da comunicação. Quando David Sibbet pensou que ferramentas e estratégias do design para solução dos problemas poderiam ser aplicadas em outras áreas por meio de uma mediação, ele resgatou essa essência de aproximar a arte e a sociedade.

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