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NA LÓGICA DA CIDADE SAUDÁVEL

A organização da sociedade sobre seus gestores públicos são expressões da relação política que se realiza, de maneira mais aguda, em determinadas sociedades. Assim, percebe-se que mais que financeira ou econômica, a construção de cidades e ambientes saudáveis é perpassada pelas tensões que se estabelecem no seio das sociedades organizadas, nas quais o aspecto político se sobressai. As políticas públicas mais eficientes e saudáveis são as expressões concretas e visíveis das pressões políticas da comunidade sobre seus líderes políticos e gestores públicos e estas, quando eficientes, mostram as necessidades e anseios de grupos organizados que conseguiram impor a vontade de uma maioria sobre seus administradores públicos. Desse modo, podemos afirmar que as negociações políticas se fazem no tempo e se reproduzem no espaço. A complexificação das relações entre gestores públicos e suas respectivas comunidades; das necessidades da comunidade e de seu espaço geográfico são mediadas e resolvidas no campo político.

O aspecto político, não apenas no sentido ideológico, porém no sentido amplo das negociações entre a comunidade e seus gestores públicos, se realiza intermediado por organizações sociais de uma sociedade complexa e consciente de seu papel. A modernidade-mundo faz dessas organizações sociais pilares de sustentação, para vidas humanas intensas, rápidas e fluidas que têm nas Tecnologias de Informação e Comunicação uma ferramenta eficiente na negociação entre a comunidade e os gestores públicos.

195 As TIC’s podem ser consideradas como inovação nestes últimos decênios na intermediação entre as comunidades e suas necessidades de ordenamento do território, do acompanhamento dos gastos públicos, da eficiência administrativa, enfim, da governança da cidade, em que a sua utilização pode ser uma interlocutora de valores da cidadania. Segundo Neves (2007):

As novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) apresentam-se como emergentes ferramentas de modernização, inovação, transparência, eficiência, eficácia, qualidade e participação. Com efeito, perante o desenvolvimento exponencial da Internet e das TIC, a Administração Pública começou a reconhecer as suas potencialidades como instrumentos para melhorar, coordenar e simplificar os seus procedimentos e o seu funcionamento. Do mesmo modo, observou-se progressivamente o impacto do uso correcto das TIC na eficácia e eficiência do serviço público e até na aproximação e participação dos cidadãos. (NEVES, 2007, p. 1).

A Cidade Saudável pensada pelos especialistas e cientistas é “executada” pela política, ou melhor, pelos agentes e gestores públicos, pelo legislativo, como indicação e projeto, “construída” e produzida pelo poder executivo local, que constrói, desde a simples ciclovia, parques e praças à infovia. Sob o asfalto e os edifícios, o que se tem nos subterrâneos da cidade moderna, além dos túmulos, do esgoto e da água, das vias de condução de gás e de energia elétrica e dos trens metropolitanos são as redes de cabos de fibra ótica. A infovia material se alia à imaterial, aquela que circula pelas ondas eletromagnéticas no ar e circunda, circula e inunda a cidade moderna. Mesmo que espaços públicos possam ser realizados

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também pelos agentes privados, como shoppings, parques temáticos, ginásios, academias e outros equipamentos públicos, as obras da infraestrutura básica são produto da gestão/administração pública, notadamente daqueles da administração municipal (local), estadual (distrital/provincial) ou federal (central).

Entre o teórico e a prática, entre o pensamento e o ato, a práxis é o produto e a ordem de um substrato concreto: o fazer. A concretude reside no existir e, é uma faceta da existência, pois é física/ material e sendo assim, alguém tem que realizar as obras, que podem ser também imateriais, como, por exemplo, uma competição esportiva, um domingo no parque, programas de saúde ao ar livre, eventos de bem-estar físico de grande e pequena monta, em fins de semana, shows e mostras culturais etc. Ao mesmo tempo, a práxis da Cidade Saudável exige formas concretas e estas são produção material, executada por gestores públicos, e o seu alcance será maior, quanto mais organizada for a sociedade civil e eficiente, a governança.

Com esse raciocínio, pode-se compreender melhor as singularidades do caso brasileiro, em relação à administração pública de pequenas cidades, ou seja, aquelas com menos de 20 mil habitantes, em 2010. Nelas, mais que o fator econômico, ou financeiro, o grande entrave reside no aspecto político e administrativo, que, muitas vezes, impede o avanço do fazer sério e comprometido com as causas da sociedade de grande parte das pequenas cidades do interior do Brasil. Entrave no sentido de paralisação, de uma força contrária ao caminhar rumo à modernidade administrativa e à governança. A política partidária que impera nessas localidades

197 impede, muitas vezes, o caminhar no mesmo ritmo de seus pares democráticos do mundo contemporâneo, que, há muito, se preocupam com a transparência e a seriedade no trato do bem público e na construção de cidades plurais.

No Brasil, muitas vezes, retirar verbas públicas dos municípios, ou desviá-las, passa a ser considerado como um fato “normal e natural”, como se fosse desobrigado a prestar contas à comunidade. O fato de a pequena corrupção ser vista como normal e cotidiana, na administração pública da pequena cidade, demonstra que a corrupção está presente. Do combustível distribuído aos aliados políticos, do aviamento de receitas farmacêuticas aos amigos e compadres, das ambulâncias, como táxi, para famílias aliadas, até o simples fato dos desvios de verbas, pelo superfaturamento de obras, tudo é entendido como “normal” e realizado por quem tem o “direito”. A administração pública da pequena cidade brasileira ainda é o reflexo de uma sociedade calcada em bases familiares, de compadrio e de benesses assistencialistas. É a lógica de um Estado municipal, em que, cooptado por determinados grupos ou famílias, realizam, no território municipal, aquilo que lhes convêm e a seus aliados da hora.

Mesmo com o aumento de normas e regulamentos de controle do gasto público, nas pequenas cidades, estes são muitas vezes, burlados e corrompidos. Leis mais severas sobre a gestão dos recursos financeiros caminham junto com a movimentação de verbas federais e estaduais, transferidas aos municípios e geridas/movimentadas pelo executivo municipal. A municipalização preconizada na Constituição Federal de 1988 disponibiliza mais verbas ao município, o que torna

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a equação um potente combustível para desvios e desmandos. A figura do executivo é, nos pequenos municípios brasileiros, muito forte e emana autoridade, pois o mesmo atua de maneira direta nos processos decisórios e de atuação como gestor. O prefeito opera diretamente no fomento das políticas públicas, pois é a figura centralizadora do Estado- município e atua no processo produtivo, na função de articulador maior de atração de empresas, coordena e negocia as possíveis isenções fiscais e as bases estruturais do processo produtivo e empregatício, agindo na manutenção das políticas sociais de baixo impacto. Os agentes políticos “navegam” na lógica “moderna” da cidade econômica/gerencial ditada por leis inovadoras e restritivas, e a prática política administrativa, construída no seio do Estado- município, fruto do caldo cultural de práticas políticas e administrativas herdadas de um patrimonialismo histórico com políticas assistencialistas.

A modernização administrativa apresenta- se como sinônimo de avanço nas relações sociais e democráticas entre os gestores públicos e a comunidade, entre a população e as instituições geridas por ela, mas não se faz democrática, na maioria das pequenas cidades do Brasil, pois deixa de fora do jogo político/administrativo toda uma gama de complexidades políticas, quando se observa a participação da população neste processo.

No Brasil é necessária uma mudança de estilo de vida e de visão de mundo por parte da população, que deve refletir de maneira proativa sobre a administração pública, para não mais considerar o bem público e a máquina do Estado-município como pertencente a alguns eleitos, mas, sim, ao todo populacional, que vive e reside no município, com

199 seus problemas e também com as possíveis soluções. Nesse sentido, a governança do município passa a ser entendida como ferramenta na sua organização espacial, a partir da efetiva interação dos três setores da sociedade: o Estado, as empresas públicas e privadas e a sociedade civil organizada.

A IMPORTÂNCIA DAS TIC’s NA GOVERNANÇA