• Nenhum resultado encontrado

O USO DAS TIC’S NA GOVERNANÇA DAS PEQUENAS CIDADES DO BRASIL

Winston Kleiber de Almeida Bacelar Este texto analisa a importância das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s) na sociedade em rede contemporânea e pode ser uma ferramenta essencial da Administração Pública para as pequenas cidades na construção da Cidade Saudável. Analisa também o aspecto macro das relações de Estado, ao se propor discutir suas políticas, não deixando de identificar as particularidades das relações entre as políticas de Estado e as de governo, quando essas se materializam no local e, para tal, dependem das opções partidárias e da ideologia dos gestores públicos. É um texto propositivo para aprofundar essa questão e apresentar possibilidades de esclarecer situações anacrônicas na pequena cidade e contribuir para o debate do estado de coisas da Administração Pública local.

188

Análises sobre a cidade sempre suscitam mais indagações que respostas. A cidade, na condição de lócus e residência da maioria da população mundial, nem sempre foi o sítio “preferido” do homem. Ao construir o próprio local de habitação e ampliar a rede de relações sociais criamos um novo modo de vida. A cidade (a urbe, a polis ou cité) passa a ser a realização ou constructo coletivo da incipiente sociedade humana. A produção de uma sociedade humana e sua progressiva organização, hierarquização e divisão social fazem da cidade um ambiente de escolhas. Nestes últimos milênios, passa de ambiente de agrupamento de serviços e comércio para centro da dinâmica produtiva e administrativa dos territórios e das nações. Pode-se afirmar que tal “reviravolta” no status da cidade ocorreu há pouco tempo, acompanhando a expansão do capitalismo, sendo produto da afirmação e lócus desse modo de produção.

Para além da coisificação da cidade, os grupos sociais, produzem o urbano. Este tem, nas ciências sociais, uma lenta e progressiva evolução de análise, pois para elas o urbano – no ideário da sociedade humana – se afirma como modo de vida a partir do século XIX e se expande, já no século XX, como a mais relevante maneira de existir e de se realizar no espaço, mais que a própria cidade, passa a ser encarado por muitos como a forma de existência do homem contemporâneo. Não basta somente a cidade. A forma de agir, produzir e pensar do homem no século XXI é ditado pela urbanidade, não importando mais o local da residência, pois que a maioria dos humanos reside nas cidades e os que não, também consomem o urbano.

Nesse contexto, surge o movimento pela Cidade Saudável. Para que a cidade seja saudável e exista

189 como tal, depende dos equipamentos urbanos bem construídos e distribuídos pelo território, também dos “equipamentos imateriais”, que derivam e acontecem, a partir do antes produzido materialmente. As produções do homem urbano, que dependem da técnica possibilitam o aparecimento no seio da sociedade do sentimento coletivo de que a cidade é saudável. A sensação coletiva de que, na cidade em que se vive, as coisas estão e existem para o homem é o que explica a sensação do conforto ambiental e sanitário de um lugar. Parte-se, portanto, do pensamento que coaduna com o raciocínio, de que a cidade é saudável, para além do seu aparato ou equipamentos da área de saúde. Ela também depende dos bens materiais, ou seja, dos equipamentos urbanos nela produzidos para funcionar como espaço social de moradia e viver da população.

Do mesmo modo, depende do “equipamento” imaterial que pertence ao campo da sensação, a rapidez no cotidiano legal e jurídico e nos processos sociais, a fluidez do espaço, a acessibilidade do cidadão, a segurança, o ambiental discutido e realizado. Enfim, as várias sensações, que permeiam uma cidade na produção real do espaço saudável, dão confiança e produzem um sentimento de pertencimento, na comunidade, que consome. Desse modo, o imaterial torna-se mais necessário na percepção da Cidade Saudável, pois as sensações produzidas não podem ser falseadas, elas passam ao todo populacional como realização coletiva, ou seja, como seu humor definido como sentimento inerente e abstrato de um povo, de uma coletividade, de uma comunidade, construído pela sociedade ao longo do tempo e se imiscui, de forma lenta, no tecido social e nas expressões coletivas, que definem os sujeitos como pertencentes àquele lugar. Este sentimento

190

coletivo é o que conta, pois deriva do absoluto e do concreto que se produziu na cidade, para torná-la de fato saudável. Com isso, não é apenas a quantidade de equipamentos que faz a diferença. O uso dos equipamentos materiais de um ambiente saudável, a constância do uso e o sentimento de pertencimento que se tem sobre ele é que se fazem normal/constante a ponto de se tornarem seguros e confiáveis na governança do lugar.

As sensações de uma Cidade Saudável são o produto de um ambiente saudável em que é absorvido fato e no dia a dia, até que se torna uma sensação de bem-estar. Com isso, quer se afirmar que não basta a ciclovia, o importante é seu uso cotidiano. E a certeza de que existe e é operacional. A construção de ferro e cimento das vias, a fluidez do transporte e sua rapidez são necessárias, não obstante a sensação de eficiência é mais essencial. Não basta ter a infraestrutura da saúde, o que é imprescindível, mas saber que existe quando se necessita dela. É o saber quase inconsciente! Pode-se aqui elencar vários exemplos em que as sensações que apontam se a cidade é saudável, mas o fator mais interessante da análise é o de que o humor de modo inconsciente possui o saber (a sensação) de que ela é saudável.

Alcançar o “Nirvana” da salubridade é a nova utopia do urbano contemporâneo. O ambiente ideal e saudável nunca chegará, pois o interessante é o buscar e o construir constantes. A existência de cidades do bem-estar e do ambiente saudável, localizadas em países da OCDE, não significa, pois, alcançar o estágio último da Cidade Saudável, mas um eterno construir, realizado por comunidades que possuem sensações que partem de um ambiente historicamente produzido.

191 Portanto, a Cidade Saudável é mais que o aparato da saúde do homem, construído e ofertado à população. O que a faz saudável está mais e além da oferta de infraestrutura de saúde ou de um ambiente sustentável, ela é a expressão do ecológico saudável, que não se prende apenas a sua expressão biológica, está mais para uma totalidade urbana, para o seu território em seu todo. Ecológico, como uma totalidade em que os processos sociais, culturais, econômicos e sanitários possam se integrar e interagir, é a expressão contemporânea da realidade urbana saudável.

Partindo dessa nova definição, podemos afirmar que o século XX foi o tempo das lutas e garantias sociais e para o século XXI vislumbram-se as garantias de viver bem, denominada, por Inglehart, de valores pós-materialistas, ou seja, se o lugar de residência da maioria das pessoas do mundo é a cidade, e seu modo de existir e de vida, a construção das Cidades Saudáveis passa a ser uma lógica, e, até mesmo, para a maioria dos povos e nações, uma necessidade. Se morar na cidade e “ser” urbano é a condição possível no mundo atual, a localidade deve possuir e contar com aquilo que faz de sua absorção a mais facilitada possível. A construção da Cidade Saudável é um passo seguinte na história da cidade, como local de morada e de viver. Nesse contexto, a sua construção toma novos contornos. De uma bandeira de luta política e social construída pela história, ao longo do último século passa a ser encarada como uma “nova” forma de pensar a cidade, um passo a mais no degrau do fazer cidade e do realizar o urbano.

O entendimento de que grande parte da humanidade vai viver na cidade, que esta seja a mais agradável possível, passa a ser uma ideia

192

compartilhada, mesmo que de forma diferente na sociedade humana. Nos países da OCDE o discurso político do pós-guerra foi o de reconstruir o espaço físico e o de fazer cidades como ambientes sociais, e não apenas construções e formas físicas no espaço. Funcionalidade, sociabilidade, fluidez, mobilidade, acessibilidade, rapidez do espaço da cidade são expressões que passam a existir entre os líderes políticos e administrativos e de cientistas, junto a assuntos relacionados à saúde do território, lazer, ócio, equipamentos urbanos e de infraestrutura paisagística. Estas conquistas sociais são também frutos de lutas e pressões sociais da sociedade civil organizada, que se prontificaram ao debate sobre o “fazer da cidade um espaço saudável”. Ideias e ideais nem sempre disseminados no restante do mundo.

As conquistas sociais e ambientais das cidades da maioria dos países da OCDE não foram apenas frutos de uma inteligência coletiva e benévola dos seus gestores públicos e líderes políticos. Tais realizações nessas cidades e, absorvidas, geração após geração, no imaginário coletivo dessas sociedades, como sendo o “correto” modo de viver em cidade, e vem se realizando e se aprofundando nas últimas décadas, é resultado de uma dualidade: o crescimento econômico e o papel do Estado e, em especial, expressões das lutas sociais. Por isso, alguns países e povos possuem e construíram cidades mais saudáveis que outros.

Os níveis de organização da sociedade produzem ambientes saudáveis, que diferem entre si e entre os países. São ainda a expressão da salubridade política que alcançaram determinados povos e nações no último século, a partir de lutas e de pressões sociais em relação aos seus gestores públicos e líderes nacionais, regionais e locais. A organização do

193 território, bem como o espaço construído, é o reflexo dessas sociedades e para tal, a cidade é saudável quanto maior for a relação entre a comunidade/ sociedade e seus gestores públicos e administradores.

Portanto, a construção da Cidade Saudável passa essencialmente pelo plano político, pela gestão pública, pela governança do território. Nesse contexto, são estabelecidos os fundamentos prioritários daquilo que se convenciona denominar de Promoção da Saúde. Esta, como aspecto central da vida urbana, carece do instrumental técnico e dos equipamentos urbanos de infraestrutura para a prestação de serviços de maneira eficiente e cotidiana, e a Cidade Saudável passa pela Promoção da Saúde, e para se chegar a ela, juntam-se os aspectos do imediato, os equipamentos da área de saúde e das práticas e ações cotidianas de acesso mais amplo da comunidade, aos bens que derivam da Promoção Saúde na sociedade contemporânea. Desse modo, mais que os produtos técnicos da saúde tradicional, ampliam-se as formas, a consciência e as coisas relativas à Promoção da Saúde. Essa nova forma de se fazer a cidade é um dos pré-requisitos para a construção da Cidade Saudável. Esta permanente busca da Promoção à Saúde para os cidadãos impulsiona o material e o imaterial na gestão urbana contemporânea, que pede regulamentações e acordos legais e sociais entre os indivíduos coletivos, ou seja, um pacto ou contrato social. Estes acordos coletivos são, em maioria, mediados pela política, pelas normas legais e pelos acordos sociais/históricos, isto é, pela governança.

194