• Nenhum resultado encontrado

O PROJETO CIDADE SAUDÁVEL

Uma Cidade Saudável é definida pelo processo (de compromisso com a saúde) e não pelo resultado (ou por atingir um determinado nível de saúde) (WHO Europe, 2015).

Uma primeira questão pode ser colocada: Como pode o Projeto Cidade Saudável (PCS) ter um papel

39 relevante na atuação e no desenvolvimento de Políticas Públicas Locais? A resposta a esta questão obriga a considerar vários fatores (Figura 1). As Políticas Públicas Locais estão profundamente relacionadas com as Políticas Públicas Nacionais e Regionais, de cariz setorial e territorial, quer de forma complementar (quando as competências e as áreas de trabalho não se sobrepõem), quer de forma reforçada (quando as competências e áreas de trabalho se sobrepõem). Também a estrutura orgânica e competências das autarquias estão associadas à Legislação e Directivas Nacionais, em frequente adaptação (nomeadamente com as mudanças dos ciclos políticos ou com novas orientações europeias).

Figura 1 – Fatores de influência na atuação do Projeto Cidade Saudável.

Fonte: LOURO, 2015.

Desta forma, as Políticas Públicas Locais dependem da Estrutura Orgânica e Competências

40

inerentes às autarquias, sendo que fatores como os recursos humanos e técnicos e o orçamento disponível, exercem uma influência considerável na operacionalização das políticas à escala local. Espera-se assim uma maior adequação das Políticas Públicas Locais aos desafios de um determinado território e população, consoante um maior poder de atuação local (caso se verifiquem simultaneamente competências e recursos).

Considerando o PCS, este cita como objetivo primordial a promoção dos fundamentos do movimento Cidades Saudáveis apresentados pela OMS, pela Rede Europeia de Cidades Saudáveis e pela Rede Portuguesa de Municípios Saudáveis; e numa segunda fase procura transpôr esses mesmos fundamentos para a atuação autárquica, nomeadamente nas Políticas Públicas Locais.

Concluindo, o PCS e os seus campos de atuação estão enquadrados por orientações superiores do movimento Cidades Saudáveis e, simultaneamente, enquadrados na orgânica das autarquias e suportados pelas competências deste órgão. Destaca-se ainda que a integração do PCS na estrutura autárquica é flexível, como se observará posteriormente, sendo esta uma opção política com impacte nas diferentes áreas de atuação.

Importa também compreender a proposta de formação e atuação do PCS por parte da OMS. Neste sentido, destacam-se vários guias orientadores de todo o processo, com especial destaque para a publicação “Twenty steps for implementing a healthy cities project” (WHO-EUROPE, 1997). Nesta é sublinhado o papel único que o PCS pode desempenhar nos governos das cidades pelo seu cariz inovador na Política Local de Saúde através de novas perspetivas de Saúde Pública

41 (WHO-EUROPE, 1997, p. 13-14). Como sugestão da OMS, o processo de construção de um PCS organiza- se em vinte passos distribuídos por três fases (Quadro 1) (WHO-EUROPE, 1997, p. 16).

Quadro 1 – As três fases e 20 passos de implementação do PCS.

Fonte: WHO-Europe (1997, p. 16).

Não pretendendo ser exaustivos, destacam- se aqui três passos na construção de um PCS. Na primeira fase, o passo 5, a decisão da organização, na segunda fase, o passo 11, montagem do gabinete, e, por fim, na terceira fase, o passo 17, a mobilização e as ações intersetoriais.

Relativamente à decisão organizativa, “decidir a localização do projeto dentro da hierarquia organizativa da cidade é uma escolha importante” essencialmente devido a três fatores: influencia a estrutura organizativa do projeto e os mecanismos administrativos associados, determina a relação entre os políticos, os parceiros e os grupos comunitários, e por fim, é indicativo da “apropriação do projeto” (WHO-EUROPE, 1997, p. 24). A OMS destaca quatro possíveis modelos organizacionais do PCS, sendo que existe liberdade para que cada cidade ou município adapte o seu Projeto às circunstâncias locais e nacionais. Proposto pela OMS quanto aos quatro modelos organizacionais (WHO-EUROPE, 1997, p. 24- 25) destaca-se:

42

1) Modelo organizacional centralizado na liderança do Governo Local, onde o PCS pode estar inserido no Gabinete da Presidência ou na administração central do Governo Local. Neste caso, a promoção da ação intersetorial é potencialmente mais efetiva com a adesão dos vários departamentos por orientação da presidência, bem como é reforçada a afirmação do Projeto como prioridade política e a dotação dos recursos necessários;

2) Modelo organizacional centralizado no Departamento de Saúde do Governo Local, onde o PCS está bem posicionado para promover a reforma dos Serviços de Saúde à escala local, embora haja maior probabilidade de se confundir o papel holístico do PCS com os interesses do Sistema de Cuidados de Saúde. Esta posição tende a dificultar a negociação e difusão dos pressupostos do movimento Cidades Saudáveis a todas as outras Políticas Públicas Locais, bem como com entidades externas ao setor da Saúde;

3) Modelo organizacional multi-escalar partilhado, considerando que a responsabilidade de atuação do PCS numa cidade/município possa ser partilhada entre dois ou mais níveis de Governo (por exemplo, governo local e regional), quando a jurisdição e competências sobre questões com impacte na Saúde é repartida entre diferentes entidades e/ou para compatibilizar esforços de atuação em diferentes áreas (ex.: saúde e ambiente). Neste caso, a exigência ao nível da organização e atuação do PCS é muito elevada, sendo muito importante a clara definição do processo de coordenação e execução das atividades;

4) Modelo organizacional politicamente neutro, quando o PCS é desenvolvido de forma autónoma, por entidades não governamentais (ex.: organizações sem fins lucrativos). Embora possam ter uma componente

43 política mais enfraquecida e possíveis limitações de recursos, é o modelo que mais potencia a participação dos cidadãos e de organizações locais.

Para a montagem do gabinete, a OMS refere que os principais exemplos de sucesso apresentam um gabinete individual, com pessoal e orçamento afeto em exclusividade, gabinete esse que suporta o trabalho da Direção do PCS e operacionaliza todo o projeto “traduzindo as decisões em ações práticas” (WHO- EUROPE, 1997, p. 34). Sugerem-se como funções do gabinete para as Cidades Saudáveis: desenvolver as fontes de informação sobre questões de saúde e novas abordagens à Saúde Pública; Suporte administrativo e profissional (…); publicitar os princípios, estratégias e trabalho do projeto (…); negociar com potenciais parceiros orientados para a ação intersetorial; Facilitar o processo de participação de grupos comunitários; promover a inovação da Saúde Pública Local; pressionar para melhorar o planeamento estratégico de Saúde e avaliar os impactes na Saúde no contexto das Políticas e Programas; providenciar informação à OMS e à Rede Nacional.

Percorrendo os vários passos de implementação de um PCS, é notória a importância de envolver a participação de várias outras entidades com um papel ativo na saúde, acrescendo-se a importância da participação da comunidade. Assim, independentemente da organização do PCS (quer do modelo organizacional quer das características e competências do gabinete), a ação intersetorial é fundamental, para uma nova perspetiva de Saúde Pública e para a mudança de políticas e programas fora da área da Saúde mas com impacte nesta área (WHO-EUROPE, 1997, p. 47-48). Green (2012) sublinha mesmo que a OMS identificou os Governos

44

Municipais como parceiros-líderes da Rede Europeia de Cidades Saudáveis e que, em simultâneo, a parceria intersetorial seria um dos requisitos para que os municípios integrassem a Rede.

Neste sentido, para uma ação intersetorial, é de grande importância a identificação e inclusão de todos os participantes afetados pelos processos de planeamento e execução das Políticas Locais (MARQUES DA COSTA, E., 2015), sendo que cada país ou município terá a sua própria rede de parceiros, considerando as suas várias categorias (WHO-EUROPE, 1996, p. 17), tais como: políticos e planeadores de alto nível de forma a assegurar a aceitação política e uma eficaz implementação; representantes de vários setores públicos, em particular nos setores do ambiente, educação, habitação, transporte e estado social; profissionais de saúde (cuidados primários e hospital); grupos comunitários; grupos especiais que possam participar em estratégias e políticas específicas.

Esta perspetiva é sintetizada no triângulo de “leitura” das políticas públicas e do seu campo de atuação no contexto da Cidade Saudável, de Marques da Costa (2016, p. 72), triângulo esse que relaciona: 1) os conceitos e o quadro teórico da Cidade Saudável associado à realidade dos territórios, considerando neste trabalho principalmente os determinantes de saúde; 2) os modelos de governação municipal, abordando-se aqui questões como a estrutura orgânica e competências das autarquias e o enquadramento dos PCS nessa mesma estrutura; e 3) os princípios de multisetorialidade e multiescalaridade, neste caso através das redes de parcerias desenvolvidas.

Posto isto, no próximo ponto apresentar-se- ão alguns exemplos da operacionalização de Projetos

45 Cidade Saudável em Portugal, no contexto da Área Metropolitana de Lisboa.

ESTRATÉGIAS DE INTEGRAÇÃO E ATUAÇÃO