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Lacan: cadeia significante, gozo e holófrase

No documento A PSICOSSOMÁTICA NOS CONFINS DO SENTIDO (páginas 89-107)

CAPÍTULO II – A NEUROSE ATUAL: UMA RELEITURA

3.2 Lacan: cadeia significante, gozo e holófrase

Seguiremos, então, na apresentação da teoria de Lacan para o fenômeno psicossomático. À guisa de definirmos o campo sobre o qual iremos abordar, procuraremos tecer um recorte e uma circunscrição do pensamento de Lacan, para possibilitarmos a localização de nossas questões referentes à idéia de uma teorização “psicossomática”. Dessa maneira, poderemos então enfocar indagações que se remetem diretamente com o percurso teórico que seguimos até este momento.

Lacan propõe a tese de que o inconsciente é formado de uma estrutura de

linguagem que tem como efeito primeiro o sujeito. O sujeito na teoria lacaniana toma

um lugar peculiar, já que, segundo Lacan (1964/1985), o sujeito se constitui a partir da operação da linguagem.

A tese de Lacan traz à psicanálise uma leitura da teoria freudiana centrada na idéia de que o inconsciente funciona segundo as leis da linguagem, mas não uma linguagem qualquer – uma linguagem estrutural, que tem na lógica do significante sua principal referência. O estruturalismo lingüistico serviu para Lacan como referência para que este apontasse a importância de se centrar na linguagem a idéia do inconsciente, sob o fato de que a dinâmica psíquica não estaria condicionada por algo da ordem do “instinto”, ou das determinações biológicas, mas a uma lógica que pode apenas ser concebida na medida em que se entende que o ser humano é um ser habitado pela linguagem (LACAN, 1964/1985).

Na sua leitura da obra de Freud, Lacan enfatizou a idéia do autor de que a constituição psíquica está subjugada à categoria da pulsão. No texto sobre “As pulsões e suas vicissitudes” (1915a/1996), Freud deixa claro que o registro da pulsão não poderia ser abordado como uma ontologia isolada, mas apreendido por meio dos seus representantes psíquicos. Sob o prisma da inscrição da energia corporal no universo da representação, Freud constituiu seu campo de estudos, centrado na idéia de que o universo psíquico é um universo inserido no campo da Vorstellung (idéia, representação). Segundo Birman (1993a), o aparelho psíquico de Freud funciona como incessante interpretação do movimento pulsional, sendo que o representante- representação (Vorstellungsrepräsentanz) é o que fixa a energia pulsional no campo da representação (ibid.).

Segundo Lacan, tal inscrição pode apenas ser condicionada a partir da relação com o Outro primordial, o grande Outro, situado na figura materna, já que a energia pulsional não se inscreve de maneira espontânea, mas quando do encontro da criança com esse Outro. O Outro para Lacan é caracterizado com lugar a partir do qual o sujeito pode se constituir; não significa uma pessoa, um semelhante, mas um lugar, que promove a inserção do infante no universo da linguagem. O “grande Outro”, diferenciado do “pequeno outro” segue, nessa direção, a distinção realizada por Lacan acerca dos três registros que concernem a experiência subjetiva – o registro do simbólico, do imaginário e do real (LACAN, 1955/1985).

Lacan toma o sujeito como “barrado” na medida em que não pode ser total, mas apenas concebido na sua abertura, que convoca o Outro à organização. O sujeito lacaniano é alguém que não sabe o que diz, que não tem domínio sobre sua fala, um sujeito descentrado, determinado pela linguagem, e não “possuidor” desta. Do ponto de vista do sujeito, o Outro é quem detém o código da linguagem, é quem a possui. Da mesma forma, o sujeito não pode se identificar ou se ver no Outro, mas na relação especular com o pequeno outro (semelhante). Com este, o sujeito se comunica, e pode imprimir, a partir de sua imagem, uma integralidade, uma unidade “imaginária” através da qual o sujeito, descentrado por princípio, pode se ver a si mesmo e consigo se relacionar (LACAN, 1955/1985). O registro do imaginário se distingue do simbólico no ponto mesmo em que se constata a constituição do eu como uma integração a partir da imagem do outro (LACAN, 1936/1990).

O simbólico, por sua vez, é o registro que tem por função primeira delimitar o lugar no qual o sujeito se localizará nessa relação imaginária com o outro. É a partir do simbólico que o sujeito passa a tomar seu lugar como separado do pequeno outro e como capturado pelas determinações da linguagem. Na fala, o sujeito está sempre se remetendo ao grande Outro, ainda que se dirija imaginariamente ao um outro semelhante qualquer (op. cit.). Assim, para além da comunicação entre dois, o Outro se instauraria como alteridade radical, como um terceiro, cuja função principal da operação simbólica é o significante do nome-do-pai, aquele que instaura no campo do sujeito as condições de possibilidade para que se efetivem as operações da linguagem. O nome- do-pai incide como operação de substituição, condição de metáfora em que, a partir do recalque, possibilita a constituição fantasmática como uma resposta ao enigma do

desejo – desejo materno como “Outro primordial”, aquele que introduz o circuito

pulsional pela erogeneização do corpo do infante (LACAN, 1958/1999). Segundo Lacan (ibid.), o pai é uma metáfora, que inscreve no campo do Outro a Lei, no sentido da impossibilidade de incesto. Isso, através da linguagem, possibilita a inserção do sujeito na ordem da cultura e o introduz no campo da simbolização, caracterizada pela articulação e pela amarração entre os elementos significantes.

Essa apresentação da teoria lacaniana nos possibilita algumas primeiras articulações com as idéias de Freud, a partir do qual se pôde pensar um sujeito marcado pelas determinações do inconsciente e das relações de alteridade. O recalque, como podemos ver, é o balizador de toda uma constituição psíquica que encontra nas operações de deslocamento e condensação a possibilidade de satisfação, ainda que dolorosa para a instância egóica ao nível do sintoma psiconeurótico. O sintoma neurótico, como apontamos no primeiro capítulo, é uma tentativa de solucionar um conflito que se instaura no ego, por meio de operações simbólicas que Freud caracterizou como condensação e deslocamento e que Lacan, caracterizou como metáfora e metonímia (LACAN, 1957/1966). A fantasia, retomando o assunto sobre a incidência do significante na experiência humana, é tomada assim como uma construção subjetiva em resposta e rechaço à questão do desejo sexual, como nos mostrou o próprio Freud (1905/1996), ao falar das fantasias de abuso sexual por parte de adultos.

O registro do real na teoria de Lacan aparece como conceito que sofreu enormes reformulações, as quais acompanham a evolução do pensamento deste autor. A concepção de Lacan acerca do real concerne ao “inefável”, àquilo que não entra no jogo das articulações simbólicas delimitadas pelo campo do significante (VALAS, 2001). É o que não foi captado pela estrutura significante. O real constitui a falta primordial de objeto pulsional, o impossível no campo da satisfação, o fato mesmo de que não há objeto de satisfação absoluta para a pulsão. O real é aquilo que, do objeto, é impossível de representar, ou simbolizar. Esse real insiste contudo, como repetição, à inscrição pelo representante pulsional, mas também insiste como um “a mais” irrepresentável, um “resto” que resulta da operação mesma da linguagem (LACAN, 1964/1985).

Ao apresentarmos assim, sucintamente, a teoria lacaniana dos três registros, podemos situar as questões referentes ao que se denomina “fenômeno psicossomático”, a partir do pensamento de Lacan, de maneira que possamos articular e confrontar os

caminhos já traçados em nossa pesquisa em convergência com alguns pontos demarcados por Freud em sua obra e com apontamentos situados em nossa dissertação.

Os primeiros apontamentos de Lacan sobre o fenômeno psicossomático enfatizam a importância de se pensar o auto-erotismo como peça fundamental para se abordar esse tema. Lacan (1955/1985) frisou, nesse momento, que para pensar estas patologias se faz necessário levar em consideração a relação narcísica em jogo em fenômenos como esses, e os abordou como “reações psicossomáticas dos órgãos”. Ele coloca, levantando algumas questões:

“Trata-se de saber quais são os órgãos que entram em jogo na relação narcísica, imaginária, com o outro onde o eu se forma, bildet. A estruturação imaginária do eu se efetua em torno da imagem especular do próprio corpo, da imagem do outro. Ora, a relação do olhar e do ser olhado envolve justamente um órgão, o olho, para chamá-lo pelo seu nome. Podem ocorrer aí coisas espantosas. Como abordá-las, quando reina a maior confusão em todos os temas da psicossomática? (...) O importante é que determinados órgãos estejam envolvidos na relação narcísica, visto que ela estrutura ao mesmo tempo a relação do eu ao outro e a constituição do mundo dos objetos. Por detrás do narcisismo, vocês têm o auto- erotismo, isto é, uma massa investida de libido do interior do organismo, do qual direi que as relações internas nos escapam tanto quanto a entropia” (p. 125-126).

Tanto quanto sobre entropia, o conhecimento psicanalítico sobre o funcionamento orgânico escapa, o que não justifica o seu recuo teórico e clínico quanto a movimentos que deflagram a interação psique-soma. Lacan começava a circunscrever as questões que concerniam à “psicossomática”, de maneira que se colocasse em pauta os investimentos “intra-orgânicos”, em jogo no que Freud denominou “auto-erotismo”. O auto-erotismo é um movimento do corpo no qual as pulsões parciais estão separadas entre si, momento em que não há integração dessas pulsões. O narcisismo, como colocamos, é um ação psíquica que se adiciona ao auto-erotismo na função de integrar, a partir do investimento dos pais, uma unidade corporal que serve de suporte à formação do eu. Nessa direção, Lacan localiza no seminário II a importância de se pensar que tipo de investimento auto-erótico está em jogo para a irrupção de uma lesão orgânica.

Lacan (ibid.) localiza então:

“Os investimentos intra-orgânicos que na análise se denominam auto-eróticos, desempenham um papel certamente muito importante nos fenômenos psicossomáticos. A erotização de tal ou tal órgão é a metáfora que sobreveio mais freqüentemente, devido à impressão que nos dá a ordem de fenômenos que se trata nos fenômenos psicossomáticos. E a sua distinção entre a neurose e o fenômeno psicossomático está justamente marcada por esta linha divisória constituída pelo narcisismo” (p. 126-127).

Lacan enfatiza contudo que, tanto quanto as neuroses, as reações psicossomáticas se encontram além da estrutura narcísica, o que não leva, por outro lado, à isomorfia entre psiconeurose e psicossomática, justamente por estas se distinguirem das construções psiconeuróticas. Para ele, os fenômenos psicossomáticos estão “(...) no limite de nossas elaborações conceituais (...)” (ibid., p. 127). Esta assertiva aponta para os limites teóricos da psicanálise, a qual não abrange o terreno da fisiologia.

É preciso, a partir disso, delinear tal diferenciação, indagando em que sentido tais fenômenos se encontram além da idéia de narcisismo. Na abordagem, portanto, das considerações do seminário II, chega-se à conclusão inicial de que o fenômeno psicossomático apareceria como um “acidente” no investimento libidinal, um investimento no próprio corpo que, por sua vertente excessiva, causaria uma lesão real (CARNEIRO, 1996). Essa caracterização difere do sintoma neurótico, que apresenta na sua própria formação, uma estrutura de linguagem, um endereçamento ao Outro. Cabe pensar, no caso da lesão de órgão, contudo, o que levaria a um excesso de investimento auto-erótico. Lacan diz nesse momento que “Não se trata de uma relação ao objeto” (p. 127). O autor parece querer frisar que tais manifestações não dizem respeito à libido de objeto, mas a um investimento puramente auto-erótico, que atinge um campo desconhecido da psicanálise e deflagra os seus limites conceituais: o funcionamento orgânico.

Mas as idéias de Lacan começaram a tomar maior força quando o mesmo promoveu, em 195627uma importante articulação entre o estruturalismo e a psicanálise. Os postulados de Lacan, apoiados em Saussure, Levi-Strauss e Freud, seriam configurados do ponto de vista do plano do significante, que envolveria a dinâmica e a estrutura do inconsciente. Verifica-se, nesse contexto, a idéia de que a inscrição da energia corporal – por meio do representante pulsional (Vorstellungsrepräsentanz) – no universo da representação, tem como condição de possibilidade a operação do significante – veiculada pelo encontro com o universo da alteridade. Na leitura do pensamento freudiano, Lacan, como vimos, defende que o sujeito é um efeito da operação do significante, um sujeito barrado, sob o ponto de vista de que o significante se estabelece como uma potência de significação, não esgotando em si mesmo, contudo,

a significação. Um significante, sob esses termos, não contém um sentido em si mesmo, mas está sempre remetido a outros significantes, e apenas nessa combinação o sentido pode advir. O “sentido”, sob esses termos, desliza pela cadeia significante, o que promove uma abertura dialética no campo do sujeito, uma abertura à significação. Para Lacan (1956/1985, p. 209), “(...) todo verdadeiro significante é, enquanto tal, um significante que não significa nada”. Contudo, “(...) é na cadeia do significante que o sentido insiste, mas que nenhum dos elementos da cadeia consiste na significação de que ele é capaz nesse mesmo momento”, como definiu Lacan (1957/1966, p. 506) no texto “A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud”.

Lacan proporcionou à teoria freudiana elementos para se pensar o aparelho psíquico sob o ponto de vista das leis da linguagem, promovendo no discurso freudiano uma renovação que, segundo o próprio Lacan (1954/1986) constitui-se como um “retorno” aos postulados fundamentais da psicanálise. A idéia freudiana de que as representações devem ser concebidas como complexos de impressões associadas entre si, constituindo um universo de conexões intrínsecas, aparecia desde o trabalho de Freud (1891/1977) sobre afasias, o qual, como vimos, teve uma grande importância para o desenvolvimento subsequente da psicanálise. Conforme apontamos no primeiro capítulo, a representação do objeto não constitui uma reprodução pura e simples da coisa, não é, segundo Garcia-Roza (1991b), uma representação icônica da coisa, e seu sentido não é dado pela coisa, mas pela representação de palavra. Garcia-Roza comenta:

“Isto quer dizer que as Vorstellungen, as representações, sejam elas representação-palavra ou representação-objeto, remetem-se umas às outras de tal maneira que formem entre si uma trama ou uma rede de articulações, de signos – signos que na sua função significante remetem a signos e não a coisas. E isto, bem antes de Saussure, e muito antes de Lacan” (ibid., p. 42).

A idéia de “cadeia associativa” que, como também apontamos, já aparece no texto sobre “A psicoterapia da Histeria” (FREUD, 1893/1996) faz sem dúvida toda referência a esse modelo teórico e parece ter aberto um campo que levou irremediavelmente à instauração definitiva do dispositivo clínico fundamental – a regra da livre-associação de idéias. A função significante se define pelo fato mesmo de que as representações não remetam a nenhum referente, mas a outras representações, ponto fundamental do pensamento de Freud, resgatado por Lacan a partir do pensamento estruturalista.

No contexto em que se inserem tais postulações, procuramos seguir a rota de raciocínio que se confere pelo plano das articulações de Lacan. O fenômeno psicossomático foi novamente abordado em 1964, no seminário XI. Este é um seminário onde Lacan expôs seu ponto de vista a respeito das especificidades do campo psicanalítico, ao mesmo tempo em que promoveu uma ruptura com determinadas correntes psicanalíticas (Cf. FELDSTEIN et al, 1997). Nossa questão, que se detém na problemática introduzida pela idéia de existência de um “fenômeno psicossomático”, procura voltar-se para os pontos em que este pensador o articulou, de maneira que possamos rastrear suas colocações sobre o assunto, em confrontação com os postulados freudianos.

Em 1964, Lacan define o fenômeno psicossomático como um fenômeno articulado ao significante. E, por meio de uma leitura do Vorstellungsrepräsentanz como campo fundamental da articulação dos significantes, define o caminho lógico no qual se inserem essas manifestações psicossomáticas. Nessa amarração teórica, Lacan frisa que o campo da sexualidade pode apenas ser concebido como algo atrelado ao significante, na medida em que a sexualidade humana não pode ser definida por meio de uma lógica biologicista, não se restringindo à função da reprodução, muito menos sendo por ela determinada. Lacan reverbera que é nas razões do deslizamento da cadeia significante que se pode apreender o que é efetivamente da ordem do sexual no humano. O sintoma neurótico que, para Freud é o substituto da sexualidade recalcada no campo da representação, para Lacan é o resultado da articulação significante que se instaura a partir do recalque. O sintoma neurótico é para Lacan um significante, na medida em que se compõe na e pela articulação da linguagem, e apresenta um endereçamento ao Outro.

Para formalizar a idéia de uma articulação significante, Lacan constrói um matema que circunscreve esse campo pela letra “S”. Denomina “S1” o primeiro

elemento da dupla significante S1– S2, aquele que funciona como um traço, algo que se

passa ao nível do recalque primário, que fixa o campo da pulsão e dá início a uma série significante, ou seja, inaugura uma nova série de articulações simbólicas para o sujeito. Dito de outra forma, o significante 1, que representa o sujeito em seu caráter pulsional, não esgota em si mesmo a possibilidade de significação, e convoca toda uma série significante, formalizada por Lacan como S2. O Vorstellungsrepräsentanz, denominado

por Lacan (ibid.) como “significante binário”, representa o primeiro par de toda uma rede de significantes que se articulam entre si e dão movimento à cadeia.

Lacan frisa, contudo, a possibilidade de a articulação não se dar desta maneira, mas de uma outra maneira, que estaria na raiz de alguns fenômenos, inclusive o “psicossomático”. Nesses termos a dupla significante S1 – S2 se apresentaria

“solidificada”, e não convocaria outros significantes, não se remeteria a outros significantes. Permanecendo solidificados, esses significantes produziriam patologias que se circunscrevem num plano diferenciado daquelas que encontramos nas psiconeuroses. Lacan coloca: “Chegaria até a formular que, quando não há intervalo entre S1 e S2, quando a primeira dupla de significantes se solidifica, se holofraseia,

temos o modelo de toda uma série de casos – ainda que em cada um o sujeito não ocupe o mesmo lugar” (p. 225).

Assim, Lacan coloca no mesmo patamar fenômenos de delírio psicótico, de demência e de lesão psicossomática. No caso da psicossomática – nosso fundamental interesse – a lesão orgânica se apresentaria como resultado do impedimento da abertura dialética na relação com o Outro, por não haver deslizamento significante. O significante articulado ao fenômeno psicossomático se apresentaria de maneira absoluta, como um signo que pudesse esgotar em si mesmo toda a significação.

Para efeito de compreensão acerca da implicação do significante nesses fenômenos, encontramos uma passagem de Pontalis (1981/1988), que talvez possa ilustrar essa questão. Abordando o tema da reação no contexto do sujeito, ele coloca:

“Encontramos na história infantil desses pacientes – uma história pobre de lembranças e revivescências –, principalmente, palavras proferidas, na maioria das vezes pela mãe. Esses ditos têm valor de atos. Como veredictos sem apelação, sentenças recebidas como negações de justiça, eles não são passíveis de nenhuma recomposição que os relativize e que, ao mesmo tempo, relativize a imagem e o poder daquele ou daquela que os enuncia. Absolutos, só podem suscitar, em contrapartida, uma reação. Por isso, não raro vemos sobrevir na análise desses pacientes um ‘agir’ externo ou somático” (p. 62).

Lacan (1964/1985) aponta então: “Essa solidez, esse apanhar a cadeia significante primitiva em massa, é o que proíbe a abertura dialética que se manifesta no fenômeno da crença” (p. 225). Ou seja, o sujeito não responde no nível da construção fantasmática ao desejo do Outro. Este não se apresenta como enigma, mas se impõe ao sujeito, impedindo-o de dialetizar. Lacan defende que o significante se solidifica na cadeia, impedindo o deslizamento e a articulação com outros significantes – o que seria

resultado da dialética do sujeito frente ao enigma do desejo. A “holófrase” diz respeito justamente à solidificação do par significante S1– S2, entre os quais não há intervalo e,

portanto, não há passagem. ‘Holófrase’ designa uma palavra ou uma frase que “diz tudo”, uma palavra absoluta, irredutível28. Nesse sentido, podemos entender que, a respeito de uma palavra absoluta que se impõe pelo Outro – já que tudo já está dito – o sujeito nada tem a produzir ou nada tem a dizer.

Segundo Carneiro (op. cit.) os significantes holofraseados se imaginarizam, pois perdem seu valor simbólico, e tornam-se um signo. Questionamos, contudo, o que levaria à lesão de órgão um significante solidificado, ou “cristalizado”, e se o registro do

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