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Questionamentos e perspectivas

No documento A PSICOSSOMÁTICA NOS CONFINS DO SENTIDO (páginas 107-129)

CAPÍTULO II – A NEUROSE ATUAL: UMA RELEITURA

3.4 Questionamentos e perspectivas

O caminho que procuramos tecer na apresentação das idéias que dizem respeito à psicossomática, ou na lógica que procuramos enfocar a respeito da relação entre o trauma e a corporeidade, aponta para questões inseridas na problemática relativa àquilo que se concebe hoje em psicanálise por “psicossomática”. A teoria de Lacan abriu, sem dúvida, caminho para se pensar a importância da linguagem e de seus efeitos quando do encontro do sujeito com o universo da alteridade. Ao dar ênfase ao fato de que é na indução significante que se deve conceber o fenômeno psicossomático, Lacan colocou em pauta a importância de se pensar a relação do sujeito com o Outro nesse campo. A idéia de existência de uma lesão orgânica implicada por fatores de linguagem chama atenção ao fato de que o gozo lesivo em causa estaria condicionado por uma relação que se estabelece num dado momento com o Outro, relação esta que se peculiariza na

medida em que é situada de maneira diversa daquela que encontramos na formação dos sintomas psiconeuróticos. Lacan coloca, desse modo, que o fenômeno psicossomático está num patamar correlato a fenômenos de demência e de delírio psicótico (LACAN, 1964/1985). Para Lacan a holófrase se situa como uma característica fundamental desses fenômenos, “(...) ainda que em cada um o sujeito não ocupe o mesmo lugar” (ibid., p. 225).

Essa colocação, a respeito do lugar ocupado pelo sujeito, nos é contudo extremamente obscura, na medida em que, ao mesmo tempo que Lacan aponta para a existência de diferença que fundamentaria cada um desses fenômenos, não indica de pronto o que definiria efetivamente uma lesão orgânica e não um delírio psicótico. Guir (1988), apoiado nas teorias de Lacan, deixa claro que um psicótico pode apresentar fenômeno psicossomático, assim como um neurótico. Nesse âmbito, verifica-se que o fenômeno psicossomático não se limitaria a um ou outro tipo determinado de organização psíquica, ou de estrutura clínica, visto que, além de tudo, o fenômeno psicossomático aparece muitas vezes associado com um sintoma neurótico (Cf. CARNEIRO, op. cit.; GUIR, 1998).

Na conferência de Genebra, Lacan (1975/1988) aponta para a importância do registro imaginário nesses fenômenos e diz: “O psicossomático é algo que, de todos os modos, está em seu fundamento, profundamente enraizado no imaginário”.35 (p. 139-

140). Lacan aborda nessa conferência a dimensão de escritura que pode assumir um significante, quando da ocorrência de sua “cristalização”. A repetição desse significante solidigicado na cadeia e, portanto, isolado dos demais, assume um efeito traumático, que tensiona o corpo na sua dimensão orgânica, como um gozo inscrito no corpo. (CARNEIRO, op. cit.). O significante cristalizado seria do registro do imaginário, e não do simbólico, este último aparecendo como absolutamente desimplicado e ineficaz. Nesse plano, o significante, ao invés de ter um efeito de abertura de sentido, remetendo-se a outros significantes, teria um efeito de trauma, por esgotar-se em sua significação (pelo registro do imaginário) e por “entravar” o gozo, remetendo-o ao corpo (pelo registro do real).

35“Lo psicosomático es algo que, de todos os modos, está en su fundamento profundamente arraigado en

De toda forma, haveria nesses casos uma relação peculiar com o outro em que, no plano fundamental da posição do sujeito, o efeito dialético se acharia impossibilitado, pois as palavras seriam tomadas como significado intransponível. Contudo, a questão dialética também se acha comprometida no delírio psicótico, visto que, para o psicótico, as palavras se acham fundamentalmente coladas com o plano do significado, já que são tomadas como coisas (FREUD, 1915b/1996).

Caberia indagar: que lugar assume esse outro na história do sujeito, cuja palavra assume um caráter tão absoluto que o impede à dialética, levando a lesões orgânicas sob a forma de um gozo corporal, um excesso que não entra na rede associativa de representações? Esse lugar deve sem dúvida ser fundamentalmente diferenciado daquele ocupado pelo psicótico, ou pelo demente, ou até pelo melancólico, ainda que não constitua uma posição estrutural que caracterizaria um “sujeito psicossomático”. A questão da “estrutura”, conforme apontamos, não pode ser tomada como fundamental nesses fenômenos, visto que um neurótico se acha também extremamente passível de apresentar problemas orgânicos relacionados com traumatismos (WARTEL et al, 1990; DEJOURS, 1998).

Para avançar nessa questão da relação com o outro, inclinamo-nos aqui a nos reportarmos ao delineamento realizado por Abraham e Torok, circunscrito ao campo do trauma. No ínterim das questões sobre o trauma, apresentamos a teoria da “incorporação”, a qual diz respeito justamente a significantes – ou um conjunto de fatores de linguagem – que podem se encontrar essencialmente vinculados à categoria do trauma. A idéia de “cripta” designa, como vimos, a “incorporação” ou o “enquistamento” de uma situação traumática. Os autores se servem desta noção para trabalhar situações clínicas vinculadas à melancolia e, entretanto, acenam para possibilidades de se pensar outros fenômenos que poderiam estar ligados a esses fatores de linguagem. No plano da cripta, pensa-se uma situação em que o caráter traumático desses fatores se fundamentaria por uma pulsionalidade sem vasão, e isso se pode verificar nas situações em que a perda do objeto (morte de um ente muito próximo) provoca uma irrupção libidinal imprevista (TOROK, 1968/1995). São perdas que não podem se confessar enquanto perdas, o que impossibilita a introjeção, ou seja, a

inclusão do objeto no campo das significações, das representações, e permanecem como palavras “desmetaforizadas”36(ABRAHAM & TOROK, 1975/1995).

Trazendo esses elementos para nossa questão. Devemos lembrar que Ferenczi denominava “introjeção do agressor” a impossibilidade mesma de introjetá-lo, por seu estatuto traumático. O sujeito se acharia identificado ao agressor e isso seria desestruturante para o ego, ou seja, a integralidade narcísica estaria comprometida. Como vimos, do ponto de vista de Ferenczi, “(...) não existe nenhum traço do trauma, a incorporação ou a identificação com o agressor é aquilo que ocupa o lugar dessa não inscrição (Pinheiro, 1995, p. 53). Este é um fenômeno apontado por Ferenczi na sua investigação sobre pacientes que apresentam características similares à melancolia. Nos chama atenção, contudo, o fato da inscrição psíquica ter sido impossibilitada. Poderíamos pensar que, ao invés de um fenômeno de identificação com o agressor – ou de incorporação – em seu lugar poderia advir uma reação de nível efetivamente orgânico, quando da “lembrança” do objeto hostil, agressor? Cairíamos, dessa maneira, nas mesmas questões suscitadas acima e até agora não solucionadas no campo psicanalítico. Seria o caso de pensar justamente o que determinaria, ou definiria, uma lesão de órgão no lugar da não inscrição, ao invés de uma identificação com o agressor. Pensamos que não se trata, contudo, de solucionar a questão apoiado na idéia de precariedade do plano representacional – déficit de recursos psíquicos – que levaria à lesão orgânica, como propõe P. Marty. Caberia, sim, indagar: que posição ocupa o

sujeito na relação com o outro para a ocorrência desses fenômenos? Seria preciso

definir que tipo de relação está estabelecida com o outro para a injunção de significantes cuja inscrição estaria impedida de se dar no plano da linguagem a ponto de ferir o sistema somático.

No que se refere à posição do sujeito no caso da identificação com o agressor (para estabelecer aqui sua especificidade), o que se verifica, segundo Ferenczi (1933/1992), é algo da ordem do desmentido, na relação com o outro (adulto), a respeito da experiência traumática. No desmentir de uma experiência bruta, há o que se pode

36 Nesse ínterim, os autores apontam para um caso de cleptomania em que um garoto pôs-se a roubar

roupas íntimas femininas. Nessa época, sua irmã – já falecida – teria, se viva, a idade de catorze anos, idade em que, no dizer do próprio paciente, ela precisaria efetivamente de sutiã. A irmã teria, antes de morrer, o “seduzido”. Esse evento, segundo os autores, permanece como cripta, e a impossibilidade de introjetar o objeto fez com que ele fosse “incorporado” (ABRAHAM & TOROK, 1972/1995).

chamar “perda da certeza de si” (Cf. PINHEIRO & VERTZMAN, 2002), configurada por uma peculiaridade que se encontra sem dúvida no comprometimento da

consistência identificatória, evidente na melancolia. A “incorporação” do objeto, nesse

sentido, converge para a idéia freudiana de que “a sombra do objeto recai sobre o eu”, característica própria do estado melancólico. (FREUD, 1915c/1996). Definido isso, questionamos, justamente, o que marcaria a diferença para os determinantes de um fenômeno psicossomático, a respeito da relação e posição subjetiva do sujeito frente ao outro, até hoje pouco definida para a psicossomática. No caso deste último fenômeno, a questão da relação com outro e do determinante da lesão somática permanece, portanto, indefinida pelas teorias que dela tratam.

Para deixarmos essas questões mais sintetizadas: vimos que o campo do trauma deve ser profundamente estudado para se pensar a questão das lesões de órgão ligadas à dinâmica psíquica. Nessa linha, verificamos que a marca do trauma propriamente dito não faz elo com as representações e se vincula a movimentos circunscritos ao “além do princípio do prazer”. A teoria lacaniana, aqui circunscrita, apresenta para o fenômeno psicossomático a dimensão dos efeitos de linguagem, os quais assumiriam um estatuto traumático. Aponta além disso para a relação que se estabelece em determinado momento com o outro, cujas palavras não acedem ao plano do deslizamento significante, mas têm um efeito de trauma, produzindo um gozo corpóreo. Como coloca Valas (2001, p. 83): “Tudo se passaria de certo modo como se o sujeito sentisse a imposição sobre si das significações confusas do discurso do Outro que, à força de se repetir, causaria trauma”. O campo do trauma se estende contudo a patologias diversas, não apenas ao fenômeno psicossomático, mas também à melancolia, e às depressões da contemporaneidade (Cf. PINHEIRO & VERTZMAN, 2002). Questionamos o que define a diferença na relação com o outro para a ocorrência do fenômeno “psicossomático”37, concomitantes ou não a quadros psicóticos ou melancólicos.

Estas questões circunscrevem um delineamento que abre caminho para perspectivas efetivas de aprofundamento teórico cujo campo deve se estabelecer pelas questões concernentes à problemática do corpo na psicanálise. Tal perspectiva deve ter como base as implicações dos apontamentos aqui expostos, bem como a investigação

sobre o tema da corporeidade, o qual se mostra como um problema, pois acena para abordagens teóricas não consensuais no campo psicanalítico.

A teoria de Lacan sobre o fenômeno psicossomático como um efeito de linguagem encontra sua principal definição (LACAN, 1964/1985) num momento em que o autor teceu linhas de raciocínio ligadas a críticas relativas à ênfase dada à estrutura de linguagem no seu ensino. A crítica à teoria de Lacan em seu conjunto veio por parte de autores que procuraram redimensionar a teoria freudiana a linhas de pensamento não estruturalistas, sem deixar de valorizar, por outro lado, a importância das contribuições de Lacan para o avanço da leitura da obra de Freud e da especificidade das idéias do mesmo. Esses autores denunciaram, contudo, o fato de que o significante, enquanto estrutura, tomou primazia nas idéias psicanalíticas a partir de Lacan, em privilégio de outros registros freudianos (Cf. SCHNEIDER, 1993; Cf. BIRMAN, 1999). Os registros do afeto, e do corpo, foram tomados como elementos mais problematizados por esses autores, pelo fato de terem sido descontextualizados por Lacan, quando este deu ênfase ao estudo da estrutura significante como elemento central para a abordagem psicanalítica.

Birman (1999) aponta: “Foram os impasses da análises das psicoses, das perversões, dos ditos estados-limite e da psicossomática que colocaram em questão uma prática da psicanálise em que corpo e afeto eram colocados entre parênteses” (p. 69).

A questão dos afetos na teoria psicanalítica é profundamente abordada por Schneider, numa obra na qual a autora procura indicar a importância do estudo da linguagem, contudo de maneira intrinsecamente articulada à questão do afeto. Nessa obra, Schneider (1993) enfatiza o campo dos afetos como algo de essencial para a teoria psicanalítica, tomando como base as teorias pragmáticas da linguagem, as quais parecem superar escolhos que o estruturalismo coloca para a psicanálise. Um deles, é a separação entre o significante como estrutura de linguagem, e o campo dos afetos, em que se deu primazia ao representante-representação (Vorstellungsrepräsentanz) da pulsão, retirando da discussão psicanalítica o representante afetivo (Affekt) (Cf. BIRMAN, 1993b). Segundo Schneider (ibid.), há um estatuto mútuo entre o

Vorstellungsrepräsentanz e o Affekt. Na mesma linha de pensamento, Birman defende

que é questionável a separação entre o representante-representação e o representante afetivo e diz: “(...) os registros do significante e do afeto não são substancialidades

diferentes, mas matizações do inconsciente”38. Nesse campo, aponta para a necessidade de se ter como fundamento uma referência teórica e um modelo de linguagem diferente daquele que Lacan enfatizou como sendo da ordem da estrutura.39

O estudo da linguagem em conformidade com a importância que se dá ao afeto na psicanálise abre sem dúvida perspectivas fecundas de pesquisa, sobretudo quando se enfatiza a importância da corporeidade na abordagem psicanalítica e da relação entre o afeto e a linguagem. Como aborda Birman (1999), o afeto possui tanto a vertente do sentimento, como da intensidade, dos excessos, do quantum que mobiliza o funcionamento psíquico. Segundo o autor, o registro do afeto foi quase abolido na psicanálise em virtude de sua circunscrição ao campo da representação, do significante, bem como da decifração. Ele coloca: “Em contrapartida, tudo que não é decifrável é expulso como não-analisável, para um campo situado além da experiência analítica” (ibid., p. 54)

Birman aponta Lacan como autor que mais contribuiu para a exclusão do afeto e do corpo da cena teórica da psicanálise. Coloca contudo que, em meio às críticas à ênfase no significante, Lacan deu um outro tom à sua teoria, abordando o registro do

real como fundamental para se pensar a psicanálise (BIRMAN, 1999). A primazia do

simbólico como estrutura que sobrepuja a substancialidade do corpo, é reconstituída de maneira articulada ao registro do real e do gozo como campo específico que escapa à estrutura de linguagem, mas que opera efeitos no campo do sujeito. Birman (ibid.) localiza a problemática do afeto e do corpo como tendo sido retomada por Lacan quando este desenvolveu suas idéias sobre o real e o gozo. Essa conjuntura levou o próprio Lacan a visitar referências diferenciadas no campo da filosofia da linguagem, como a pragmática de Austin (Cf. BIRMAN, 1993b).

Essa discussão é de grande valor, na medida em que se frisa a importância de se conceber um modelo de linguagem em psicanálise que não opere uma separação radical entre o corpo e a psique. As considerações de Schneider nessa obra apontam para o fato de que o modelo de linguagem sob a primazia do significante não dá conta de explicar a

38BIRMAN, J. (1993). O afeto como linguagem (prefácio). In SCHNEIDER, M. Afeto e linguagem nos primeiros escritos de Freud. São Paulo: Escuta.

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Bezerra (1994) circunscreve três dimensões fundamentais do campo de abordagem da linguagem na psicanálise, a saber: o mentalismo, o estruturalismo e o pragmatismo. As questões aqui colocadas, relativas ao modelo de linguagem, referem-se à perspectiva de um estudo mais aprofundado dessas abordagens, importante para o avanço da concepção do corpo e de suas implicações em psicanálise.

questão dos afetos. Pode-se apontar, a partir disso, que este modelo não dá conta também de explicar as interações entre o corpo e o psíquico. Pensamos que se faz necessário recuperar na psicanálise a teoria do afeto para se pensar essas interações, visto que o afeto se encontra, segundo Schneider (op. cit.), nas intermediações da linguagem, mas também, se podemos afirmar, na marginalidade do corpo, pelo seu aspecto quantitativo, de intensidade. A questão de Schneider se remete efetivamente para os fatores intrínsecos que compõem o plano da linguagem e do afeto. Para a autora, a linguagem é algo capaz não apenas de significar, mas também de efetuar. A linguagem teria uma dimensão também de descarga, em que, no plano quantitativo, seu exercício se faria valer como ação. Concebe-se, assim, o plano da impressão e o plano da expressão como categorias não separadas, mas como características intrínsecas ao próprio afeto. A autora expõe:

“(...) seria necessário, então, evitar colocar sistematicamente o afeto ao lado da passividade, ao lado da impressão que faz, sobre o eu, a realidade. A própria terminologia, na medida em que ela desposa a etimologia latina, convida a operar esta gradação entre o afeto e a impressão, da qual seria preciso se libertar por uma expressão. Se esta passagem da impressão à expressão, encobrindo a passagem da excitação à reação, permite efetivamente dar conta do processo catártico, não é necessário relacionar esta dupla de movimentos a uma obra: passividade afetiva–atividade representativa que logo seria colocada como paralelo. O afeto está, ao mesmo tempo, ao lado da passividade e ao lado da atividade e a tarefa terapêutica consiste menos em trabalhá-lo, com a ajuda do esclarecimento que trariam a lembrança e a representação, do que em liberar o trabalho deste. Se o afeto se inscreve, então, como uma ferida, ele pode também se tornar sua expressão, realizando, nisto, um esboço de terapêutica espontânea. Não haveria, desta forma, lugar para reintroduzir um tipo de maniqueísmo no interior do registro afetivo para melhor separar o que aliena do que liberta, como também não seria conveniente introduzir semelhante corte entre o balbucio e a linguagem. Seria preciso, talvez, ao nível do afeto-impressão procurar os primeiros esforços para traduzir a experiência e não somente vivenciá-la” (p. 28).

Esta localização do afeto feita por Schneider implica extensas discussões no campo dos estudos da linguagem, da relação entre a corporeidade e a experiência do sentido (Cf. BEZERRA, 2001), e da leitura da filosofia pragmática nos seus enlaces com a psicanálise (Cf. COSTA et al, 1994). O que nos interessa, neste momento, é a importância de se conceber o registro dos afetos – os quais carregam em si toda a dimensão das intensidades e do campo das excitações – de maneira intrínseca aos processos da linguagem. Nessa direção, pensamos que seria preciso recuperar a questão do afeto também para se pensar especificamente questões relativas ao que hoje se

denomina “psicossomática” já que, embasados em Freud, apontamos a questão da dor e do trauma como elementos fundamentais nesta abordagem.

Tivemos assim, como linha de raciocínio, a idéia de que fatores intrínsecos à categoria do trauma, seja pelo ponto de vista da relação com o outro, seja pelo ponto de vista do caráter de excesso nele implicado, devem estar intimamente ligados aos fenômenos em questão. Pudemos trilhar esse caminho desde a retomada do modelo da neurose atual, vista sob um ângulo renovado, até as aproximações feitas entre o traumático e os fatores de linguagem nele implicados. Este estudo está contudo longe de ser esgotado, visto que as concepções de linguagem acenam para modelos diferenciados, o que abre caminho para se perspectivar uma pesquisa mais aprofundada sobre esse tema, bem como sobre o problema da relações entre o corpo e o psiquismo. Foi nesse contexto que tomamos o conceito de “neurose atual” nas suas minúcias para tentar circunscrever um campo cuja fecundidade deve, sem dúvida, ter como ponto de origem o pensamento de Freud. A “psicossomática”, termo utilizado até hoje para designar problemas orgânicos supostamente relacionados com fatores psíquicos, teve como elemento central para as mais importantes teorias, justamente o modelo da neurose atual. Vimos que este modelo pode se complexificar, à medida que se coloca em destaque os avanços das concepções freudianas. Pensamos, assim, que a evolução do pensamento de Freud, carregada de importantes modificações ao longo de sua obra, deve ser sempre levada em ampla consideração para o desenvolvimento de abordagens que tenham como referência o campo psicanalítico.

CONCLUSÃO

Nosso estudo se baseou na tentativa de estabelecer caminhos teóricos para se pensar a questão “psicossomática” a partir de uma localização mais aprofundada do conceito freudiano da neurose atual, modelo teórico que serviu como base para importantes teorias que nesse campo surgiram. Tentando situar o modelo da neurose atual na obra de Freud, procuramos estabelecer uma confrontação com as concepções de P. Marty, confrontação essa que consideramos relevante, visto a importância que tem hoje o Instituto de Psicossomática de Paris e que, apesar disso, apresenta concepções teóricas problemáticas do ponto de vista da própria neurose atual. Desse ponto,

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