• Nenhum resultado encontrado

3.4 DE PATTA: ENTRE INCÊNDIOS E DISPUTAS PELO CONTROLE DAS

3.4.1 Leoni di Calabia in terra Riograndense

De Patta escreveu o livro Leoni di Calabia in terra Riograndense. La selvageria di Anta Gorda com o propósito de explicar o que sucedeu em Anta Gorda, quando um hospital foi incendiado e a vida do médico e seus familiares foi ameaçada, em um confronto de armas, que ocasionou a morte de dois moradores da vila. O livro é composto de 41 páginas. A redação do mesmo foi concluída em abril daquele ano, e publicada pela tipografia Veritas, a mesma que fora depredada nos episódios que precipitaram o acontecimento. A filha de Michele, Igéa Pillar, traduziu o original; o material encontra-se datilografado.

No início do livro, uma espécie de sumário informa sobre os tópicos que serão abordados. São ressaltados valores de heroísmo e de religiosidade:

A Selvageria de Anta Gorda. Breves cenas históricas.

- Quem é o Dr. Miguel de Patta. Por que veio à América. Por que se estabeleceu em Anta Gorda. – Como começou a luta. – A ferocidade de um intendente. –A impiedade e a venalidade de um padre-judas. Um plano infernal. – Pretexto. – Mais

de 300 “capangas” e “praças” bem armados atacam um homem só, quase sem arma,

em sua casa de madeira. – A ajuda divina. – Heroísmo legendário. – O anônimo e Irineu Silva incendeiam o Hospital. – O incêndio domado. – A inocência que triunfa.

– Depois do estrago. – CONSUMATUM EST!473.

O autor do livro começa o relato manifestando sua “fidelidade e honra” de ter servido a sua pátria como oficial médico durante a Primeira Guerra Mundial, pelo período de três anos. Informa sobre sua partida desde sua cidade natal, Scalea, localizada na Província de Cosenza, em 26 de dezembro de 1919, até a sua chegada em Porto Alegre, em 2 de fevereiro de 1920.

Decidiu não morar na capital do Rio Grande do Sul, pois preferia “estabelecer-se na

zona agrícola do interior, em cujo panorama, em cuja vegetação, em cujas flores formavam a felicidade de sua alma sonhadora”. Clinicou em Garibaldi e no campo de Lagoa Vermelha. Foi chamado para atendimento em Anta Gorda, 2º distrito do município de Encantado,

473 DE PATTA, Michele. Leoni di Calabria in terra Riograndense. La selvageria di Anta Gorda. [S.l.]: Veritas,

quando decidiu transferir-se para lá em setembro de 1921. A sua chegada foi considerada

como a de um “messias” 474.

Destaca as características particulares dele próprio e de sua mulher, reivindicando para ambos as grandes virtudes cristãs. Salienta que, mesmo sendo ricos, convidavam os pobres para comerem juntos em sua mesa, não eram orgulhosos, não blasfemavam, não maltratavam os pobres, já que os consideravam iguais. Iam à missa todos os domingos e possuíam comportamento de verdadeiros cristãos, sofrendo as injustiças feitas aos outros como se fossem a eles próprios475.

O papel salientado do médico, a sua religiosidade e a sua conduta corroboram com o esperado da figura do médico que prometia realçar-se no contexto do “firmamento científico-

humanitário” no nascente século XX. Segundo Cosmanici, neste momento se reafirmavam a

certeza, a fé e se vaticinava o progresso. O médico tinha o dever de situar-se como o primeiro em favor da vida em sua plenitude; agir contra a morte, a doença, a fome e a pobreza, que representavam alguns dos elementos mais positivos da dinâmica social e moral da época476.

De Patta informa que, desde a sua chegada, realizou cirurgias que não haviam sido feitas anteriormente por médicos da região, e que eram evitadas por aqueles que se

consideravam “valentões”. Quanto à sua clientela, ressalta que alguns doentes se deslocavam

por dois ou três dias a cavalo, para a consulta desejada. Muitos destes não estavam doentes, e

vinham com a desculpa de doença para ver com os próprios olhos aqueles “italianos”. Eram chamados de “napolitanos”, apesar de ele e sua mulher serem calabreses.

Seguiu para Anta Gorda, 2º distrito de Encantado, em 1921. Nesse lugar, organizou o Hospital São Carlos em um sobrado de madeira. (Figura 9). A família residia no andar superior e no térreo, localizavam-se as dependências hospitalares com o consultório, a sala de operações, enfermaria e quartos dos pacientes. A casa de saúde possuía água corrente e telefone. A mulher era ajudante, enfermeira, encarregada da assepsia e da anestesia que era feita com clorofórmio. Os instrumentos cirúrgicos eram esterilizados em autoclave. O médico realizava exames laboratoriais e microscópicos. Fabricava os soros utilizados em frascos que eram lacrados a fogo. Locomovia-se com uma aranha, espécie de charrete com dois cavalos nas visitas domiciliares aos seus pacientes.

474 DE PATTA, Michele. Leoni di Calabria in terra Riograndense. La selvageria di Anta Gorda. [S.l.]: Veritas, 1923,

p. 4.

475 Ibidem, p. 2-3.

476 COSMACINI, Giorgio. La religiosità della medicina. Dall’antichità a oggi. Bari: Edidori Laterza, 2007, p.

Figura 9 - De Patta e o Hospital São Carlos

Fonte: PILLAR, Igéa De Patta. Da Calábria ao Brasil. A história de um médico

italiano. Porto Alegre: Igéa De Patta Pillar, 2004, p. 69.

A característica do exercício profissional de De Patta nesse momento, como as

apresentadas por D’Elia, Palombini e Cardelli, pode ser identificada com o perfil de um

médico generalista. Pereira Neto identificou em médicos provenientes de várias regiões brasileiras, que participaram no Congresso de Práticos de 1922, no Rio de Janeiro, três distintos perfis, a saber: generalista, especialista e higienista. As características do primeiro perfil incluíam valores de altruísmo e sacrifício na construção simbólica deste ideal de prática médica. Conforme Pereira Neto:

O médico exerceria individualmente sua atividade, sem contar com o auxílio de outro médico ou de outro profissional de saúde. [...] o médico examinaria o paciente, identificaria a origem da dor, prescreveria medicamentos e operaria se fosse o caso. Todo esse processo se daria no consultório do médico que funcionaria como um mini-hospital, frequentemente instalado na própria residência. Outras vezes, o

médico freqüentava a intimidade do paciente, determinado as atitudes e os comportamentos a seguir. Nos dois casos, o território era livre para o profissional. Ele tinha a liberdade para estabelecer o valor, a duração e as condições em que se desenvolveriam a consulta e o tratamento477.

De Patta praticava cesarianas, o que era quase uma sentença de morte para a parturiente. Esta cirurgia era realizada principalmente quando havia a decisão de salvar o bebê. Muitas vezes, as cirurgias eram feitas devido a sequelas decorrentes de tentativas de aborto, em curetagens mal-sucedidas, ou em função de complicações pós-parto que necessitavam de sua intervenção, sendo que muitas dessas foram ocasionadas por curandeiros. Essas situações difíceis e delicadas fizeram com que surgissem boatos de que o médico praticava aborto, intrigas de curandeiros e outras maledicências478.

Além das atividades de médico, De Patta possuiu um papel chave de interlocutor e intermediário entre grupos sociais distintos, nomeadamente a elite nativa, composta pelos políticos e representantes oficiais, o clero, e a colônia de imigrantes.

O desenrolar da história é rápido. O episódio começou em março de 1923, durante a quaresma. Em 17 de março de 1923, De Patta recebe a visita do Dr. Vicente Gianone479, médico da Diretoria de Higiene, que foi encaminhado pelas autoridades sanitárias de Porto Alegre para providenciar a profilaxia dos habitantes, das casas e pessoas em virtude de uma doença epidêmica. Conversavam sobre os aspectos científicos da doença à mesa de um restaurante do hotel. Sentados na proximidade, estavam o intendente municipal, seu filho, um cunhado, um curandeiro, um vagabundo e outros moradores. Inicia-se a discussão. O relato informa que:

Enquanto o Dr.. De Patta se entretém com este médico em assuntos de cunho científico, ouve que o curandeiro voltando-se ao cunhado do intendente lhe diz

“Estes filhos da p... vêm aqui na nossa terra e querem mandar.” Estoura um

pandemônio. O Dr. De Patta salta como um bólido e enfrenta o sem vergonha para

que lhe diga logo “quem é o filho da p.” Mas o miserável - seguro do apoio do

Intendente - empunha o revólver para atirar contra o Dr. De Patta. No mesmo instante entra na sala o Professor Francisco Lopresti, conterrâneo e amigo caríssimo do Dr. De Patta, o qual dirigindo-se ao Intendente, diz: “Seria tempo de acabar com

estes insultos e com essas ameaças de balas, senhor Intendente!.” Mas não termina

de completar a última palavra e o Intendente se lança sobre ele como um tigre e enfurecido, lhe aperta com uma mão a garganta e com a outra lhe dá socos, chamando-o repetidamente “filho da p., gringo de m., etc.” enquanto todos os outros

477 PEREIRA NETO, André de. Ser médico no Brasil: o presente no passado. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2001,

p. 44-45.

478 PILLAR, Igéa De Patta. Da Calábria ao Brasil. A história de um médico italiano. Porto Alegre: Igéa De

Patta Pillar, 2004, p. 76.

479 Vicente Gianone formou-se na Faculdade de Medicina de Porto Alegre, em 1914. Ver: FRANCO, Álvaro;

RAMOS, Sinhorinha M. Panteão médico rio-grandense; síntese histórica e cultural. São Paulo: Ramos, Franco Editores, 1943, p. 116.

o seguravam pelos braços e pelas pernas e o “capanga” do Intendente, aquele

conhecido vagabundo que citamos antes, lhe rebenta uma garrafa na cabeça, produzindo uma profunda e extensa ferida lácero-contusa, na região parietal480.

O padre Ermínio Catelli encontra-se, também, no recinto e presencia o episódio da briga e dos ferimentos infligidos no professor Lopresti. Após a briga, trancafiam o professor na cadeia. Esse acontecimento tem grande repercussão em jornais com partidários que se dividem entre de De Patta e o intendente Coronel Virgilio Silva. São envolvidos o cônsul da Itália, os irmãos carlistas e o Chefe de Polícia no episódio. O médico solicita garantias de vida ao Governo do Estado através do Consulado da Itália.

Inicia-se um processo contra o Intendente Virgilio, em decorrência das lesões praticadas contra o prof. Lopresti. O Intendente corrompe o vigário de Anta Gorda, padre Ermínio Catelli, fazendo com que este depusesse em seu favor no processo em que respondia. Ocorre reversão do caso e, inesperadamente, o intendente é declarado inocente da agressão, sendo o processo encerrado. A partir de então, há uma campanha difamatória contra o médico, uma tipografia é destruída, as janelas de sua residência são quebradas a tiros, e doentes são retirados do hospital. Foguetes são atirados dia e noite na frente do hospital.

Existe a tentativa de início de processo legal contra De Patta, pelo fato de este ter efetuado uma cirurgia obstétrica acompanhada de embriotomia, ou seja, a destruição do corpo do embrião. Essa intervenção, ao ser realizada, salva, pelo menos, a vida da mãe. Em decorrência do sucedido, há a tentativa de desacreditá-lo perante a opinião pública481. De Patta, com sua rápida interferência cirúrgica, provavelmente intromete-se na concepção de vida e morte da população, no momento da destruição do corpo da criança. Sua atitude interferiu com o conjunto de práticas fúnebres que seriam realizadas com o corpo do anjinho, ou o da criança morta482.

O intendente e seus companheiros decidem se vingar do médico, apesar do apoio que os moradores e os colonos tinham por este último. O pretexto que surge foi a morte de uma criança, filha do chefe da Comissão de Terras, no hospital, no início de 1923. Ocorre que os

480 DE PATTA, Michele. Leoni di Calabria in terra Riograndense. La selvageria di Anta Gorda. [S.l.]: Veritas,

1923, p. 3.

481 PILLAR, Igéa De Patta. Da Calábria ao Brasil. A história de um médico italiano. Porto Alegre: Igéa De

Patta Pillar, 2004, p. 8.

482 A idéia de que a forma como se era enterrado e, também, como se entraria no além, resistiu por muito tempo,

desta maneira, havia uma atenção especial pela maneira como o corpo iria se apresentar no reino dos mortos. Sua origem remete ao tempo em que a crença da separação entre corpo e alma após a morte não era algo bem

definido. Ver: VAILATI, Luiz Lima. Os funerais de “anjinho” na literatura de viagem. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 22, n. 44, 2002. [Versão On-line].

pais partem para Porto Alegre, e seus empregados ficam encarregados do sepultamento. O vigário Catelli não comparece ao funeral, nega-se a benzer e a acompanhar o corpo até o cemitério e não permite que o sino da igreja fosse tocado. Mesmo assim, o médico procede à

encomendação e ao funeral da criança, emitindo opinião sobre a atuação do padre “aqui em

Anta Gorda, ó senhores, tivemos de assistir ao triste espetáculo de ver um nosso sacerdote,

um nosso pároco que se nega a benzer e acompanhar ao cemitério um anjo de Deus”. Faz uma

crítica à sua ausência ao comparar a um episódio que presenciara durante a guerra, na Albânia, quando o capelão fez as rezas de encomendação para um soldado otomano inimigo recém-falecido, mesmo não considerando a sua religião483.

O médico e os empregados do pai do morto enviam um fonograma ao superior dos Padres Carlistas em Dois Lajeados relatando o fato. Nenhuma atitude de sanção contra o padre é tomada.

Quatro indivíduos amigos do médico decidem pressionar o padre para que parasse seus ataques a De Patta. Sucede que, em certa noite, caminhando na escuridão, o religioso é cercado, recebendo ameaças verbais para não se intrometer com o médico. O padre, durante a prédica feita no Domingo de Ramos, levanta a suspeita que o careca, que era a maneira como o chamavam pejorativamente, estava entre os quatro indivíduos que o atacaram. É noticiado no jornal Correio do Povo: “Excetuando o 2º distrito onde a população se encontra revoltada contra o Dr. De Patta, em conseqüência do atentado à vida do pároco Hermínio Catelli, resultante de uma questão pessoal, reina completa ordem e tranqüilidade no município”484.

Desenvolve-se campanha contra o médico e sua família por parte do Intendente. A situação se agrava, com os colonos sendo pressionados pelo Cel. Virgílio Silva, a solicitarem a saída do médico da vila. As ameaças contra a vida deste são intensificadas e são dadas 48 horas para que se retire de Anta Gorda, juntamente com sua família. De Patta solicita garantias de vida ao Governo do Estado, através do Consulado da Itália.

Na Sexta-Feira Santa, 29 de março de 1923, o hospital é cercado por capangas do Intendente. O médico está com seu irmão, Felipe, que residia na Argentina com a família e o visitava naquela data, a sua mulher, uma jovem empregada de origem indígena e três colonos amigos. O Intendente está armado e conta com apoio de vários moradores e capangas. Possui

483 DE PATTA, Michele. Leoni di Calabria in terra Riograndense. La selvageria di Anta Gorda. [S.l.]: Veritas,

1923, p. 12-13.

armas que haviam sido mandadas pelo governo do Estado para outros propósitos. Força os colonos a tomarem posição com ele.

O hospital é cercado por “trezentos sicários do Coronel Virgilio Silva”485, que o médico chama de “lanzichenecchi do Intendente Siva e do Judas Catelli”486, pelo subintendente Petit e

pelo Anônimo, capanga que colocava medo em todos. Os números variam de duzentos até setecentos homens, conforme nota publicada em jornal de São Paulo. De Patta e seus companheiros tentam comprar armas, mas não conseguem, pois são impedidos, os colonos ficam com medo e não o apoiam. Antes de começar o tiroteio, o médico descreve suas apreensões:

Ao fim de contas - diz o doutor - nós não fizemos mal a ninguém. Se qualquer um que não nos conhece e os capangas do Intendente ousar atirar contra nós seriamente, estão em prontidão a espingarda com seus 15 cartuchos para perdizes e a Smith com 6 balas para poder responder como merecem. Mas bobagem! Não estamos entre canibais ou entre os pele-vermelhas! Nós estamos em nossa casa. Quem nos pode obrigar a sermos covardes? É tudo uma “fita” que logo terminará ao imundo despeito do Intendente Silva487.

Observa que antigos pacientes seus, mesmo aqueles que estavam ainda em tratamento, colonos e amigos o abandonam, e não respondem aos seus apelos de socorro. Todos estavam com medo de represálias do cel. Virgílio e de seus capangas. Logo, os três amigos, que estavam dentro da casa, fogem. O delegado de polícia Geraldo Costa o aconselha a ir embora por não ter condições de apoiá-lo contra as forças do Intendente. O médico retruca:

“Como o senhor nos aconselha tamanha covardia? Então o senhor não sabe que

estamos em nosso sagrado direito? Fizemos sempre o bem a todos e agora devemos fugir, covardemente, deixando nossa casa à sanha dos bandidos só porque eles são mantidos e protegidos por autoridades? Isso não será nunca, senhor delegado! Se o senhor não puder defender-nos, nos defenderemos nós mesmos! Acima de tudo há um Deus, um Deus que é justo Juiz e sabe de nossa inocência!”488

Vendo-se cercado, envia telegrama ao Cônsul da Itália em Porto Alegre pelo telefone. Soube que o telegrama é interceptado e enviado somente após o confronto:

Com todas as garantias de vida concedidas várias vezes por intermédio de V. S. pelo Chefe de Polícia, encontro-me neste momento assaltado em minha casa por 300 assassinos descaradamente protegidos e armados pela autoridade municipal. Seu

485 DE PATTA, Michele. Leoni di Calabria in terra Riograndense. La selvageria di Anta Gorda. [S.l.]: Veritas,

1923, p. 31.

486 Lanzichenecco: soldado mercenário germânico dos séculos XV e XVI, sicário. Dicionário Martins Fontes

Italiano-Português. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 524.

487 DE PATTA, op. cit., p. 20. 488 Ibidem, p. 20.

objetivo é de massacrar-nos ou queimar-nos vivos. Resistiremos até o último sangue, pela sagrada causa da Justiça e da Honra489.

Inicia-se um tiroteio contra o hospital que dura quatro horas. De Patta veste-se com o uniforme de tenente do exército italiano. Tem em sua companhia a mulher grávida de sete meses, o irmão e uma empregada de origem indígena.

Os assaltantes entram no primeiro andar da casa de saúde. Destroem documentos, o arquivo pessoal do médico, diplomas escolares e o de médico, antigas fotografias dos familiares na Itália, roubam dinheiro que estava guardado dentro de um cofre e instrumentos

cirúrgicos. De Patta cita que os instrumentos roubados serviriam “para reabastecer, sem

dúvida, o charlatão tiririca, chamado Lorenzinho, que, por nada, se tinha apresentado como testemunha voluntária contra Lopresti, e que, por nada, agora tinha deixado as dívidas em

Erechim”490.

O tiroteio é seguido por um incêndio, que foi perpetrado pelos criminosos. O incêndio é debelado quando De Patta abre todas as torneiras do 2º andar da casa de saúde. O médico mata dois capangas no tiroteio; a sua experiência de guerra faz com que pensem que possuía uma metralhadora.

O médico, sua esposa, o irmão e a empregada escapam com vida. Os dois homens

partem para a “civil e hospitaleira cidade de Lajeado, habitada e administrada por alemães”,

enquanto a mulher fica em Anta Gorda com amigos. Dirige um telegrama ao Cônsul da Itália em Porto Alegre, informando sobre o acontecido, e solicita que este interceda junto ao governo brasileiro para receber uma indenização pelo que sofre:

Glória nossa imaculada bandeira que queiram humilhar e com orgulho de soldado queiram desonrar e difamar. Tenho a honra de participar V. S. minha vitória legendária obtida ontem sobre horda bárbara de mais de 300 capangas e praças de Virgílio Silva, Intendente de Encantado, que, sedentos de sangue e de saque, ontem às 11 horas da manhã assaltaram selvagemente minha casa de madeira com fogo cerrado de fuzilaria durante cerca de quatro horas.

Forte do meu sagrado direito e sem auxílio nenhum a não ser aquele de Deus, munido de uma espingarda de caça com apenas 15 cartuchos, depois de valorosa heróica resistência desbaratei selvagens agressores os quais, depois de terem entrado em minha casa e de terem roubado 15 contos de réis e todos outros objetos de valor, incendiaram a casa com gasolina, fugiram, deixando 2 mortos e numerosos feridos. Peço V. S. informar cortesia solicitude R. Embaixada e Ministério pedindo Governo República pronta reparação e indenização adequadas, inúmeros danos civis,

489 DE PATTA, Michele. Leoni di Calabria in terra Riograndense. La selvageria di Anta Gorda. [S.l.]: Veritas,

1923, p. 15.

intelectuais, morais, físicos, materiais, injustamente sofridos pela louca ferocidade de um Intendente491.

O autor termina a escrita do seu livro, lembrando que:

Depois desta exposição exata e conscienciosa do selvagem atentado sofrido pelo Dr. De Patta e sua família, julguem desapaixonadamente os honestos de todas as suas partes e de todas as nacionalidades, a fim de que, do sereno veredicto da opinião pública, mais brilhante e eficaz ressalte a ação reparadora de justiça que o claro e benemérito clínico espera da suprema autoridade deste generoso hospitaleiro Brasil!492.

Observa-se que, em nenhum momento do livro, De Patta cita o nome do médico