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Ler: as concepções e práticas de leitura.

REVISÃO DE LITERATURA

2. Ler, interpretar e escrever, a prática escolar através do uso do texto literário.

2.1. Ler: as concepções e práticas de leitura.

Segundo MASSINI (2001), ler não é só decifrar os sons das letras e das palavras, mas conseguir assimilar uma mensagem elaborada por outra pessoa e representada na escrita. Ser leitor supõe ser detentor de uma capacidade de interpretar criticamente a informação recebida, inter-relacionando-a com a informação de que se já é possuidor e utilizando-a para construir conhecimento em contextos inovadores (RAPHAEL, PARDO & HIGHFIELD, 2002; VOGT & MCLAUGHLIN, 2005).

Sabendo-se que a leitura não é uma actividade natural, inata, exige-se um ensino directo que não se pode ficar pela simples descodificação, necessária porém insuficiente. É preciso ir além. É preciso criar o hábito e, com ele, naturalmente adquiri-se o gosto de ler (SARDINHA, 2007 e SIM-SIM, DUARTE e FERRAZ, 1997).

“As capacidades associadas à leitura e à escrita ganham particular importância na escola. Se a capacidade de operar com textos escritos se apresenta como condição para uma intervenção significativa dos sujeitos num grande número de situações de vida, ela assume especial relevo

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nos processos educacionais. De facto, as organizações educativas formais caracterizam-se por um elevado grau de exigência relativamente aos usos da linguagem dos sujeitos que nela actuam, designadamente alunos e professores; se as tarefas desenvolvidas no quadro dos fenómenos educativos são sobretudo de natureza linguística, elas estão com enorme frequência ancoradas em textos escritos, na sua produção e no seu reconhecimento” (CASTRO, 1998:42).

A leitura que é realizada no âmbito escolar exclui as diferentes formas de linguagem do quotidiano dos alunos e com isso o professor perde a oportunidade de favorecer um maior interesse dos mesmos e levá-los a aprimorarem a sua capacidade de compreensão e interpretação da realidade, visto que o aluno só aprende se for capaz de reflectir.

“A orientação para uma leitura mais percuciente e reflexiva é função do professor, e deve ser por ele assumida. A formação do leitor crítico, capaz de se assumir plenamente enquanto cidadão, requer um trabalho gradual, que envolva os vários níveis de compreensão que não são dados automaticamente, mas dependem de um trabalho que abrange desde a seleção de textos, a leitura que o professor faz deles, os objetivos ao abordá-los, até a sua inter–relação curricular e sociocultural. Além disso, as marcas formais, os elementos de coesão e coerência, entre outros, constroem significados, devendo ser explicitados e compor a base de conhecimento linguístico dos alunos”. (EVARISTO in CHIAPPINI 2002:132).

Leitura na escola destinar-se-á mais a fazer com que os alunos leiam por necessidade, por imposição, e não por prazer, não a encarando como mais um bem que se acrescenta à vida de cada um, perspectivando-a como um direito à fruição e ao lazer. E, neste sentido, a escola continua a reproduzir uma comunidade de leitores por obrigação. De facto, lê-se na escola. O que poderemos dizer é que mais alunos são obrigados a ler, mas os textos e as práticas de leitura não parecem destinar-se a fazer de cada criança um leitor, um cidadão enriquecido por experiências que atenuam a distância entre seu grupo social de origem e os outros.

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A instituição escolar assume um papel importantíssimo na promoção do gosto pela leitura e no desenvolvimento de competências de leitura. A escola ensina a ler, indica os textos que hão-de-ser lidos e até a forma como se espera que sejam lidos, pela prática que nela ocorrem, pelos materiais que são utilizados.

“Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido do texto, é, a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista” (LAJOLO:1982).

Podemos analisar tanto nos livros didácticos quanto nas práticas pedagógicas a existência de uma leitura passiva, que pode ser separada em leitura pressuposta e leitura instrumental.

Na leitura pressuposta o professor pressupõe que o aluno, só de realizar a leitura, consegue compreender totalmente o texto. Nessa leitura o professor não assume o seu papel de mediador, não aprofundando a discussão sobre as ideologias do texto, deixando com que os alunos absorvam apenas o sentido superficial do texto.

Na leitura instrumental o que interessa não é o conteúdo dos textos mas a simples emissão de voz, que deve obedecer aos sinais de pontuação, entoação e ritmo adequados.

Ainda sobre as diferentes formas de leituras existentes na escola, SILVA e CARBONARI (2002), além das duas formas anteriormente ditas (leitura pressuposta e instrumental), apresentam a:

“Leitura seguida de trabalho de aprofundamento de texto, baseado numa concepção da aprendizagem como um sistema monológico: Nestes episódios, após a leitura oral, há sempre uma explicação do professor a respeito da matéria lida. Este tipo de trabalho é fechado, não permite a participação do aluno, nem provoca diálogos de experiência. O professor

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se concebe como detentor do saber e o aluno recebe de modo passivo tudo o que lhe é apresentado.

Leitura seguida de trabalho de aprofundamento do texto numa concepção dialógica da aprendizagem: Após a leitura oral, há questionamento ou problematização do tema abordado. Os alunos contribuem com opiniões pessoais e constroem relações que enriquecem o texto lido” (SILVA e CARBONARI in CHIAPINI 2002:104).

AMOR (1993), decorrendo sobre o tipo de leitura que se realiza na escola, agrupou-as em 3 modalidades: leitura funcional, leitura analítica e critica e leitura recreativa, sendo:

“- a leitura funcional ou leitura para pesquisa de dados e informações, na perspectiva pragmática da resolução de problemas;

- a leitura analítica e crítica, actividade reflexiva em que ler significa atingir uma compreensão crítica do texto, que se projectará em reelaborações e esquematizações de sua forma-conteúdo, ou seja, num metatexto:

-a leitura recreativa, comandada pela satisfação de interesses e ritmos individuais, cuja promoção conduzirá ao desenvolvimento da capacidade de fruição estética e pessoal dos textos” (AMOR 1993:92).

A leitura é muitas vezes trabalhada não no seu real sentido, mas com o objectivo de se trabalhar a dicção.

Não que o trabalho na busca de uma leitura fluente não seja importante, mas é preciso ficar atento para que o acto de ler vá além da simples verbalização, cabendo ao professor utilizar estratégias que possibilitem uma leitura crítica do texto.

“Ao conceber a simples oralização do texto como sinônimo imediato de compreensão, o professor se exime da sua responsabilidade de mediador no processo da aprendizagem, ficando este exclusivamente por conta da capacidade do aluno. A leitura surge como uma atividade através da qual os alunos são levados a reconhecer e reproduzir um sentido que se supõe ser o original” (SILVA, CARBONARI in CHIAPPINI 2002:107).

Assim, o professor deve procurar actividades que motivem para a leitura, buscando sua formação enquanto leitor crítico, guiando os alunos no domínio

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progressivo de competências leitoras, não esquecendo que sendo a leitura uma actividade complexa, os progressos podem ser lentos, e dependem também de outros factores (físicos, psíquicos, afectivo) que devem ser levados em consideração.

Desta forma, para que um bom trabalho seja realizado em sala de aula, é necessário que o professor detenha o conhecimento, que seja leitor crítico para que assim possa estimular a mesma condição aos alunos.

“ Na verdade, para ter leitores, é necessário formá-los, não é suficiente desejá-los. Formar leitores talvez exija da escola, e dos vários intervenientes no processo educativo, atitudes que estimulem o pensamento, o sentido crítico, que constituam desafios, apostando em objectivos de leitura ricos e diversificados e numa postura de receptividade, diálogo e cooperação, desde o inicio da escolaridade” (SOUSA, 1999: 84).

SIM-SIM (1997) atribui à escola a função de fazer de cada aluno um leitor fluente e crítico, capaz de usar a leitura para obter informações, organizar o conhecimento e usufruir o prazer recreativo que a mesma pode proporcionar.

Sabemos que ler é um acto complexo, mas, segundo BARRETOS (1997), pode ser feito com prazer se encarado como um jogo entre o leitor e o texto, em que o primeiro procura desmascarar o segundo, mantendo uma relação íntima com este e mostre ser capaz de fazer-lhe frente.

“O processo da leitura não passa disso: em cada momento nos surpreendemos (e isso dá-nos prazer) mas também a cada passo somos capazes de detectar as causas da nossa surpresa (e isso redobra o prazer). É um acto criativo, dinâmico, inesgotável” (BARRETO 1997:11). Se para ler é preciso ser capaz de estabelecer relações com o texto, o leitor deve adquirir na escola competências e estratégias que o ensinem a diferenciar os diferentes tipos de textos, adquirindo competências que o levem a compreender o texto e o motivem a uma troca significativa de experiência com o mesmo.

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“Compreender e aprender são fundamentalmente o mesmo processo, visto que à medida que aprendemos a ler aprendemos também algo a partir da leitura e ampliamos aquilo que já sabemos” (SMITH, 1982: 53). Se um texto é marcado por sua incompletude e só se completa no ato da leitura; se o leitor é aquele que vai fazer “funcionar” o texto, na medida em que o opera através da leitura, o ato de ler não pode se caracterizar como uma atividade passiva. Ao contrário, para essa concepção de leitura, o leitor é um elemento ativo no processo. (BRANDÃO e MICHELETTI in CHIAPPINI,2002:18).

Sobre as concepções de texto e o papel que o leitor possui em relação a ele, BRANDÃO e MICHELETTI (2002) traduzem as ideias de BAKHTIN e dividem- no em dois níveis:

“- no nível pragmático, o texto enquanto objecto veiculador de uma mensagem está atento em relação ao seu destinatário, mobilizando estratégias que tornem possível e facilitem a comunicação. Na perspectiva bakhtiniana, o outro, na figura do destinatário, se instala no próprio movimento de produção do texto na medida em que o autor orienta a sua fala tendo em vista o público-alvo seleccionado. Tem-se, ainda, o outro na figura do interdiscurso, do diálogo que todo texto trava com outros textos. Cabe ao leitor mobilizar seu universo de conhecimento para dar sentido, resgatar esta interdiscursividade, a fonte enunciativa desses outros discursos que atravessaram o texto;

- no nível linguístico semântico, o texto é uma 'potencialidade significativa' que se actualiza no acto da leitura, levado a efeito por um leitor instituído no próprio texto, capaz de reconstruir o universo representado a partir das indicações, pistas gramaticais, que lhe são fornecidas. É o movimento da leitura, o trabalho de elaboração de sentidos que dá concretude ao texto” (BRANDÃO e MICHELETTI, in CHIAPPINI,2002:19).

As histórias funcionam como uma ponte entre o real e o imaginário e, por meio da história, a criança observa diferentes pontos de vista, vários discursos e registos de língua, ampliando a sua percepção de tempo e de espaço, o seu vocabulário, desenvolvendo a reflexão e o espírito crítico, pois, a partir da leitura, ela pode pensar, duvidar, questionar-se, porém:

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“o sentido que o leitor atribui não poderá ser um sentido qualquer, será o sentido que o texto permite em interacção com o tipo de leitor que o lê, que o actualize, nomeadamente, de acordo com os seus conhecimentos e as suas expectativas. A liberdade do leitor não poderá ignorar o “sentido literal dos termos lexicais” (ECO, 1992:12)

CORRÊA (2005) destaca que a leitura literária eticamente desejável tem um campo de liberdade e de subjectividade que merece atenção por parte de professores desejosos ou obrigados a seguir parâmetros, supervisores, coordenadores, programas, manuais didácticos e pais, concluindo que, para que a literatura possa emancipar as crianças e jovens de hoje, é preciso um esforço do adulto – professor ou familiar – que estimule a formação de um sujeito-leitor e não apenas o force a ler. (CORRÊA in VERSIANI (org) 2005:52- 53).

Mendonza Fillola (2004) justifica a importância da formação leitora e, muito especialmente, da formação do leitor literário, baseando-se em dois pressupostos fundamentais: em primeiro lugar associado à ideia de que só se aprende a ler se o lido significar algo, ou, mais exactamente, se significar algo para o leitor (Smith, 1984); e, por outro, pelo facto da função do leitor consistir em conjecturar acerca da intenção do texto. (ECO, 1993)

As práticas de leitura encontradas normalmente nas escolas estão vinculadas a práticas avaliativas, que invalidam as experiências dos alunos, mais inibindo do que incentivando o hábito de leitura.

Sintetizando o processo de leitura, PEREIRA (2000) diz que este resulta de capacidades estratégicas gerais como: identificar, reconhecer, seleccionar, inferir, aplicar, accionando-se sempre a capacidade de compreensão mais literal (que a descodificação gramatical proporcionará), e a capacidade de compreensão inferencial, pela descodificação da estrutura textual mais profunda, mais conflituosa quanto maior o grau de literacidade que o texto assume.

“Definir leitura é, como se pode constatar, uma tarefa difícil, pois a forma de encarar o acto de ler varia de acordo com o olhar de quem lê, ensina a ler ou tem a leitura como objecto de estudo” (ALVES 2007:10).

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Fala-se muito sobre formar leitores críticos e reflexivos, e, para saber o conceito desse tipo de leitor, AGUIAR (1996), na revista Tempos Brasileiros, classifica entre outros comportamentos que um leitor competente deve ser capaz de:

“(…) buscar textos de acordo com seu horizonte de expectativas, selecionando obras segundo seus interesses e necessidades; localizar dados na obra (editora, local e data de publicação, prefácio, sumário, índices, capítulos, bibliografias, informações de conteúdos específicos); dialogar com novos textos, posicionando-se crítica e criativamente deles, por meio de um processo hermenêutico que envolve compreensão, interpretação e aplicação; trocar impressões e informações com outros leitores, posicionando-se com respeito aos textos lidos, fornecendo indicações de leitura e acatando os novos dados recebidos; ser receptivo a novos textos, que não confirmem seu horizonte de expectativas , sendo capaz de alargar seu gosto pela leitura e seu leque de preferências, a partir do conhecimento do movimento literário ao seu redor e da tradição; dá-se conta, por meio da conscientização do que acontece no processo de leitura, do seu crescimento enquanto leitor e ser humano.” (AGUIAR:1996:).

Como já discutimos anteriormente, o texto literário é utilizado frequentemente em contexto escolar para o ensino da língua. Discutiremos agora se as estratégias utilizadas contribuem para a formação de um leitor crítico, como referenciámos acima.

2.2. Práticas de trabalho: Cópia, interpretação, actividades de gramática e