• Nenhum resultado encontrado

REVISÃO DE LITERATURA

1. Literatura e o Manual escolar.

O texto é um dos instrumentos que frequentemente se encontra presente nas salas de aula, divergindo, entretanto, a sua utilização.

Não existe um único tipo de texto, podendo ser classificado dentro de diferentes tipologias que podem ou não estar presentes em sala de aula. São eles: textos literários, textos jornalísticos, textos de informação científica, textos instruccionais, textos epistolares, textos humorísticos e textos publicitários.

Estes textos são classificados de acordo com sua a intenção, levando em conta a função da linguagem que neles predomina, podendo ser informativa, expressiva, literária e apelativa.

É importante ressaltar que os textos geralmente não são originariamente escritos com fins pedagógicos, ou seja, eles sofrem uma didactização pelos manuais escolares e/ou pelos professores.

Sobre a forma como a Literatura é incorporada pelos livros e suas finalidades, SOARES (1999) assim se pronuncia:

“Numa primeira perspectiva, podem-se interpretar as relações entre escolarização, de um lado, e literatura infantil, de outro, como sendo a apropriação, pela escola, da literatura infantil: nesta perspectiva, analisa- se o processo pelo qual a escola toma para si a literatura infantil, escolariza-a, didatiza-a, pedagogiza-a, para atender a seus próprios fins faz dela uma literatura escolarizada.” (SOARES ,1999:17).

De acordo com ABRAMOVICH (2004), a Literatura Infanto-juvenil oferece uma abordagem diferente para a educação e para a construção do carácter e da pessoa social e moral da criança. Os textos literários constituem-se num mediador indispensável para o desenvolvimento do pensamento, da acção e da linguagem; oferecendo estímulos de imagem mental, criativa e imaginativa; fornecendo um contexto de inúmeros problemas atraentes para as crianças poderem se sentir desafiadas para solucioná-los.

Revisão de Literatura

32

O problema é que muitas vezes, pela forma como está incorporada nos manuais e práticas docentes, o texto literário presta um papel pedagogizante, pragmático, que tenta converter a narrativa artística em um artefacto de utilidade imediata. O manual escolar muitas vezes anula a experiência estética deste texto, trocando-a por outro tipo de interlocução escrita que afasta as crianças da literatura.

SOARES (1999) afirma que ao ser transportado do livro de literatura infantil para o livro didáctico o texto tem de sofrer, inevitavelmente, transformações, já que passa de um suporte para outro, sendo nítidas as diferenças entre eles.

“(…) ler diretamente no livro de literatura infantil é relacionar-se com um objeto-livro-de-literatura completamente diferente do objeto livro didático: são livros com finalidades diferentes, aspectos materiais diferentes, diagramação e ilustrações diferentes, protocolos de literatura diferentes”(SOARES, 1999:37).

Além de desprezar sua função comunicativa, KAUFMAN e RODRIGUES (1995) apontam que o livro didáctico, como todo texto que entra na sala de aula, está relacionado às políticas educacionais da série correspondente: o texto é escolhido levando-se em conta determinados conteúdos, normas curriculares que os traduzem e enfoques pedagógicos que sustentam essas normas.

ZILBERMAN (1998) lembra-nos que não é por acaso que a escola se utiliza do texto literário para fins “educativos”, uma vez que os primeiros textos para crianças foram escritos por pedagogos e professoras, e ainda hoje esse vínculo acarreta-lhe prejuízos, já que a literatura:

“(…) não é aceite como arte, por ter uma finalidade pragmática; e a presença deste objetivo didático faz com que ela participe de uma atividade comprometida com a dominação da criança” (ZILBERMAN 1998 :14).

Ainda sobre as relações entre escola e literatura, BATISTA (2004) relata que diferentes estudos vêm mostrando que a literatura infantil é um fenómeno

Revisão de Literatura

33

relativamente recente, que emerge dentre outros factores estreitamente associados à escola. Escrever para crianças parece ter consistido, em grande parte, escrever para o aluno.

A importância da obra de ficção na escola é problematizada por ZILBERMAN (1985), que vê na natureza formativa um aspecto em comum entre a literatura e a escola. O carácter formador da literatura é diferente de uma função pedagógica. Enquanto o pedagogismo se empenha em ensinar, num sentido positivista, transmitindo conceitos definidos, a ficção estimula o desenvolvimento da individualidade. A criança (ou o leitor em formação) terá mais estímulo imaginativo com a ficção do que na recepção de postulados que devem ser decorados. A criança tem, então, na escola, um espaço reservado à iniciação da leitura.

“(…) o modo e compreensão literária, baseia-se, como se sabe, na interação entre texto e leitor. Somos assim chegados a um ponto de convergência entre paradigmas didáticos e paradigmas teóricos do estudo da literatura. (…) de acordo com o paradigma comunicacional, temos um entendimento do aluno-leitor como centro fulcral do processo de ensino-aprendizagem da literatura” (MELLO, 1998:280).

Como sabemos, o texto literário faz-se presente nas escolas tendo como principal divulgador o manual escolar, que, segundo AZEVEDO (2005:77), para muitos alunos é sinónimo de escola, informações e lições, ou seja, o texto literário é visto como obrigatoriedade, já que a sua presença está quase sempre vinculada a actividades de ensino da Língua.

O mesmo autor explica que a falta de leitura dos estudantes, principalmente a de textos literários, deve-se, em alguns casos, a factores socioeconómicos, devido ao alto preço dos livros. É comum que muitos alunos só tenham acesso ao texto literário por meio do livro didáctico.

A nosso ver, a Literatura Infantil deve ser vista como uma forma do educador trazer uma alternativa ao ensino habitual, oferecendo às crianças tarefas que as façam pensar e que as deixem estimuladas a ponto de quererem trabalhar novos desafios. É necessário que a escola crie e procure apontar cada vez mais no

Revisão de Literatura

34

desenvolvimento de atitudes, capacidades e competências voltadas para uma lógica de educação para a literacia que se define como:

“a state of becoming, not a point to be reached.(…) What is important [about literacy] is how the skills are developed and what nourishes their development.” (SLOAN, 1991: 4)

Mas, o que encontramos são práticas “presas” ao uso do manual escolar, que trazem textos escolhidos por autores para ensinar conteúdos gramaticais, a ler ou escrever e actividades que mais afastam do que aproximam os alunos da verdadeira finalidade da Literatura Infantil.

O livro didáctico seria então aquele que, de forma mais clara e compreensível, procura orientar os professores no seu trabalho, para que consiga transmitir ao aluno o conhecimento de determinadas disciplinas. O problema é que o livro didáctico assume o carácter de “critério de verdade”, a última palavra sobre o assunto.

“(...) nenhum livro didático pode ser seguido página por página ou capítulo por capítulo Não é possível que um só livro forneça informações completas sobre todos os problemas que a classe precisa estudar” (OLIVEIRA, 1968:95).

A selecção dos textos presentes nestes livros, por seus autores, ou quando trazidos pelos professores em suas pesquisas (normalmente de outros livros didácticos) para trabalhar conteúdos considerados por estes mais adequados que os que o “seu” manual lhes oferece, deve, segundo ZILBERMAN (1998), guiar-se pela qualidade estética, porque assim a Literatura Infantil atinge o estatuto de arte literária e se distancia da sua origem comprometida com a pedagogia, quando apresenta textos de valor artístico a seus pequenos leitores.

“(…) provindo de uma tomada de decisão da qual a criança não participa, mas cujos efeitos percebe, a literatura infantil pode ser considerada uma espécie de traição, uma vez que lida com as emoções e o prazer dos

Revisão de Literatura

35

leitores, para dirigi-los a uma realidade que, por melhor e mais adequada que seja, eles em princípio não escolheram. Nesta medida, a literatura infantil somente poderá alcançar sua verdadeira dimensão artística e estética pela superação dos fatores que intervieram sua geração” (ZILBERMAN 1998:40).

É importante saber com que objectivo o texto literário é utilizado em contexto escolar, como é trabalhada a sua leitura e interpretação, para percebermos que tipo de leitores estamos formando.

2. Ler, interpretar e escrever, a prática escolar através do uso do texto