5. LETRAMENTO OU ALFABETIZAÇÃO: CONCEPÇÕES ACERCA DO ENSINO
5.1 E agora professor? afinal, um aluno letrado é aquele que
5.1.2 Letramento e alfabetização: Processos distintos ou complementares?
Buscamos compreender a visão de alfabetização e letramento dos professores que
lecionam Língua Portuguesa a alunos Surdos. Queríamos constatar se julgavam esses processos
distintos ou complementares. Ressaltamos que tal concepção afeta diretamente o conceito de
letramento que posteriormente iremos apresentar.
No capítulo 2 fizemos uma explanação aceca dos conceitos de alfabetização e
letramento, destacando a evolução desses conceitos em diferentes contextos, bem como sua
aplicação equivocada. A fala dos participantes manifesta uma diversidade de opiniões. Ao
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apresentarmos em breve uma devolução dos resultados, teremos a chance de complementar o
entendimento que eles possuem do ensino de Língua Portuguesa para alunos surdos.
Entre os professores Língua Portuguesa, a opinião de que os processos de letramento e
alfabetização são complementares foi unânime. Esse resultado nos leva a refletir se a formação
específica não ofereceria mais subsídio a esses participantes, em relação aos demais. Dessa
forma, fica a seguinte questão: Como oportunizar aos demais profissionais conhecimentos
específicos que favorecessem o processo ensino aprendizagem dos alunos surdos? Seria
desejável formação específica além do curso de pedagogia ou do curso normal? Deixamos aqui
nossas inquietações para que nossos leitores também reflitam conosco a esse respeito.
Pretendemos difundir os achados e nossas concepções a todos os professores envolvidos nessa
pesquisa, com vistas a dirimir as dúvidas a respeito do conceito de letramento no contexto
escolar.
Imaginávamos que os profissionais participantes da pesquisa tivessem maior clareza e
esse respeito. No entanto, a constatação sobre a confusão que trazem em relação ao letramento
ficou evidente nas respostas dadas.
PROFESSORA SOLANGE - Letramento pra mim é pra mais do que alfabetização letramento é leitura de mundo. É óbvio que dentro da escola é bem complicado. Mas se, por exemplo, eu puder fazer o reconto de uma história. Como a dos Três Porquinhos e cada e vivenciar aquela história como um porquinho. Ou seja, trazer uma palha pra tentar montar uma casa de palha; trazer uma pedra pra, sei lá, tentar recriar, mesmo que sem a pedra e depois você desenhar a casa e falar que ela é de pedra. Essa experiência fará com que você seja letrado (Transcrição de entrevista realizada com a professora Solange – Classe Bilíngue).
PROFESSORA HELEN - Então, assim, a de ir ao mercado, de comprar foi rica para eles. Depois a gente chegou e fez o lanche dentro de sala de aula. Essa iniciativa, eu acho, vai tornando a pessoa letrada (Transcrição de entrevista realizada com a professora Helen – Classe Bilíngue).
Solange ressalta as dificuldades de compreensão do contexto social, devido aos alunos
não terem acesso a essas informações através de seus pais, que desconhecem Libras, fato muito
comum em famílias ouvintes que possuem um filho surdo. Todavia, a afirmação da professora
Solange nos leva a acreditar que existe, para ela, uma desconexão dos processos de
alfabetização e letramento. Corroborando com o pensamento de Solange, a professora Helen
cita uma atividade realizada com a turma, para exemplificar sua concepção de letramento e
alfabetização, atividade essa com foco na contextualização do que viria a ser um supermercado,
o serviço oferecido e o papel dos funcionários. Percebemos que Helen prefere evitar utilizar o
termo “alfabetização”, pois a atividade não tinha como objetivo a produção escrita. Nota-se nas
duas conceituações que as docentes consideram importante trabalhar o processo de letramento
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com seus alunos. No entanto, ambas têm dúvidas sobre se esses dois conceitos são ou não
dissociados na prática de ensino da L2 para educandos surdos.
Também buscamos conhecer a concepção dos professores do AEE, por considerarmos
ser esse o lócus instituído para o ensino da Língua Portuguesa para alunos surdos. Durante as
entrevistas, uma docente evidenciou a compreensão de que os processos de letramento e
alfabetização estão associados, de forma que um perpassa o outro e muitas vezes até se
complementam. De forma a embasar nossa afirmação, apresentamos a fala da professora
Yamanaka:
Algumas questões da vida em sociedade ainda não foram por eles assimiladas, por falta de comunicação em suas famílias e este fator interfere na capacidade dele deste educando em compreender conceitos mais abstratos, interfere em sua capacidade de interpretação de fatos... Então isso influencia as escolhas de textos que realizo (Transcrição de entrevista realizada com a professora Yamanaka - AEE).
A resposta tecnicamente correta, dada pela docente, deveu-se a larga experiência como
professora do AEE, mas também de ter atuado como professora de classes bilíngues, por 15
anos. Além do desenvolvimento adquirido na prática, a professora destaca a formação –
realizada em 2005 - em curso de extensão de 360 horas na Fundação Educacional de Duque de
Caxias (Feuduc), direcionado ao processo de ensino/aprendizagem de alunos surdos. Neste
curso, além de aulas sobre fundamentos históricos e teóricos da área da surdez, foram
problematizadas várias questões sobre a prática pedagógica com alunos surdos, principalmente
no que se referia ao ensino da Língua Portuguesa como Segunda Língua (L2). A professora
considerou o curso muito proveitoso, mas ainda insuficiente, diante da complexidade no
cotidiano, “é necessário um maior investimento em formação para que possamos ter uma prática
de mais qualidade. Nossa rede precisa investir nisso” (Transcrição de entrevista realizada com
a professora Yamanaka - AEE).
Infelizmente o conhecimento apresentado pela professora se distingue da opinião das
demais professoras do AEE, como podemos verificar no trecho da entrevista realizada com a
professora Ludmila destacado a seguir:
Saber ler e escrever não é sinônimo de letramento, mas sim de alfabetização. O aluno pode ser considerado letrado se consegue se deslocar de casa para a escola por exemplo. Se sabe o que significa uma placa de sinal de trânsito, se está sempre antenado sobre o que acontece “a sua volta. Um aluno surdo nunca será capaz de ler como um aluno ouvinte. (Transcrição de entrevista realizada com a professora Ludmila - AEE).
Ludmila é professora do Atendimento Educacional Especializado (AEE) destinado ao
atendimento de alunos surdos. Isso deveria corresponder a ter conhecimentos mais específicos
no que se refere aos conceitos de letramento em L2 direcionado aos alunos surdos. Uma maior
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apropriação desses conceitos contribuiria para o desdobramento de práticas pedagógicas mais
especializadas.
Como relatado por nós anteriormente, é notável uma concepção mais acertada pelos
professores de Língua Portuguesa, pois afirmam serem os conceitos de letramento e
alfabetização complementares e indissociáveis, como podemos verificar a seguir:
PROFESSORA RENATA - Para ser ele considerado letrado o aluno precisa entender o que ele leu e dar uma resposta adequada. Nem sempre é gramaticalmente perfeito, mas precisamos compreender isso, acho que o objetivo é comunicar. Ele deu uma resposta coerente? Para mim está de bom tamanho (Transcrição de entrevista realizada com a professora Renata - LP).
PROFESSORA MAÍRA - Eu acho que o conceito de letramento de um aluno surdo é o mesmo na verdade que o de um aluno ouvinte. Desde que ele saiba ler, escrever, interpretar. O letramento se refere à habilidade desenvolvida por um aluno alfabetizado, ou seja, se esse aluno sabe se colocar e escrever, utilizando a língua, o que pensa, esse é o letramento (Transcrição de entrevista realizada com a professora Maíra - LP).
PROFESSORA CÍNTIA - O letramento para mim é baseado na visão da Magda Soares. Definitivamente ele não está restrito a alfabetização isolada. O letramento é um processo que ocorre sempre que expostos a um texto (Transcrição de entrevista realizada com a professora Cíntia - LP).
PROFESSORA INDIRA - Letramento é a capacidade de entender textos minimamente construídos e necessários para a comunicação, então um aluno letrado é aquele que consegue se comunicar e entender aquilo que acontece ao seu redor. Se ele consegue essa leitura e produção escrita de forma a se comunicar e entender o ambiente e os acontecimentos do seu cotidiano, ele já está letrado em Língua Portuguesa (Transcrição de entrevista realizada com a professora Indira - LP).
É notório que os professores de Língua Portuguesa entendem, assim como nossa
pesquisa defende, que o processo de letramento se encontra diretamente relacionado ao
processo de alfabetização, assim como a complementariedade de um em relação ao outro.
Destacamos que nossa concepção se refere ao âmbito educacional ou acadêmico.
Ainda que não seja objetivo dessa pesquisa analisar o processo de formação dos
professores ou como ocorre a formação continuada, ficou evidente, no contato com as
professoras, que ainda faltam conhecimentos não apenas sobre os conceitos de letramento e
alfabetização, mas sobre as especificidades do desenvolvimento de alunos que têm na escola, a
única oportunidade de aquisição da língua portuguesa como segunda língua (L2).
Entendemos que as concepções apresentadas pelos participantes influenciam e
impactam diretamente as práticas pedagógicas educacionais. Considerando essa afirmação,
ressaltamos a necessidade de buscarmos um processo de escolarização de acordo com preceitos
que propugnem possibilidades de aquisição da Língua Portuguesa por alunos surdos. No
próximo capítulo abordaremos sobre a importância das práticas pedagógicas para a viabilização
do desenvolvimento neste contexto. Enfim, destacamos que com exceção de uma professora de
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