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5. LETRAMENTO OU ALFABETIZAÇÃO: CONCEPÇÕES ACERCA DO ENSINO

5.3 Produção textual e autoria: como percebo a escrita dos alunos surdos?

No texto anterior, expomos as práticas pedagógicas dos professores participantes da

pesquisa, destinadas ao ensino da Língua Portuguesa. Consideramos as informações obtidas

fundamentais para analisarmos os aspectos da produção textual dos alunos surdos, destacadas

pelos professores.

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Ao se referirem aos aspectos da Língua Portuguesa presentes e ausentes nos textos

produzidos pelos alunos surdos, percebemos que os entrevistados compreendem as dificuldades

dos alunos, quanto ao domínio da modalidade escrita da L2 e que esse aspecto está diretamente

relacionado ao fato de que a L1 desses alunos, ou seja, a Libras, não possui a modalidade escrita,

dificultando um pouco mais o estabelecimento de relações de semelhança e divergência ente as

duas línguas.

Os professores demonstraram também, a compreensão de que é necessária uma maior

exposição e prática de elaboração de textos enfatizando diferentes gêneros textuais, e que a

resistência e o receio de não serem capazes de escrever corretamente, com o tempo e muita

prática discursiva, poderão ser superados, conforme poderemos observar no quadro a seguir,

que sintetiza as respostas obtidas.

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Quadro 11: Visão geral da percepção dos participantes, acerca da produção textual de seus alunos

PRODUÇÃO TEXTUAL E AUTORIA

Subcategorias Área de atuação Síntese do resultado encontrado

• Interlíngua • Dificuldades com a estrutura da L2 Resistência e insegurança • Preocupação com a forma Professores de Língua Portuguesa

Os professores revelam uma extrema resistência e insegurança, por parte dos alunos, durante a realização das atividades de produção textual. A preocupação em escrever corretamente e latente, já que sem o intermédio do TILSP, os alunos não conseguem transpor da L1 para a L2, e acabam por escrever minimamente, com base na estrutura da Libras. Os professores revelam uma grande preocupação dos alunos acerca da forma e da estrutura da Língua Portuguesa utilizada em seus textos. A resistência e insegurança por parte dos alunos, só citada por um dos participantes. Os alunos demonstram estar em processo de interlíngua.

Professores do AEE

Os professores revelam perceber que os alunos possuem pouco vocabulário e atribuem a esse fato a insegurança e resistência inicial de participem das atividades de produção escrita. Os alunos demonstram preocupação em terem sua escrita compreendida. A insegurança e reflexo dos textos vistos pelos professores como sem coesão e sem que a capacidade de cumprir o papel de transmissão de informação. Os professores revelam que os alunos do AEE compreendem bem a necessidade de estarem constantemente em contato com a leitura e a produção textual, embora demonstrem certa insegurança, entendem que sua escrita está em processo de interlíngua. A maior preocupação dos alunos consiste em estar escrevendo de acordo com a estrutura da Língua Portuguesa. Professores

de Classe Bilíngue

Os professores revelam que os alunos demonstram resistência e insegurança frente às atividades de produção textual, pois ainda não acreditam serem capazes de escrever utilizando corretamente Língua Portuguesa.

Fonte: Quadro elaborado pela autora para fins desta tese

A apropriação de conceitos por alunos surdos ocorre mediada da língua de sinais.

Mediante essa afirmação, entendemos que a Libras precisa ser incorporada às práticas

pedagógicas, que contemplem os direitos linguísticos dos alunos surdos. Igualmente garantida

por lei, é a aprendizagem da Língua Portuguesa em sua modalidade escrita, tendo em vista que

o acesso aos bens culturais é adquirido prioritariamente através do registro escrito. Assim, a

falta de domínio da língua escrita impossibilita o acesso a esses conhecimentos, bem como a

possibilidade de assimilar o que dizem diferentes discursos do meio em que circulam (LODI;

BORTOLOTTI; CAVALMORETI, 2014).

O acesso à informação em Libras é fundamental para a aquisição da Língua Portuguesa

em sua modalidade escrita, pois essa funciona como canal de acesso aos significados e

conceitos da língua alvo. Dessa forma, iniciaremos nossas inferências, destacando a fala da

professora Indira, ao declarar que:

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Os alunos desse ano não produziram muita coisa não. Eles não conseguiram, até porque não tinham intérpretes, então éramos só nós. São alunos surdos que tem resíduo, eles ainda conseguem ouvir alguma coisa. Na hora da produção textual precisava de outra pessoa com eles, porque eu não podia parar para explicar a eles e abandonar o resto da turma. Eu tenho que fazer o trabalho de duas pessoas sozinha, não dá. Ai claro, eles não escreviam, diziam que não sabiam escrever, resistiam sem sequer tentar.

De acordo com Fernandes (2006, p. 134), “a língua de sinais exerce função semelhante

à oralidade no aprendizado da escrita pelos surdos, possibilitando a internalização de

significados, conceitos, valores e conhecimentos” que por sua vez possibilitam “a apropriação

imagética do sistema de signos escritos”. Assim, a ausência do intérprete impossibilita a

assimilação de aspectos fundamentais para o aprendizado da modalidade escrita da Língua

Portuguesa. Sem acesso as informações transmitidas pelo professor e sem a utilização de uma

língua comum com os demais alunos, a realização das atividades elaboradas pela professora

Indira ficou comprometida.

A existência de um ambiente de trocas dialógicas é fundamental para o processo de

ensino e aprendizagem de alunos surdos. No entanto, essas trocas precisam ocorrer em língua

de sinais, de maneira a subsidiar a construção de conhecimento necessário para que ocorra a

aquisição de leitura e de escrita (GUARINELLO, 2007). Entendemos a impossibilidade de

comunicação efetiva ente a professora e os alunos, pois sem a presença do intérprete e uma

língua em comum, os alunos surdos acabavam por ficar prejudicados e excluídos do contexto

de aprendizagem.

Embora vários professores participantes da pesquisa tenham destacado a ausência de

intérpretes para mediar o processo de construção de conhecimento durante as aulas, tivemos

relatos positivos acerca do desempenho de alguns alunos surdos. É fato que muitos desses

tinham acesso ao AEE, e nesse espaço adquiriram os conhecimentos prévios necessários para

realiza produções textuais. Como vimos anteriormente, a professora Yamanaka, que atua no

AEE, exemplificou como prática para o ensino da Língua Portuguesa, o trabalho com a

produção de diferentes gêneros textuais, no âmbito da Sala de Recursos Multifuncional. Tal

afirmação encontra eco na fala da professora Cíntia, que destaca a importância do AEE

estabelece uma parceria com o professor das classes regulares:

Eu sei que quando elas fazem aula na Sala de Recursos Multifuncional, eles passam a te uma preocupação bem bacana com questões referentes a estrutura da Língua Portuguesa. Quando o aluno já tem essa abordagem no AEE, para mim já facilita muito, porque em sala de aula eu tenho, às vezes, que dar um ritmo mais acelerado até porque que eu tenho os ouvintes. Então o apoio sala de recursos é fundamental, pois lá o professor pode pontuar e fazer tudo que for necessário para que a escrita dos

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alunos se aprimore cada vez mais, e se aproxime cada vez mais do esperado (Transcrição de entrevista realizada com a professora Cintia - LP).

A parceria a que Cíntia se refere, entre os professores do AEE e da classe regular,

também é destacada no texto A pesquisa colaborativa e a produção de instrumentos de

avaliação: uma análise da parceria entre o professor especialista e da classe regular

(ALMEIDA; KELMAN, 2018), que teve por objetivo, refletir acerca das contribuições da

pesquisa colaborativa como possibilidade de reflexão das práticas pedagógicas utilizadas por

professores de alunos surdos, inseridos em classes regulares. A investigação teve a duração de

um semestre letivo, no qual foram observadas várias práticas de avaliação utilizadas pelo professor

regente. Destacamos ainda que todas estas tiveram a mediação do pelo Tradutor Intérprete de

Língua de Sinais e Língua Portuguesa (TILSP).

O texto destaca a importância de algumas estratégias pedagógicas, utilizadas pelo

professor da classe regular, a saber: disponibilizar uma pequena parte de suas aulas para que os

alunos surdos e ouvintes aprendam sinais referentes aos conceitos trabalhados, utilizar o mesmo

modelo de avaliação para ambos, surdos ou ouvintes, permitir que pouco antes da realização da

avaliação, os alunos se reúnam em pequenos grupos mistos (compostos por surdos e ouvintes)

para estudar, ou seja, surdos e ouvintes participavam dos grupos e construíam juntos o

conhecimento relativo a avaliação através da interação em Libras.

A esse respeito, Kelman e Branco (2004, p. 497) enfatizam a complexidade da

construção de conhecimento em turmas inclusivas, pois nesse caso, a “questão torna-se

especialmente mais complexa, face à maior diversidade dos alunos na sala de aula que

demandam, por parte do professor, procedimentos muito elaborados, envolvendo trabalhos

pedagógicos e processos de avaliação diversificados”, de forma que torna o processo ensino

aprendizagem profícuo, tornando o ambiente de sala de aula e mesmo o momento da avaliação

mais agradáveis e favorável à aprendizagem de ambos, surdos e ouvintes.

Outro aspecto percebido pelos participantes, se refere ao fato de reconhecerem que a

produção escrita dos alunos surdos, encontra-se em um processo de interlíngua, muito comum

em aprendizes de uma segunda língua. A esse respeito, a professora Elisa destaca que em uma

atividade proposta por ela, o aluno “descreveu o dia a dia dele, mas naquela linguagem de um

aluno que sabe libras, que está aprendendo uma segunda língua, mas o que importa é que ele

conseguiu atingir o objetivo” (Transcrição de entrevista realizada com a professora Elisa – LP).

Corroborando com o a percepção de Elisa sobre os alunos surdos apresentarem em sua

escrita, características referentes ao processo de interlíngua, apresentaremos a seguir a fala de

três participantes da pesquisa, sendo uma de cada área de atuação investigada:

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PROFESSORA CÍNTIA – Uma coisa que é fruto de algo que eu aprendi, é a aceitar que a escrita do surdo é também uma escrita em língua portuguesa com um padrão do surdo. Além disso, entendo que qualquer usuário de uma segunda língua, passa por um processo de interlíngua que pode durar menos ou pode durar mais (Transcrição de entrevista realizada com a professora Cíntia - LP).

PROFESSORA YAMANAKA – A estrutura da língua portuguesa muitas vezes fica em segundo plano, em relação à língua de sinais. Para muitos alunos, o maior problema consiste principalmente, em transpor o texto da sua língua para a língua portuguesa. Só que nós sabemos que esse é um processo lento, comum a todos os usuários e aprendizes de uma segunda língua (Transcrição de entrevista realizada com a professora Yamanaka - AEE).

PROFESSORA ADRIANA – Obviamente que eles escrevem de acordo com a estrutura da língua deles, que é a Libras. Mas com o tempo e a prática de escrita, eles conseguem avançar, e passam a escrever mais de acordo com a estrutura da Língua Portuguesa. Mas é isso, é um processo que depende dos alunos também, do quanto ele se esforça para ler sempre que estão em contato com um texto. Quando eles entendem que essa é a única maneira de aprender, lendo e escrevendo sempre que possível, eles desenvolvem mais rápido (Transcrição de entrevista realizada com a professora Adriana – Classe Bilíngue).

Ellis (1995) define interlíngua como um processo, ou seja, um sistema contínuo e

intermediário que é produzido pelo falante em qualquer estágio de aquisição de uma segunda

língua. Possui características tais como a maleabilidade e a flexibilidade alto grau de

permeabilidade, estando sempre em constante mudança. Ainda lentamente, ela sempre retoma

o que foi internalizado de forma a acomodar novas hipóteses da segunda língua, pois consiste

em um processo constante de revisão e ampliação de regras. Durão (2007) destaca que o

conceito de “interlíngua” pode ser classificado como um construto linguístico instável, pois

possui paralelamente características da língua materna e da segunda língua, que passa por

avanços e retrocessos.

Para que o processo de aquisição da língua escrita e do letramento alcance resultados

satisfatórios, se faz necessário que ocorra um constante “movimento do mundo para o texto e

do texto para a continuidade da leitura do mundo” (VALENTINI; BISOL, 2011, p. 111). É no

decorrer desse processo, em que repetidamente, a pessoa surda precisa realizar uma análise

implícita e explícita entre as diferenças e semelhanças presentes na estrutura da língua de sinais

e da Língua Portuguesa, na modalidade escrita.

Nesse complexo jogo entre a língua de sinais e a língua escrita, os alunos surdos

“elaboram um sistema que não mais representa a primeira língua, ou seja, a língua de sinais,

mas também ainda não representa a língua alvo, ou seja, o português escrito” (VALENTINI;

BISOL, 2011). As autoras destacam que a interlíngua ainda não consiste na Língua Portuguesa

escrita convencional; antes apresenta regras e uma estrutura que também não representa a língua

de sinais.

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Sendo assim, é comum encontrarmos uma estrutura que consideramos de difícil

compreensão, nos textos das pessoas surdas. Isso ocorre porque ainda não assimilaram a

estrutura e as regras da Língua Portuguesa escrita remetendo-se ainda a língua de sinais. Em

acordo com essa afirmação, a professora Aline destaca que:

Em relação aos alunos que tem até 12 anos de idade, observa-se que não têm segurança para produzir um texto. Raros são os casos dos alunos que conseguem transmitir mensagens, enunciados curtos, que de fato consiga transmitir alguma informação. Já os alunos com mais de 14 anos de idade, que já estão há maior tempo frequentando o Ensino Fundamental, já tem certa autonomia para produzir mensagens, enunciados comunicativos, com uma intenção social (Transcrição de entrevista realizada com a professora Aline – LP).

Observamos por meio do relato da professora Aline que é compreensível que os alunos

além de se sentirem inseguros, também tenham dificuldade para expor suas ideias em Língua

Portuguesa, tendo em vista que estão passando por um processo de aquisição de uma segunda

língua. A esse respeito, Quadros e Schmiedt (2006) enfatizam a existência de três estágios de

aquisição de língua, que se desenvolvem progressivamente, ou seja, a interlíngua.

• Estágio 1 – Nesse estágio a escrita ainda está muito próxima a da língua de sinais,

com características tais como: inadequação ou omissão de artigos, preposições, conjunções;

empego de verbos no infinitivo, raro emprego de verbos de ligação (ser, estar, ficar). Esta

estrutura linguística é comum na fase inicial de aquisição da língua escrita, como podemos

observar na no texto a seguir:

Imagem 01: Produção textual de aluno surdo de oito anos de idade, cursando o terceiro ano do ensino fundamental, sobre o seu colega Lúcio

Fonte: Alves (2010, p. 07)

Alves (2010) evidencia o fato de que o autor surdo do texto supracitado se encontra no

estágio inicial do processo de interlíngua. Com base na redação intitulada “Na sua estante”,

podemos observar o predomínio de construções frasais simples; a utilização da estrutura

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gramatical semelhante à da língua de sinais; o predomínio de palavras desconectadas de uma

estrutura textual (substantivos, adjetivos, verbos); o não emprego de verbos de ligação; de

preposições; a ausência de conjunções e, finalmente, falta de flexão verbal.

[...] gente precisa de maneira geral sempre trabalhar de forma comparativa, porque se não for de forma comparativa... ele tem que partir da língua que ele usa. Por exemplo: preposições, conjunções, flexões verbais e outras questões gramaticais, que na língua de sinais não existe, a gente precisa estar o tempo inteiro trabalhando de forma comparativa (Transcrição de entrevista realizada com a professora Cíntia – LP).

A crença de que não existam flexões verbais e questões gramaticais em Libras, nos

remete ao desconhecimento dos professores acerca de questões linguísticas referentes à língua

de sinais e sua constituição. Todavia, A Língua Brasileira de Sinais (Libras) possui uma

estrutura gramatical específica com elementos constitutivos de estrutura gramatical que

também são evidenciados nas línguas orais. A gramática da Libras possui níveis linguísticos

tais como: a fonologia, a morfologia, a sintaxe, a semântica e a pragmática. Ressaltamos ainda

que a gramática da língua de sinais também varia de acordo com contexto comunicativo:

formal, informal, regional e padronizado, sendo, portanto, semelhante às línguas orais também

no que se refere a esse aspecto. Indo ao encontro a esse fato, as professoras Cíntia e Maíra

destacam o desconhecimento, de sua parte, da estrutura linguística da Libras ao relatar um

episódio ocorrido durante uma de suas aulas.

Uma experiência que foi muito legal que eu fiz com ele ano passado. Esse ano não fiz não. Eu pedi a ele para interpretar um texto que ele havia escrito. Ele morreu de vergonha, mas o que eu queria demonstrar para os alunos é que nós no caso que somos ouvintes nós não conseguimos assim muitas vezes entende a amplitude da Libras, então toda parte gestual foi muito bacana ne, essa troca com a turma (Transcrição de entrevista realizada com a professora Cíntia – LP).

• Estágio 2 – Apresenta características das duas línguas. A estrutura frasal possui ora

aspectos linguísticos pertencentes à língua de sinais, ora aspectos gramaticais das frases em

Língua Portuguesa. As frases e palavras são utilizadas justapostas, muitas vezes não resultando

em efeito de sentido comunicativo. Há o emprego de verbos no infinitivo, mas também

flexionados. Pode ocorrer o emprego de verbos de ligação com correção, assim como de artigos,

que podem ou não concordar com os nomes que os acompanham, como se pode observar na

imagem do texto a seguir:

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Imagem 02: Produção textual de aluno surdo de oito anos de idade, cursando o 3◦ ano do ensino fundamental, sobre o seu colega Lúcio

Fonte: Streiechen e Krause-Lemke (2014, p.969).

Ao analisar o texto, Streiechen e Krause-Lemke (2014) destacam que, na maioria das

frases, o autor repetiu o sujeito “Lúcio”, provavelmente por não possuir conhecimento acerca

da utilização de pronomes, ainda que na frase: “Ele meu amigo muito Lúcio” (linhas 03 e 04),

tenha utilizado o pronome pessoal “Ele”. O autor demonstrou ainda, conhecimento quanto a

utilização de substantivos próprios e noções básicas de pontuação. Utilizou corretamente a

conjunção “e” (linha 03), estabelecendo relação entre a Libras e a Língua Portuguesa escrita.

A frase: “O Lúcio vem onibis”, (linha 07), além da grafia equivocada da palavra ônibus, não

apresenta sentido completo, assim como “Lúcio tem bebê Manuele” (linha 06) que faz

referência a irmã do aluno, e não a uma filha. Streiechen e Krause-Lemke (2014) destacam que

os elementos contextuais em questão, só puderam ser trazidos para a análise devido à interação

com o aluno surdo. Indo ao encontro da análise feita pelas autoras, a professora Renata destaca

que:

Quando a gente orienta, pede que façam e insiste com alguns, eles dão conta. Claro que a produção vem sem conectivos ou às vezes quando eles inserem nem sempre é da forma mais adequada, mas a gente avalia pelo contexto e se eles atingiram o objetivo daquela atividade (Transcrição de entrevista realizada com a professora Renata – LP).

A professora se refere a alunos surdos do segundo segmento do Ensino Fundamental,

que frequentam classes regulares. Podemos depreender então que tais alunos estariam no

estágio dois de interlíngua, no qual já existe clareza acerca da mensagem a ser comunicada, em

seus textos.

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• Estágio 3 – É o que mais se aproxima da escrita da Língua Portuguesa convencional,

ou seja, com emprego de conectivos tais como, conjunções, advérbios, preposições e pronomes.

Neste estágio o autor e capaz de utilizar também as flexões de gênero, número e grau dos

substantivos, além da flexão verbal e do emprego de verbos de ligação ser, estar, ficar. A

imagem seguir apesenta as características destacadas:

Imagem 03: Produção textual de grupo de surdos do 2º ano do ensino médio

Fonte: Streiechen e Krause-Lemke (2014, p.980).

O texto apresentado por Streiechen e Krause-Lemke (2014) foi produzido para uma

edição de um jornal escolar, cujo tema era “inclusão”. As autoras destacam que o texto

demonstra que os alunos já conseguem fazer uso de alguns conectivos, tais como: “atividade

junto com ouvinte” (linha 03); “Professores e colegas” (linhas 03 e 04). É realizada também

tentativa de conjugação de verbal, por meio da utilização do verbo TER, que na maioria das

frases foi empregado corretamente, a saber: “nenhum colega tem preconceito” (linhas 02 e 03);

“porque tem livre decreto” (linha 07); “nossa turma porque tem surdos” (linha 12); “mas tem

professores” (linhas 12 e 13). No entanto, Streiechen e Krause-Lemke (2014) destacam que nas

linhas 04 e 05 “Nós surdos ter orgulho”, este mesmo verbo foi utilizado no infinitivo e não na

3ª pessoa do plural “temos”, como seria o correto.

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Se observarmos a estrutura presente no texto, de forma contextual, conseguiremos

compreender o mesmo. Para tanto, se faz necessário que nosso foco não se detenha nos “erros”

cometidos, pois estes são características que emergem em textos escritos em segunda língua, e

não em uma limitação linguística ou cognitiva. A esse respeito, Fernandes (2007, p.104) declara

que muitos professores, por desconhecimento das especificidades linguísticas referentes a

surdez, tratam essa escrita “de forma marginal e consiste no vetor da exclusão e das avaliações

arbitrárias a que são submetidos alunos surdos na escola”. Nessa mesma linha, o decreto n◦

5.626 (BRASIL, 2005, p. 03) em seu capítulo IV, art. 14, estabelece a garantia às pessoas

surdas, no que se refere ao “acesso à comunicação, à informação e à educação nos processos

seletivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas