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5. LETRAMENTO OU ALFABETIZAÇÃO: CONCEPÇÕES ACERCA DO ENSINO

5.1 E agora professor? afinal, um aluno letrado é aquele que

5.1.1 Letramento com foco acadêmico ou social?

5.1.1.1 O que dizem os professores de Língua Portuguesa

Vários professores participantes da pesquisa destacaram a importância da leitura e

produção de diferentes gêneros textuais, como pré-requisito para que um aluno seja considerado

letrado. No entanto, os professores de Língua Portuguesa demostraram um conhecimento mais

profundo de tais questões. Dentre as entrevistadas, tivemos uma docente, professora de uma

das escolas, que apresentou a seguinte resposta quando indagada sobre o que entendia como

letramento:

O letramento na minha concepção é uma leitura de mundo, é um aluno que não apenas decodifica o código linguístico, mas consegue compreender e associar o que ele está lendo nas atividades do dia a dia, seja através de textos verbais registrados, ou mesmo de textos não verbais. Esse aluno precisa ser capaz de produzir esses textos, pois isso vai lhe proporcionar experiências de comunicação com outro também... (Transcrição de entrevista realizada com a professora Elisa - LP).

Elisa deixa evidente a importância dos aspectos sociais para o processo de letramento.

No entanto, evidencia que este está diretamente associado a práticas de leitura e escrita, de

diferentes gêneros textuais, sempre com foco na função comunicativa, presente nos gêneros

textuais e nas relações que se estabelece com o conhecimento. Corroborando com a fala de

Geraldi (1997) é por intermédio da leitura do outro que o indivíduo tem acesso a pensamentos

diferentes do seu. E uma vez que tem a oportunidade de analisá-los em relação aos seus próprios

pensamentos, tem início a elaboração de um pensamento influenciado pelo pensamento do

outro, ou seja, o pensamento inicial dá origem a um pensamento carregado pela subjetividade

presente no texto do outro (GERALDI, 1997).

Com certeza o conhecimento dessa perspectiva, não apenas colabora para que Elisa

consiga selecionar com maior habilidade os textos a serem abordados em sala de aula, pois

compreenderá os pontos que devem ser enfatizados para uma prática pedagógica mais

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adequada. Destacamos também que o conhecimento apresentado por Elisa nos leva a crer que

ela possua a noção de que quanto mais oportuniza aos alunos surdos e ouvintes experiências

variadas de leitura, maiores serão as possibilidades de apreensão da Língua Portuguesa em suas

diferentes possibilidades de escrita.

O conhecimento dos professores participantes acerca da importância da abordagem dos

diferentes gêneros textuais, também se fez presente na fala da professora Indira, ao definir

práticas de leitura que julgam fundamentais, para o processo de letramento de alunos surdos e

ouvintes indistintamente, como evidenciamos a seguir:

Práticas de leitura são necessárias sejam textos grandes textos pequenos, porque textos não são só várias páginas escritas de vários parágrafos, tudo é texto, até sem palavras é texto – texto não verbal –, e quanto mais contato o aluno tiver das mais variadas formas de texto que rodam na sociedade, mais facilmente ele se tornara uma pessoa letrada. (Transcrição de entrevista realizada com a professora Indira - LP).

A professora demonstra à percepção da necessidade de práticas de leituras diversificadas

que podem contribuir neste contexto, desde que a seleção dos textos e as práticas pedagógicas

utilizadas tenham como base a abrangência da circulação social das leituras que serão utilizadas.

Assim, a professora poderá delimitar o conhecimento linguístico objeto de sua prática. Ou seja,

a seleção dos textos a serem abordados irá direcionar os conceitos que se constituirão foco das

atividades propostas.

Neste sentido, cabe também ressaltar que a professora Cíntia destacou pontos

importantes sobre alguns aspectos do processo de letramento ao sugerir que ainda existem

gêneros textuais em construção, dos quais as pessoas ainda não se apropriaram. A professora

se refere aos novos gêneros que possuem relação direta com o avanço tecnológico, tais como

os gêneros textuais produzidos no WhatsApp.

...quantas experiências de gêneros textuais que a gente ainda vai ter que ter contato e aprender a lidar. Por exemplo, o gênero textual típico do WhatsApp. Quanta confusão, quanta coisa acontece para a gente aprender a lidar com gênero WhatsApp. A gente está aprendendo a lidar com ele. Quantas experiências de confusão e mal-entendido a gente vê no uso das mensagens do WhatsApp.? Esse gênero ainda está se desenvolvendo né, um letramento para um gênero textual específico, o tipo de relação entre interlocutores específicos, intermediada por uma tecnologia... (Transcrição de entrevista realizada com a professora Cintia - LP).

A fala da professora nos fez refletir sobre os objetivos de utilizarmos, inicialmente,

gêneros textuais de interesse dos alunos e posteriormente utilizá-los como base de análise entre

este e outros gêneros. Dessa forma, se estabelece uma análise comparativa entre semelhança e

diferenças. Os alunos terão mais clareza acerca das diferentes estruturas presentes em cada

gênero. No entanto, entendemos que ainda é necessário fazer com que os próprios profissionais

que atuam no ensino da Língua Portuguesa para alunos surdos acreditem e invistam em seu

desenvolvimento. Essa questão sobre as concepções, expectativas e até mesmo a subestimação

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de potenciais que um sujeito tenha, nos acompanhou durante toda a pesquisa in loco, como

podemos observar na seguinte fala:

Eu peguei uns textos de Prova Brasil com frases curtas. O Renan foi muito bem, errou algumas, mas no geral ele conseguiu entender a essência... Agora a Patrícia não conseguiu. Isso, por exemplo, é um problema de alfabetização. Porque ela não conseguia entender textos curtos, tirinhas da Turma da Mônica, charges, aquela coisa bem simples, um textinho, uma piada, uma narrativa. Piada até acho mais difícil porque não sei como a piada funciona em Libras, mas os outros textos, ela teve muita dificuldade. Então, assim, em relação à produção se ele não sabe interpretar textos simples, ele também não vai conseguir produzir textos simples, muito menos complexos. (Transcrição de entrevista realizada com a professora Elisa - LP).

Mediante o dito, pensamos na diferença que o acesso a novos conhecimentos e

informações sobre a estrutura e constituição da Libras, e dos processos de aprendizagem de

alunos surdos, pode fazer para a formação de profissionais que atuam na educação. Entender

que não existe um pré-requisito, ou um conhecimento prévio para que um surdo a leia e

compreenda o significado de um texto, predispõe também a necessidade da compreensão de

que o ensino da Língua Portuguesa com L2 permite uma flexibilidade maior de leitura e escrita

de textos ainda não dominados, visto que o conhecimento apesentado pelo aluno surdo está

pautado na apreensão de vocabulário específico associado à assimilação da estrutura e

funcionalidade do texto em questão.

Destacamos, portanto, que as questões vivenciadas durante o campo de pesquisa,

enfatizaram a necessidade de expansão do conhecimento científico sobre a Língua de sinais, e

sobre estratégias para o ensino de Língua Portuguesa como segunda língua (L2) para alunos

surdos, pois estas trariam uma enorme contribuição para o processo de escolarização dos

sujeitos surdos.

5.1.1.2. O que dizem os professores do Atendimento Educacional Especializado

Os professores do Atendimento Educacional Especializado (AEE), têm dentre outras

funções, a responsabilidade pelo ensino da Língua Portuguesa como L2. Em nossos resultados,

notamos a diversidade de concepções, fato que nos provocou certa estranheza, devido ao perfil

necessário para atuar nessa modalidade de atendimento. Essa afirmação ficou evidenciada pela

ausência de falas referentes a importância do conhecimento e da produção de diferentes gêneros

textuais pelos alunos surdos.

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Em detrimento da importância dos gêneros textuais para a efetivação do letramento dos

alunos surdos, ênfase foi dada ao aspecto social, como podemos evidenciar na fala da professora

Ludmila, que veremos a seguir:

É conhecimento de mundo né? Você pode até não saber ler e escrever perfeitamente (grifo nosso), mas sabe pegar um ônibus, ir a um mercado. Você se vira, reconhecer a imagem de rótulos, uma placa de sinal de trânsito, sabe atravessar uma rua. Sabe até responder sobre coisas que acontecem no mundo. É capaz de ir ao banco, usar o caixa eletrônico e até mesmo comprar um remédio, mesmo que não seja um exímio leitor. (Transcrição de entrevista realizada com a professora Ludmila - AEE).

Entendemos que o aprendizado da leitura e da escrita por sujeitos surdos segue caminhos

e processos diferentes se comparado ao de alunos ouvinte. A leitura do mundo em sua L1

(língua de sinais) é a base para a construção de significados, que se constituem no que

nomeamos conhecimento de mundo. No entanto, a concepção de letramento dissociado da

habilidade de leitura e escrita, ressaltada pela professora em questão nos causou estranheza

devido ao fato de se tratar do profissional responsável pelo AEE, ou seja, supostamente um

especialista aceca da aprendizagem de alunos surdos, já que as Salas de recursos da rede

investigada possuem atendimento exclusivo, destinado a esse público alvo.

A não compreensão do fato de que um indivíduo letrado é aquele capaz de ler, interpretar

e produzir diferentes gêneros textuais, sem dúvida se refletirão nas práticas pedagógicas

adotadas pelo profissional em questão. Ou seja, além de práticas distintas em língua de sinais

visando a ampliação do conhecimento de mundo pelos alunos surdos, como a Língua

Portuguesa será abordada? Terá ela papel primordial ou secundário nas atividades realizadas

nesse espaço? As atividades de produção textual terão espaço significativo na prática docente

realizada nesse espaço?

Ainda relacionado ao desconhecimento de que o papel de realização do letramento

acadêmico é papel atribuído a escola, a professora nos fez a seguinte declaração aceca do que

para ela sejam práticas de letramento:

[...] para mim são atividades contextualizadas, atividades que a gente possa fazer realmente, por exemplo, aquela leitura aquele texto de uma receita de bolo, aquilo ali serve para concretizar a pratica de é saber que um texto que tem uma bula de remédio serve para ele compreender os efeitos daquele remédio no seu corpo, então assim que eles entenderem então aquilo é uma leitura para a vida. (Transcrição de entrevista realizada com a professora Ilma - AEE).

A constatação de que o conceito de letramento se encontra equivocado, nos é evidente

quando a professora Ilma define os exemplos citados, como práticas destinadas a esse objetivo.

Aqui, deixamos para o leitor a questão sobre o papel desse espaço destinado ao ensino de Língua

Portuguesa para alunos surdos incluídos em classes regulares, do sexto ao nono ano do segundo

segmento do ensino fundamental. Seriam essas as práticas de letramento a serem abordadas

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nesse espaço? Em termos de planejamento, essas ações dariam conta da complexa tarefa de

ensinar a Língua Portuguesa como L2 para alunos surdos? Estariam eles, aptos a produção de

escrita em diferentes gêneros textuais, com autonomia?

Indo ao encontro da concepção de letramento anteriormente destacada pelas professoras

do AEE mencionadas, a professora Yamanaka destaca que o trabalho realizado por ela no

Atendimento Educacional Especializado tem como base a produção de diferentes gêneros

textuais ao relatar que:

[...] as ações destinadas aos alunos surdos são basicamente atividades de leitura, interpretação e produção de texto coletivo e por vezes individuais... A partir dessas produções textuais, os alunos são estimulados a construírem um vocabulário imagético - quando se observa a necessidade de dar maior destaque para alguns termos específicos ou para alguma estrutura de formação de palavras. Como já citado, o trabalho desenvolvido reside basicamente na produção e na leitura de textos em Língua Portuguesa e em Libras. Está última prática visa estimular a organização do pensamento e da produção de enunciados com ordem cronológica plausível (começo - meio - fim). (Transcrição de entrevista realizada com a professora Yamanaka - AEE).

A professora demonstra conhecimento da necessidade de abordagem dos diferentes

gêneros textuais como foco no processo de letramento de seus alunos. Ressalta também a

importância das produções textuais em Libas (L1) e posteriormente, em Língua Portuguesa

(L2), de forma a obter textos produzidos com maior coesão e clareza.

5.1.1.3. O que dizem os professores das classes bilíngues para surdos

Consideramos relevante a organização do trabalho com surdos nessa rede. O

atendimento desses alunos em classes bilíngues é regido por professor bilíngue, assessorado

por um assistente educacional surdo. Decidimos incluir em nossa pesquisa as concepções de

letramento por parte desses professores, pois o ensino da Língua Portuguesa realizado por esses

profissionais, constitui a base para que educandos surdos, ao serem incluídos em classes

regulares, sejam bem sucedidos. Eles promovem um conhecimento prévio necessário para que

os alunos surdos sejam incluídos no sexto ano de escolaridade, com mais chance de êxito.

Ficamos apreensivas com os resultados obtidos, pois de alguma maneira as falas desses

professores podem influenciar negativamente o desempenho de alunos surdos, no que se refere

ao aprendizado da Língua Portuguesa, contribuindo para baixo desempenho em língua

portuguesa, deixando-0s ainda mais em desvantagem se comparados aos alunos ouvintes. De

forma a ilustrar essa afirmação, evidenciaremos a seguir a fala da professora Aline:

Então, assim, essa experiência foi rica pra eles: de ir ao mercado, de comprar; depois a gente chegou e fez o lanche, dentro de sala de aula. Dessa forma, eu acredito que

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meus alunos, vão se tornando a pessoas letradas. (Transcrição de entrevista realizada com a professora Aline – Classe Bilíngue).

Ao analisamos a fala da professora acerca do conceito de letramento por ela destacado,

ficou evidente que as dúvidas a respeito do conceito são grandes. Isso nos pareceu notório tanto

neste momento de entrevista com a professora Adriana, mas também ao verificarmos uma

espécie de eco dessa concepção equivocada nas respostas de outras participantes, quando foram

entrevistadas:

PROFESSORA HELEN: Mesmo não tendo ainda a leitura e a escrita ele é capaz de desenvolver a visão de mundo, de acordo com o meio em que vive, que nem sempre possui relação com a escrita e a leitura. Ou seja, uma criança ouvinte ou surda, ainda que não leia, pode ser considerada letrada, se apresentar conhecimento específico em alguma área. (Transcrição de entrevista realizada com a professora Helen – Classe Bilíngue).

PROFESSORA SOLANGE: Letramento é leitura de mundo! Quando você consegue se comunicar e entender mesmo o mundo a sua volta podemos dizer que está letrado. (Transcrição de entrevista realizada com a professora Solange – Classe Bilíngue).

As professoras ressaltam o aspecto social do letramento, dando ênfase ao que nomeiam

de visão e leitura de mundo.

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Estes estariam relacionados com aspectos referentes a

socialização e interação com o meio em que circulam os alunos surdos. Helen menciona ainda

o fato de que um aluno pode ser considerado letrado mesmo que não seja alfabetizado, o que

nos remete ao que foi exposto no capítulo II, sobre o pensamento equivocado do que vem a ser

um aluno letrado.

Geraldi (2014) é enfático ao discordar do fato de considerar uma pessoa letrada, se ela

é analfabeta. Para o autor, estar frequentando uma escola, espaço em que circula a Língua

Portuguesa na modalidade oral e escrita, não faz com que um aluno seja considerado letrado.

Ou seja, não basta simplesmente estar inserido nesse ambiente; antes, se faz necessário o

domínio do código de linguagem.

Barral, Pinto-Silva e Rumjanek (2017, p.112) destacam as possibilidades e a

necessidade de registrar as observações que são feitas por alunos surdos, ainda que se trate de

um grupo que normalmente não escreve. As autoras ressaltam a necessidade da criação de

“alternativas envolvendo esquemas, desenhos e até fotos com o celular”. Dessa forma, se torna

possível perceber aspectos tais como a linearidade temporal. Ou seja, existem possibilidades

de registo das atividades realizadas pelas professoras, que estariam inserindo esses alunos no

universo da escrita, assim como apresentando a eles o aspecto comunicativo presente nas

produções de texto.

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As conceituações que as duas docentes das classes bilíngues entrevistadas revelam,

evidenciam a falta de clareza sobre o significado de letramento

Em desacordo com as falas supracitadas, a professora Adriana destaca o papel da leitura

e da produção escrita no processo de letramento de alunos surdos, enfatizando a importância

dos registros baseados na Libras, que também precisam evidenciados em Língua Portuguesa.

De acordo com a concepção de Adriana, abaixo, o letramento é um processo normalmente

iniciado na escola, por meio das primeiras produções em Língua Portuguesa.

Letramento, para surdos é, na verdade, o aprendizado das duas línguas, então ele precisa ter o conhecimento das duas formas de escrita, porque pra ele ler e entender ele precisa conhecer a língua portuguesa, mesmo que escrever com base na língua de sinais. Então, quando percebemos que ele está lendo ou escrevendo um texto simples em língua portuguesa, a gente percebe que (u) a situação do letramento dele está avançando, e ele está indo no caminho certo. (Transcrição de entrevista realizada com a professora Adriana – Classe Bilíngue).

Ao fazer menção a duas formas de escrita, a professora Adriana se refere ao fato de que

o aluno precisa perceber a diferença de escrever tendo como base a Libras e escrever de acordo

com a estrutura da Língua Portuguesa. Destacamos que essa prática é parte do processo que

conduz o aluno em direção ao letramento acadêmico.

Enfim, os dados apresentados acerca da concepção de letramento por parte dos

participantes desse estudo, evidenciam que apenas uma parte dos professores destacou a

importância da leitura e produção de diferentes gêneros textuais, como pré-requisito para que

um aluno seja considerado letrado e que os professores de Língua Portuguesa demostraram um

conhecimento mais profundo de tais questões, se comparados aos professores do AEE e da

classe bilíngue para surdos. A ausência na compreensão por parte de algumas professoras da

classe bilíngue é preocupante, uma vez que nessas classes os educandos deveriam aprender as

diferenças estruturais entre uma língua e a outra.