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A liberdade de expressão ocupa um papel fundamental não apenas na Constituição Federal, mas também na legislação específica sobre Internet no Brasil. No Marco Civil da Internet (Lei no 12.965/2014), resta claro que o legislador colocou a liberdade de expressão em posição preferencial, tendo em vista a quantidade de menções e a qualidade das referências à liberdade. Isso não significa dizer que se trata de um direito absoluto, mas sim que ele deve ceder, como regra, apenas quando produzir conflitos incompatíveis com outros valores e princípios constitucionalmente estabelecidos. É importante destacar que atribuir uma posição preferencial para um direito não significa afastar a responsabilidade de usuários e provedores, visto que todos os atores têm o dever de promover a qualidade das informações disponibilizadas na rede e de observar os limites constitucionais.

Aqui, vale ressaltar a importância de uma lei principiológica como o Marco Civil da Internet.

Muitas vezes, questiona-se a necessidade de uma lei para tratar de assuntos relacionados à rede mundial de dispositivos conectados. Entretanto, é justamente a existência de leis como o Marco Civil – que traçam princípios que deverão ser seguidos por futuras regulamentações e decisões judiciais – que permite garantir que a liberdade usufruída na rede não seja erodida por quaisquer interesses políticos ou econômicos. Nessa direção, a lei se torna uma ferramenta para assegurar liberdades, dispondo desde já sobre o papel fundamental da rede para o exercício de vários direitos fundamentais.

Um exemplo recente que mostra o papel importante desempenhado pela liberdade de expressão na rede (e seu confronto com outros interesses) é o debate sobre o que se convencionou chamar de direito ao esquecimento. O referido direito vem sendo compreendido por alguns como a possibilidade de se discutir o uso que é dado a fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados, de forma a se evitar danos à pessoa exposta, como no caso de uma retratação incompatível com sua atual identidade e personalidade.

Dessa maneira, pretende-se evitar que fatos ocorridos no passado interfiram na vida presente.

Todavia, esse direito ao esquecimento não pode respaldar um possível direito de reescrever a história ou de apagar fatos de interesse público. Caso isso ocorresse, seria criado um cenário marcado pela censura privada, em que seria viável a falsificação da realidade e a limitação injustificada da pesquisa histórica, o que impactaria negativamente as liberdades de expressão e informação, direitos esses que ainda se encontram em consolidação na América Latina.

Observa-se também que a desindexação, ou seja, a retirada de resultados da lista de um provedor de busca, quando pesquisado por uma palavra-chave em particular, não retirará por completo o conteúdo da rede, visto que ele ainda poderá ser acessado em outros meios, como

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provedores de busca que não foram obrigados a remover os resultados de sua pesquisa pela ordem judicial, além dos próprios sites que hospedam tais conteúdos.

Há, inclusive, a possibilidade de ocorrer o “efeito Streisand”: quando a tentativa de censurar ou remover algum tipo de informação se volta contra o censor, resultando na vasta replicação da referida informação. Batizado de “efeito Streisand”, em referência à atriz norte-americana Barbra Streisand, que buscou remover uma foto de sua casa da rede, o fenômeno expõe uma realidade que poderia muito bem ser aplicada para o espanhol Mario Costeja (que provocou a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia) ou para a professora Aliandra, de Minas Gerais, que buscou em ação que atualmente se encontra no Supremo Tribunal Federal a remoção de uma comunidade na extinta rede social Orkut e indenização pelo seu conteúdo (Recurso Extraordinário 1.057.258).

A imposição do chamado direito ao esquecimento na Internet tem ainda gerado uma complicação adicional na medida em que se debate se, uma vez ordenada a desindexação, ela deveria ser feita apenas na chave de busca do país em que o autor ingressou com a ação judicial requerendo a medida ou se a desindexação deveria ser global. No debate que se instalou na França sobre esse tema, a Comissão Nacional de Informática e Liberdade (CNIL) alegou que a desindexação deveria ser implementada em todas as extensões relevantes dos provedores de busca, incluindo a versão “.com”. Segundo a entidade, isso deveria se dar por duas razões: extensões geográficas são apenas caminhos que dão acesso à mesma operação de processamento e o direito à desindexação deve ser exercido em relação ao provedor de busca, independentemente da forma como a consulta é feita.

A referida proposta vem sendo criticada pois se alega que um país não teria autoridade para controlar o conteúdo que uma pessoa em outro país poderia vir a acessar. Além disso, caso essa orientação se torne uma tendência, não tardará para que países que oferecem pouca proteção à liberdade de expressão comecem a obrigar ferramentas de busca e demais provedores a removerem resultados e conteúdos de suas aplicações globalmente, o que, sem dúvida, atingiria gravemente o direito de crítica.

Ainda sobre o direito ao esquecimento na Internet, vale também questionar um resultado decorrente da decisão paradigmática sobre o assunto proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (Google Spain SL e Google Inc. versus Agencia Española de Protección de Datos e Mario Costeja González). Trata-se da obrigação determinada pela Corte de a Google analisar diretamente solicitações privadas de desindexação de resultados de busca. Ao delegar para uma empresa o julgamento acerca do que se caracteriza ou não como uma informação de interesse público, o Poder Judiciário acaba deixando de desempenhar seu papel de definidor sobre a licitude ou não de dada situação. Autorizar que outro órgão que não o Poder Judiciário realize ponderações de direitos fundamentais, nos casos concretos, pode acabar criando uma restrição desproporcional para as liberdades fundamentais.

Como consequência desse cenário, a Google lançou um formulário on-line que possibilita a remoção de páginas de resultados obtidos em resposta a consultas relacionadas ao nome de determinado indivíduo. Até 22 de junho de 2017, 2.090.550 URLs foram avaliados pela empresa para remoção, sendo que, desse total, 43,2% foi removido. Foram efetuadas 736.135 solicitações para a Google.3

3 Acessado em 23 junho de 2017: https://www.google.com/transparencyreport/removals/europeprivacy/?hl=pt-BR

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Passando do direito ao esquecimento para os debates sobre remoção de conteúdo e responsabilidade, vale alertar que a saída pela simples desindexação não apenas gera consequências que precisam ser avaliadas como ainda falha em considerar a existência de outras soluções oferecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, como o direito de resposta e a possibilidade de contextualização do fato ou conteúdo exposto, mecanismos esses que não restringem a liberdade de expressão e ampliam a compreensão sobre o fato.

Alternativas válidas também são a atualização e a complementação do fato: ao invés de pleitear a remoção do conteúdo, o indivíduo pode solicitar a adição de informações ao fato que está sendo exposto.

Nos casos que envolvem exclusivamente provedores de busca, o Superior Tribunal de Justiça vem aplicando um entendimento mais protetivo, visto que tal espécie de provedor não inclui, hospeda, organiza ou de qualquer outra forma gerencia as páginas indicadas nos resultados de busca disponibilizados, limitando-se a indicar links onde podem ser encontrados os termos buscados pelo próprio usuário. Em diversos julgados, a Google, enquanto operadora de chave de busca, teve reconhecida a sua não responsabilidade pelos conteúdos exibidos como resultado de pesquisas realizadas por seus usuários4. Afirmou-se que o provedor de pesquisa não pode ser obrigado a eliminar de seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação da página onde ele estiver inserido.

A Corte confere, assim, uma posição de destaque para a liberdade de expressão, da mesma maneira como o Supremo Tribunal Federal5 e o Marco Civil da Internet fazem. Este último trata do referido direito fundamental em cinco momentos. A liberdade de expressão é fundamento e

4 Superior Tribunal de Justiça (STJ), Resp no 1.316.921/RJ, Terceira Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgamento em 26/06/2012; Superior Tribunal de Justiça (STJ), Rcl no 5.072, Relator Ministro Marco Buzzi, Segunda Seção, julgamento em 11/12/2013.

5 No Supremo Tribunal Federal, alguns ministros já se posicionaram nesse sentido. Na ADPF no 130, o Ministro Carlos Britto afirmou que “a Constituição brasileira se posiciona diante de bens jurídicos de personalidade para, de imediato, cravar uma primazia ou precedência: a das liberdades de pensamento e de expressão lato sensu”. Na ADPF no 187, o Ministro Luiz Fux consignou que: “a liberdade de expressão (...) merece proteção qualificada, de modo que, quando da ponderação com outros princípios constitucionais, possua uma dimensão de peso prima facie maior”, em razão da sua

“preeminência axiológica” sobre outras normas e direitos. No Recurso Extraordinário no 685.493, o Ministro Relator Marco Aurélio declarou que: “é forçoso reconhecer a prevalência da liberdade de expressão quando em confronto com outros direitos fundamentais, raciocínio que encontra diversos e cumulativos fundamentos. (...) A liberdade de expressão é uma garantia preferencial em razão da estreita relação com outros princípios e valores fundantes, como a democracia, a dignidade da pessoa humana, a igualdade”. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade no 4.815, que tratou das biografias não autorizadas, o Ministro Luís Roberto Barroso afirmou em seu voto que: “Este lugar privilegiado que a expressão ocupa nas ordens interna e internacional tem a sua razão de ser. Ele decorre dos próprios fundamentos filosóficos ou teóricos da sua proteção, entre os quais se destacam cinco principais. O primeiro diz respeito à função essencial que a liberdade de expressão desempenha para a democracia. De fato, o amplo fluxo de informações e a formação de um debate público robusto e irrestrito constituem pré-requisitos indispensáveis para a tomada de decisões pela coletividade e para o autogoverno democrático. A segunda justificação é a própria dignidade humana. A possibilidade de os indivíduos exprimirem de forma desinibida suas ideias, preferências e visões de mundo, assim como de terem acesso às ideias, preferências e visões de mundo dos demais é essencial ao livre desenvolvimento da personalidade, à autonomia e à realização existencial dos indivíduos, consistindo, assim, em uma emanação da sua dignidade. 15. Uma terceira função atribuída à livre discussão e contraposição de ideias é o processo coletivo de busca da verdade. (...) O quarto fundamento da proteção privilegiada da liberdade de expressão está atrelada à sua função instrumental para o exercício e o pleno gozo dos demais direitos fundamentais. A quinta e última justificação teórica se refere à preservação da cultura e história da sociedade. As liberdades comunicativas constituem claramente uma condição para a criação e o avanço do conhecimento e para a formação e preservação do patrimônio cultural de uma nação. 16. Por fim, além dos fundamentos filosóficos, há uma importante razão de ordem histórica para a atribuição de uma posição preferencial às liberdades expressivas: o temor da censura. Existe uma suspeição, historicamente fundada, em relação a intervenções estatais para regular a expressão.”

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princípio para a disciplina do uso da Internet no Brasil (arts. 2o e 3o), é condição para o pleno exercício do direito de acesso à Internet (art. 8o) e, por fim, orienta o regime de responsabilidade civil tratado na lei (art. 19, caput e §2o).

RESPONSABILIDADE DO PROVEDOR DE APLICAÇÕES