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A formação de uma Comissão Especial de Tratamento e Proteção de Dados Pessoais7 trouxe claros benefícios aos profissionais dedicados à incidência parlamentar e defesa de interesses particulares (lobistas e profissionais de relações governamentais). Se, antes, os esforços de influência se dividiam em dois diferentes projetos de lei – PL no 4060/12 e PL no 5276/16, com diferentes relatores, comissões de constituição e justiça e comissões de ciência e tecnologia –, a formação da comissão permitiu a concentração de esforços de influência no desenho da lei em torno de um grupo de parlamentares definido.

As táticas de lobby empresarial também se modificaram. Há, pelo menos, três fatos que podem ser problematizados. Discute-se, brevemente, cada um deles.

5 Utiliza-se a expressão lobby, em termos gerais, como “o processo em que se busca influenciar o governo e suas instituições [Executivo, Legislativo e Judiciário] ao informar a agenda pública de políticas” (Zetter, 2008, p. 3),

6 Por razões de objetividade, não discuto as diferentes táticas de influência corporativa, como astroturf (remuneração de entidade civil supostamente independente para advogar interesses corporativos) ou bear hug (cooptação de entidades e atores por recursos financeiros elevados). Sobre o tema, ver Lyon e Maxwell (2004).

7 Ver informações completas sobre seus membros no website da Câmara dos Deputados. Recuperado em 10 maio, 2017, de http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/composicao-de-todas-as-comissoes-temporarias

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Primeiro, houve a formação de uma ampla coalizão empresarial para publicação de um

“manifesto sobre a futura lei de dados pessoais” (Associação Brasileira de Internet [Abranet], Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação [Brasscom], Associação Nacional dos Bureaus de Crédito [ANBC], Associação Brasileira de Empresas de Software [Abes], Associação Brasileira de Marketing Direto [ABEMD], & Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação [Assespro], 2016). Em setembro de 2016, a Associação Brasileira de Internet (Abranet), Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), Associação Nacional dos Bureaus de Crédito (ANBC), Associação Brasileira de Empresas de Software (Abes), Associação Brasileira de Marketing Direto (ABEMD) e a Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação (Assespro) uniram esforços e publicaram texto de posição sobre como deve ser a futura lei brasileira. Nesse documento, defendem que dados pessoais devem se restringir a dados relativos à pessoa identificada, excluindo os metadados e dados relacionados à pessoa identificável. Defendem também que dados biométricos não são dados sensíveis e que o consumidor tem “liberdade de expressão”

para autorizar tratamento destes dados. Por fim, defendem que a responsabilidade civil por danos gerados a titulares de dados pessoais deve ser subjetiva, dependente de culpa e sem critérios de solidariedade, criando obrigações de reparação proporcional às ações de diferentes atores da cadeia de coleta e processamento de dados pessoais (Abranet et al., 2016, p. 2).

O segundo fato diz respeito à construção de novas narrativas de que o Brasil precisa de uma lei favorável ao desenvolvimento econômico e que os dados (pessoais) são centrais para tal economia. A partir da liderança da IBM, diversas organizações apoiaram a criação da plataforma Brasil, País Digital8, concentrada na elaboração de narrativas sobre a importância do livre fluxo de dados e de uma regulação “leve” para o desenvolvimento econômico, atração de investimento e novos empregos no Brasil. O Brasil, País Digital possui uma página com milhares de curtidas no Facebook e tem investido na produção de vídeos no YouTube.

A plataforma também possui um catálogo de experiências bem sucedidas com um discurso fortemente centrado em inovação. Diversos materiais reproduzidos são elaborados pela Business Software Alliance (BSA), organização que se autointitula a “maior defensora do setor global de software perante governos e no mercado internacional” (Business Software Alliance [BSA], 2015), cuja sede fica em Washington D.C.

O terceiro fato é a coordenação internacional para influenciar parlamentares por meio de think tanks e seminários com experts. Três ações específicas evidenciam esse fato político: (i) a tentativa de centros estadunidenses de levar os membros da comissão para um seminário internacional nos Estados Unidos no final de 20169; (ii) a organização de um seminário internacional sobre legítimo interesse e proteção de dados pessoais, feito pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) em parceria com o Center for Information Law and Policy (CILP) em março de 2017; e (iii) o pedido de realização

8 Recuperado em 10 maio, 2017, de http://brasilpaisdigital.com.br

9 Em novembro de 2016, os deputados André Figueiredo (PDT-CE), Celso Pansera (PMDB-RJ) e Orlando Silva (PCdoB-SP) apresentaram requerimento pedindo autorização para “realizar missão oficial, composta de membros da Comissão Especial do PL 4060/12 e servidores do seu quadro técnico, ao Vale do Silício na Califórnia para participar do Fórum de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais, entre 30 de novembro e 2 de dezembro”. O pedido não especificava qual era o evento e quais eram os organizadores. Ativistas da sociedade civil especularam que a viagem tinha sido articulada por lobistas de centros de Washington com funcionários no Brasil (e.g Conselho da Indústria de Tecnologia da Informação – ITI ou Business Software Alliance – BSA).

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de um seminário internacional de proteção de dados pessoais, com participação do Conselho da Indústria de Tecnologia da Informação (do inglês, Information Technology Industry Council – ITI), CILP e da Câmara de Comércio dos Estados Unidos, à pedido do deputado André Figueiredo, em maio de 2017.10

Esses três fatores são novos e evidenciam mudanças no padrão de incidência parlamentar por diferentes empresas privadas (software, marketing, análise de crédito, fintechs, provedores de aplicação, etc.). Parece existir um alto grau de alinhamento entre tais atores e a construção de legitimidade das propostas por uma via dupla: a do apoio popular ao desenvolvimento econômico – o argumento de que uma lei mais flexível traria mais investimentos no setor produtivo e mais empregos na área de tecnologia – e a da validação técnica comprovada pelo apoio de experts, think tanks e centros internacionais de advocacy.

Esse mesmo grau de coordenação é acompanhado, sem a mesma capacidade e recursos financeiros, pelas organizações da sociedade civil dedicadas aos direitos digitais.

Em junho de 2016, formou-se a Coalizão Direitos na Rede, um coletivo de centros de pesquisa e organizações não governamentais em defesa dos pilares do Marco Civil da Internet (Arnaudo, 2017, p. 37)11. Tal coalizão tem tentado produzir textos de posição contrários ao “manifesto” das entidades empresariais12 e tem se articulado com assessores parlamentares de membros da comissão para ocupar os espaços disponíveis em seminários técnicos e audiências públicas.

10 Importante ressaltar que organizações como ITI representam os interesses de várias empresas. Os membros mais famosos do ITI são Amazon, Adobe, Canon, Dell, Facebook, Dropbox, eBay, Google, IBM, Intel, Microsoft, Motorola Solutions, Qualcomm, Samsung, Symantec, Visa e outros. Recuperado em 10 maio, 2017, de http://www.

itic.org/about/member-companies

11 Integram a Coalizão Direitos na Rede as seguintes entidades e centros de pesquisa: Actantes, Articulação Marco Civil Já, Artigo 19, Casa da Cultura Digital de Porto Alegre, Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Ciranda da Comunicação Compartilhada, Coding Rights, Colaboratório de Desenvolvimento e Participação - Colab-USP, Coletivo Digital, Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-RJ, Garoa Hacker Clube, Grupo de Estudos em Direito Tecnologia e Inovação do Mackenzie, Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso a Informação/GPoPAI da USP, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - Idec, Instituto Beta: Internet & Democracia, Instituto Bem-Estar Brasil, Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, Instituto Iris, Instituto Igarapé, Instituto Nupef, Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro - ITS-Rio, Rede Latina-americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade – LAVITS, Movimento Mega, Núcleo de Estudos em Tecnologia e Sociedade da USP - NETS/USP, Associação de Consumidores – Proteste e Internet Sem Fronteiras Brasil.

12 Em dezembro de 2016, o Idec elaborou um texto de posição que discute e rebate os argumentos das empresas no

“manifesto pela futura lei de proteção dos dados pessoais”. Recuperado em 22 maio, 2017, de http://www.idec.org.

br/ckfinder/userfiles/files/Posic_a_o%20do%20Idec_Dezembro%20de%202016.pdf

PORTUGUÊS TABELA 1

PEDIDOS DE AUDIÊNCIAS PÚBLICAS PELOS MEMBROS DA COMISSÃO ESPECIAL

Requerimento Autor Organizações convidadas Formato

2/2016 Alessandro Molon – Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) – Intervozes

– Comitê Gestor da Internet (CGI.br)

– Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) – Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação

Getulio Vargas (CTS-FGV)

Centrado na academia e sociedade civil

3/2016 Orlando Silva – Idec

– Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) – CGI.br

– Secretaria Nacional do Consumidor –

Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça (Senacon/MJ)

Multissetorial

4/2016 André Figueiredo – Senacon/MJ

– Secretaria da Receita Federal

– Secretaria de Políticas de Informática (Sepin) do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC)

– Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) – Tribunal Superior Eleitoral

5, 6 e 7/2016 Thiago Peixoto – Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos – Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio

de Janeiro (ITS-Rio) – Redpoint Eventures

Centrado em setor privado

8/2016 Roberto Alves – Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abratel) Centrado no setor de rádio e televisão 9/2016 Thiago Peixoto – Associação Brasileira de Internet (Abranet)

– Associação Brasileira de Empresas de Software (Abes) – Instituto Brasileiro de Direito Digital (IBDDIG) – Associação Nacional de Bureaus de Crédito (ANBC)

Centrado no setor privado (provedores, empresas de software e bureaus de crédito)

10/2016 Nelson Marquezzeli – Procuradoria Geral da República (PGR) Centrado em governo

12/2016 Thiago Peixoto – Associação Brasileira de Online to Offline (ABO2O) Centrado em setor privado

– Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação – Motion Pictures Association (MPA)

– UOL/Folha de S.Paulo

– Centro de Estudos Barão de Itararé – CTS-FGV

– Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee)

– Creative Commons – Universidade de Harvard

Multissetorial

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Em termos de representatividade de setores da sociedade, as audiências públicas13 requeridas pelos membros da Comissão Especial mostram graus de pluralidade e multissetorialismo, como evidenciado pela tabela acima. Entre os temas que mais ganharam destaque no segundo semestre de 2016 e primeiro semestre de 2017 – e que se tornaram foco das audiências públicas e controvérsias –, estão a comercialização de dados pessoais, regras de consentimento e o conceito preciso deste termo jurídico14 e a responsabilidade objetiva na cadeia de tratamento dos dados pessoais.15