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DE ALFABETISMO

Roberto Catelli Júnior 1, Ana Lúcia D’Império Lima 2 e Luis Felipe Soares Serrao 3

A edição de 2015 do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) teve como um de seus objetivos analisar os níveis de alfabetismo em contextos digitais. Buscamos compreender em que medida o uso de formas de comunicação como as redes sociais, e-mail e os vários possíveis usos da Internet podem desenvolver novas habilidades e trazer resultados diferentes, no que se refere ao nível de alfabetismo, quando comparados com as formas de leitura e escrita mais convencionais, como livros, jornais e revistas. Os resultados do estudo mostram que um maior número de pessoas com baixo nível de alfabetismo participa de atividades relacionadas ao universo da leitura e da escrita quando desempenham determinadas atividades ligadas ao contexto digital. Verifica-se, entretanto, que essa ampliação se refere a um número restrito de ações, como ler e curtir mensagens no Facebook ou enviar mensagens via WhatsApp.

METODOLOGIA

Aplicado no Brasil desde 2001, o Inaf é construído com base em metodologia que permite estimar os níveis de alfabetismo da população e compreender seus determinantes. Ele é realizado por meio de entrevistas pessoais com a aplicação de um teste cognitivo em uma amostra representativa da população brasileira de 15 a 64 anos, em todas as regiões do país, incluindo as zonas urbana e rural. Em 2015 foram entrevistadas 2.002 pessoas para a pesquisa (Ação Educativa; Instituto Paulo Montenegro; Centro de Estudos e Pesquisas em Cultura e Ação Comunitária – Cenpec, 2015).

1 Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), é coordenador do programa Educação de Jovens e Adultos da Ação Educativa. Também atua em outros projetos na área educacional, principalmente no campo das políticas públicas e da avaliação, e integra a equipe de coordenação do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf).

2 Economista, dirigiu as operações do Ibope na América Latina até 2003. Entre 2005 e 2015 foi responsável pelo Instituto Paulo Montenegro, organização sem fins lucrativos apoiada pelo grupo Ibope. Atualmente dirige a Conhecimento Social – Estratégia e Gestão, prestando serviços de consultoria na produção de conhecimentos e avaliação para organizações que atuam no campo social, e faz parte da equipe de coordenação do Inaf.

3 Mestre em Educação e graduado em Ciências Sociais pela USP. Atuou como assessor pleno de projetos da Ação Educativa, Assessoria, Pesquisa e Informação. Sua experiência na área educacional tem ênfase em políticas públicas, avaliação e ensino de jovens e adultos.

PORTUGUÊS

O Inaf contempla duas dimensões do alfabetismo: letramento, definido como a habilidade de ler e escrever diferentes gêneros e suportes, com coerência e compreensão crítica; e numeramento, que é a habilidade de construir raciocínios e aplicar conceitos numéricos simples, de uso da matemática para atender às demandas do cotidiano.

Para chegar aos resultados, o Inaf utiliza a Teoria de Resposta ao Item – TRI (do inglês, Item Response Theory – ITR) para classificar os indivíduos de acordo com seu desempenho (proficiência) na escala do indicador.

Ao longo de mais de uma década de existência do Inaf, o Brasil assistiu à lenta, porém progressiva, ampliação da escolaridade de sua população, sobretudo em razão da ampliação do atendimento da educação básica para crianças e jovens. Pode-se verificar, ao longo das edições do indicador, uma melhoria nas condições de alfabetismo da população brasileira jovem e adulta, com redução significativa da proporção de pessoas nos níveis mais baixos da escala de proficiência do Inaf, aumento nos níveis intermediários e, inesperadamente, uma estagnação da proporção de indivíduos no grupo mais alto. No nível analfabeto, registramos queda de 12% para 6%. Entre as edições de 2001 e 2011, no nível rudimentar, essa diminuição foi de 27% para 21%. Tal mudança foi acompanhada pelo aumento da proporção de pessoas consideradas como sendo de nível básico de alfabetismo – de 34% para 47%

no mesmo período. Contudo, não registramos avanços na proporção de indivíduos no nível de alfabetismo pleno, índice que oscila em torno de 25% desde a primeira edição do Inaf (Ribeiro & Fonseca, 2010).

Considerando também as mudanças nos perfis socioeconômico e educacional da população brasileira nos últimos anos, as instituições responsáveis pelo Inaf decidiram atualizar sua metodologia, revisando o banco de itens, reorganizando os cadernos de prova e também o questionário contextual e os níveis da escala de proficiência originalmente utilizados.

Com isso, tivemos em 2015 o acréscimo de um quinto nível na escala, resultante da divisão do nível básico em elementar e intermediário. Nessa nova forma de ler os resultados da pesquisa, verificamos que apenas 8% foram considerados proficientes, isto é, capazes de:

elaborar textos de maior complexidade (mensagem, descrição, exposição ou argumentação) com base em elementos de um contexto dado, opinando sobre o posicionamento ou estilo do autor desse texto; de interpretar tabelas e gráficos envolvendo mais de duas variáveis, compreendendo elementos que caracterizam certos modos de representação de informação quantitativa (escolha do intervalo, escala, sistema de medidas ou padrões de comparação) e reconhecendo efeitos de sentido (ênfases, distorções, tendências, projeções); e de resolver situações-problema relativas a tarefas de contextos variados, que envolvem diversas etapas de planejamento, controle e elaboração, exigindo retomada de resultados parciais e o uso de inferências. Seguindo a tendência verificada na edição de 2011, em 2015 repetiram-se os índices de analfabetismo funcional e alfabetizados funcionalmente, 27% e 73%, respectivamente, ratificando a presença de percentual elevado de pessoas situadas na parte inferior da escala combinada Inaf de letramento e numeramento.

PORTUGUÊS TABELA 1

DISTRIBUIÇÃO POR NÍVEL DE PROFICIÊNCIA CONFORME ESCALA INAF DE ALFABETISMO (2015)

Grupo (%)

Analfabeto 4%

Rudimentar 23%

Elementar 42%

Intermediário 23%

Proficiente 8%

Total 100%

Analfabeto e rudimentar: analfabetos funcionais 27%

Elementar, intermediário e proficiente: alfabetizados funcionalmente 73%

Fonte: Inaf (Ação Educativa et al., 2015).

Buscou-se ainda avançar em relação às propostas da metodologia Inaf para medir a adesão a pilares da cultura letrada (tais como livro, jornal e revista) e avançar de modo mais significativo em direção às práticas reais dos sujeitos em diferentes contextos letrados, evitando que a metodologia operasse possíveis apagamentos dessas “novas” práticas de letramento. Os ajustes metodológicos propiciaram maior avanço no sentido da identificação de práticas sociais do que de discussão sobre os suportes. Uma das saídas encontradas foi avançar em relação ao uso das tecnologias de informação e comunicação (TIC) e aos debates sobre os letramentos digitais, em contraposição aos letramentos convencionais (próprios da mentalidade da era do impresso), assim como explorado por Rojo em artigo na publicação comemorativa de dez anos do Inaf (Ação Educativa et al., 2015).

Como apontam Alícia Bonamino, Carla Coscarelli e Ana Elisa Ribeiro (2015) em artigo na mesma publicação, as avaliações preocupadas com o alfabetismo, como concebido atualmente, precisam estar atentas para lidar com habilidades individuais de leitura que digam respeito à navegação em textos diversos (seja no impresso ou em ambientes digitais), com questões ligadas à multimodalidade, ao design dos textos, aos diferentes sistemas semióticos envolvidos neles, às habilidades relacionadas aos usos e às funções sociais de textos do cotidiano, à leitura crítica, à capacidade de refletir sobre as informações, de perceber dimensões nelas envolvidas e, com base nas reflexões, tomar um posicionamento.

Em uma linha similar, Rojo (2015) apresenta críticas de que a metodologia original do Inaf não tinha foco específico no uso do computador como elemento prototípico dos novos letramentos, além de não dar a devida atenção à portabilidade. De fato, a metodologia original fora baseada em experiências internacionais e pensada no final da década de 1990 e início dos anos 2000, momento em que, no Brasil, tanto o uso de computador quanto de dispositivos móveis com sua portabilidade característica ainda não tinham grande disseminação. Segundo Rojo (2015):

As novas tecnologias (computador e conexão) parecem ser tratadas, principalmente, como um aparelho, “equipamento” ou dispositivo, que se possui ou ao qual se tem acesso de outras maneiras (públicas, familiares, comunitárias, sem contornos estáveis).

Esse equipamento ou dispositivo parece reduzir-se ao computador (desktop), pois a

PORTUGUÊS

rubrica “é móvel (notebook)” aparece somente em 2004, ignorando-se toda a evolução da portabilidade e das telas de toque, grandemente impulsionada em celulares e tablets a partir de 2005. (pp. 463-464)

Como sugestão, Rojo aponta que a metodologia Inaf deveria tratar de códigos-fonte, aplicativos ou software, de equipamentos ou dispositivos digitais, de conexão à Internet e as técnicas ou procedimentos de usuário. Somente a partir da edição de 2007, mas sem uma permanência consistente, práticas dos novos letramentos, típicas da mentalidade Web 2.0, começaram a ser mencionadas (tais como a participação nas redes sociais – “conhecer gente/sites de relacionamento/Orkut” –, games, vidding e redes de mídias – “baixar música ou filmes”,

“armazenar e organizar fotos”). Não se fazia distinção, entretanto, entre desenhar, jogar on-line ou baixar músicas e filmes, por exemplo, tratando tais práticas como se fossem uma e a mesma coisa (Rojo, 2015, p. 465).