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O MÓDULO DE CRESCIMENTO

No documento Anais... (páginas 57-63)

MODELAGEM EM ECOFISIOLOGIA: CONCEITOS BÁSICOS E APLICAÇÕES

O MÓDULO DE CRESCIMENTO

O módulo de crescimento simula a dinâmica diária da biomassa, em três etapas (Figura 4) :

• cálculo da radiação interceptada pela copa;

• estimativa da conversão da energia recebida em matéria seca; • estimativa da partição de fotoassimilados entre os vários órgãos em

crescimento.

A interceptação da luz

Essa etapa da simulação determina a fração da radiação solar que vai ser interceptada pela copa e utilizada na fotossíntese.

Os modelos utilizam como dado a radiação global recebida. Com

comprimentos de onda entre 300 e 3000 nm, esta radiação é fornecida por estações meteorológicas, podendo ser calculada a partir da radiação

extraterrestrerecebida (função do dia do ano, da latitude e da longitude) e do albedo.

Apenas 48% da radiação global, no comprimento de ondas compreendido entre 400 e 700 nm, é ativa na fotossíntese. A fração da radiação

fotossinteticamente ativa interceptada pela cultura (PARi), é calculada pela lei de Beer:

PARi = RG x 0.48 x (1- exp (-k IAF)) = PAR x εa, onde PAR, radiação fotossinteticamente ativa recebida;

PARi, radiação fotossinteticamente ativa interceptada (absorvida) pela cultura;

RG, radiação global recebida; k, coeficiente de extinção IAF, índice de área foliar;

Biomassa Raízes Colmos-panículas Folhas Respiração Interceptação Conversão Partição IAF

Fig. 4. Esquema simplificado do módulo de crescimento.

O coeficiente de extinção k tem papel importante no balanço de carbono, pois determina, para uma dada área foliar, a fração da radiação que será absorvida. E uma característica genética, ligada principalmente à arquitetura da planta, variando, para arroz, entre 0,4 e 0,7.

A conversão da energia em fotoassimilados

A segunda etapa do balanço de carbono consiste em converter a energia interceptada em biomassa. Essa conversão depende da eficiência da fotossíntese e da natureza dos produtos elaborados após a fotossíntese. A síntese de lipídios ou proteínas consome mais energia do que a síntese de carboidratos. Assim, segundo Penning de Vries et al (1989), são

necessários 17,3; 22,7 e 37,7 kJ para a produção de 1 g de glicose, de lipídios e de proteínas, respectivamente.

Sendo a composição química dos cereais estável durante o ciclo e entre as espécies consideradas, uma simplificação admitida nos modelos é da equivalência global entre energia absorvida e matéria seca acumulada. A estimação do acréscimo de matéria seca é dada pela equação de Monteith (1977) :

∆ BM = PARi x εb = PAR x εa x εb onde:

• PAR, radiação fotossinteticamente ativa recebida, • PARi, radiação fotossinteticamente ativa absorvida, • εa, eficiência de interceptação,

• εb, eficiência de conversão.

Nos modelos Ceres e Stics, o acréscimo calculado é líquido, ou seja, o εb inclui as perdas de energia (e massa) pelas respirações de manutenção e de crescimento. Mas, o εb refere-se ao aumento da parte aérea somente. Já no modelo Sarra, o εb é bruto e refere-se ao aumento total em biomassa, incluindo o sistema radicular. Esta particularidade permite ao modelo considerar melhor que o aumento progressivo durante o ciclo da respiração de manutenção seja proporcional à massa seca acumulada.

Enquanto os modelos consideram que εa necessita uma parametrização genética através do coeficiente k, o εb é uma característica de uma espécie, ou mesmo de uma família, sem variabilidade intra-específica. A literatura apresenta os seguintes valores (em g/MJ) para as principais plantas cultivadas :

• árvores < 1

• palmeiras 1,3 – 1,8

• cereais C3 de clima tropical 2

• cereais C3 de clima temperado 2,5

• cereais C4 3,5 – 4,5

Os processos de cálculo da massa seca acumulada diferem pouco entre os modelos Ceres, Stics ou Sarra-H. Todos usam a equação de Monteith, considerando, sem distinção, o conjunto de folhas da copa como uma folha grande e única, que intercepta e converte a energia. Daí o nome de

“modelos big leaf”.

O modelo Oryza apresenta um processo de cálculo mais analítico e elaborado:

• a copa é dividida em várias camadas, cada uma com área foliar definida, cuja soma é o índice de área foliar (IAF);

• cada camada só recebe a fração da radiação não interceptada pelas camadas superiores;

• a fotossíntese bruta é calculada para cada camada em função da radiação, da temperatura, dos teores de nitrogênio das folhas e de CO2 do ar (usando as curvas de resposta da fotossíntese a essas variáveis de ambiente);

• a respiração de manutenção e crescimento é estimada com base em coeficientes próprios a cada órgão, da temperatura e da massa seca acumulada;

• a respiração de crescimento é estimada conforme a composição do produto elaborado e com os coeficientes de transformação citados; • o balanço calculado por unidade de área foliar e de tempo é integrado à

cultura e ao dia.

Os processos de cálculo de Oryza, extremamente complexos não eram possíveis há alguns anos atrás e hoje são realizados graças aos progressos da informática e da metrologia. O desafio de acompanhar mais de perto os processos fisiológicos elementares dá, ao modelo Oryza, uma nuance mecanística, menos aparente nos outros modelos. Contudo, o risco de acumular erros, no espaço e no tempo, a cada etapa de integração, não é desprezível. Cabe revisar o modelo tendo em vista a finalidade que foi dada pelos criadores: apreender os fenômenos de competição entre a cultura e as plantas daninhas, que colonizam o espaço com especificidades diferentes.

A partição dos fotoassimilados

A última etapa do balanço consiste em direcionar os ganhos de carbono para os órgãos em expansão. Essa é a parte mais delicada, pois se o conhecimento do processo de aquisição do carbono se embasou em estudos na área de bioclimatologia (balanços de energia, interceptação pela copa) e de fisiologia (resposta da fotossíntese aos fatores do meio,

medição das respirações de manutenção e crescimento), o conhecimento sobre o destino dos assimilados da fotossíntese é, até hoje, parcial.

Os modelos Ceres, Stics e Oryza reservam um percentual de biomassa para os vários órgãos em crescimento, de acordo com a fase de

desenvolvimento, atuando portanto como o piloto do módulo fenológico. Dentro de uma fase, esta porcentagem pode evoluir, conforme mostra a Figura 5, no exemplo do modelo Oryza para o arroz.

Por trás dessa representação muito simplificada da realidade, uma questão- chave diz respeito ao crescimento do compartimento folha: o aumento da área foliar que determina o nível de interceptação e, conseqüentemente, de fotossíntese, deve ser ou não proporcional ao aumento em massa das folhas? Deve-se ligar ou desligar o acréscimo em massa ou em superfície? Os modelos fornecem várias opções, em função de diferentes hipóteses de funcionamento da planta.

Tempo Fração dos fotoassimilados na parte aérea

Floração Iniciação panícula Maturidade 1 0 Panículas Bainhas e colmos Folhas

Fig. 5. Partição da biomassa aérea na planta, segundo o modelo Oryza.

Em Ceres e Oryza, o aumento do índice de área foliar (IAF) é calculado diariamente, pela multiplicação da biomassa destinada às folhas por sua área específica, caráter genético ligado à espessura da folha. Por sua vez, o modelo Stics monitora o aumento do IAF pela temperatura e densidade inicial da cultura, considerando o número de plantas e não sua área específica. O processo utilizado no Stics o torna menos suscetível a uma subestimação ou superestimação da área foliar inicial. De fato, em Ceres e Oryza, qualquer erro de estimativa no início, vai aumentando

dramaticamente com os dias: a área subestimada vai subestimar o ganho de carbono que, por sua vez, vai subestimar a fração de fotoassimilados que está sendo direcionado para o aumento da área. A questão reside, portanto, na base fisiológica de uma ou outra opção usada para os cálculos.

Em Sarra-H, uma opção original é proposta, com bases fisiológicas mais explícitas: o acréscimo em biomassa das folhas é calculado da mesma forma, multiplicando a área específica pela biomassa das folhas. Por outro lado, a porcentagem de assimilados direcionados para as folhas evolui com a biomassa aérea total, e não com o tempo, conforme mostra a Figura 6.

y = -0,0004x + 0,708 R2 = 0,9736 y = -0,0004x + 0,7026 R2 = 0,981 0 0,2 0,4 0,6 0,8 0 500 1000 1500 Biomassa aérea (g/m²) Raz ã o B iomas s a f o lh as / B . ár ea

Fig. 6. Porcentagem de fotoassimilados direcionados para as folhas, em milheto,

com e sem deficiência hídrica, utilizando o Sarra-H

A partir da floração, a quase totalidade dos fotoassimilados é destinada ao enchimento dos grãos. Os modelos propõem, todavia, processos de cálculo que se assentam em hipóteses de funcionamento diferentes.

Em Ceres-milho, são introduzidos como parâmetros genéticos o número potencial de grãos por espiga e a velocidade máxima de enchimento. O número real de grãos a serem enchidos é deduzido da taxa de crescimento no início da fase. O enchimento obedece uma equação linear, em função da temperatura, com uma duração geneticamente determinada. A taxa de aborto aparece, assim, como fator limitante preponderante do rendimento. Em Stics-trigo, o número de grãos formados é calculado em função da taxa de crescimento no período entre a iniciação da espiga e a floração. Após o florescimento, a velocidade de enchimento é fixada em função do número de grãos formados, independentemente da variedade. O rendimento é obtido multiplicando a velocidade pela duração da fase, caráter que

apresenta variabilidade genética. Nesse caso, observa-se que a duração da fase tem papel preponderante na determinação do rendimento.

Em Sarra-H, um índice de colheita potencial é definido em função da taxa de crescimento entre a iniciação da panícula e a floração, de um modo similar ao modelo Stics. Após a floração, o aumento diário de biomassa determina o enchimento dos grãos durante um período determinado geneticamente.

No documento Anais... (páginas 57-63)