• Nenhum resultado encontrado

Marchas: negociando com a cultura massiva e produzindo visibilidade autoral

As marchas juvenis, expressivas de maneiras contemporâneas de ativismo, são fenômenos comunicacionais que mobilizam e produzem materialidades comu- nicativas abundantes. Entendemos ainda que, em termos mundiais, ativismos dessa natureza são lócus de materialização de representações sobre os jovens e as juventu- des que ressiginificam, inúmeras vezes, “sistemas especialistas” (GIDDENS, 1991) oriundos da cultura midiática massiva.

Um episódio recente, já mencionado no artigo, é exemplar desse tipo de articulação. Quando, em meados de julho de 2011, o movimento estudantil chile- no, denominado por alguns estudiosos os novos “pinguinos”, como se pode ver em Aguilera (2014), trouxe para as ruas de Santiago coreografias inspiradas em ícones do pop norte-americano, debates acalorados tomaram de assalto tanto grupos de jovens ativistas, reunidos em fóruns digitais, quanto, por exemplo, envolveram pes- quisadores de importantes redes internacionais como a Associação Internacional para o Estudo da Música Popular (IASPM).

Em algumas de suas postagens, na lista de discussão organizada pela ses- são latinoamericana da IASPM (IASPM-AL), investigadores problematizavam os sentidos da intensa associação entre formas políticas e formas do entretenimento. Um dos participantes afirmava que

Donde se baila Michael Jackson me parece que está muy cercano a los flashmobs o moBidas como se les comienza a llamar en Madrid. Se trata de convocatorias que se hacen por medio de las redes sociales para ocupar un espacio público (a veces priva- do) para cantar, bailar y aun tocar músicas (y videos) bien conocidas y con diferentes motivos: protestas contra el gobierno o alguna empresa (denuncia de explotación laboral), peticiones al gobierno u otra autoridad (arreglar calles, protesta contra desahucios), comunicación con la estrella homenajeada (¡cuando vienes a Toulouse Lady Gaga!!!???) o simplemente divertirse… muchas veces es sólo diversión. Bueno en todos los casos hay un componente de diversión y ocio irrenunciable.

[…] El contrafactum de Grease es una versión muy sofisticada del lipdub (playback casero).

En mi opinión se trata de prácticas de diversión ampliamente difundidas en sectores de la juventud que pueden ser reutilizadas para algún objetivo social o político concreto. Let’s fun! Toda generación construye su mundo con las herramientas a su alcance y los estudiantes chilenos lo están haciendo muy bien!!

Outros participantes não eram tão otimistas quanto a associações entre o divertir-se e o se engajar, como se nota no seguinte argumento:

En cuanto a lo inocuo, lo señalé no porque creo que lo sean realmente, sino porque lo parecen, pues es la imagen que se tiene de estas danzas y coreografías “light”. Sobre todo considerando que, al igual que en México, abundan en la tele chilena los shows que apuntan a alimentar el sueño de la fama y del reconocimeinto del talento indi- vidual u organizacional, pero no político, entre un público familiar y especialmente juvenil. En fin, a lo que voy es que parecer inocuo y light (y pop) es bastante útil para captar adeptos y mantener la represión a raya, pues existe el riesgo de padecer no sólo la censura, sino también la violencia corporal.

Sobre las redes sociales, en todo caso, crecen las sospechas de control y me consta que algo de eso hay. Por ejemplo, quise postear en fcbk una foto de la última marcha y el sistema no me lo permitió porque la foto había sido denunciada de “abusiva”. Hice una contradenuncia, pero hasta ahora no me llega ninguna respuesta y sigo sin poder linkear la foto, así es que la descargué y luego la publiqué directamente.

Os depoimentos acima apenas confirmam o caráter dinâmico e complexo dessas ações protagonizadas por jovens que, em sua prática cotidiana, produzem narrativas sobre si e sobre os outros, negociando e subvertendo sentidos engen- drados pela cultura massiva e por práticas de consumo das quais eles próprios são atores. Estudar ações juvenis articuladas à constituição de cenas políticas mediadas pela cultura, em suas mais amplas e díspares expressões – das materialidades do consumo à comunicação midiática, da produção de vídeos radicalmente contesta- dores à ocupação transgressora de ruas e equipamentos urbanos – evoca certo revival hipermoderno da lógica do it yourself punkeira, agora marcado pela apropriação de

meios digitais e pela busca de visibilidade sociocultural. Essa produção de visibili- dade autoral e de subjetivações iconoclastas, midiatizadas e moleculares parece-me fundamental para nos perguntarmos se, e como, de fato, a política está se tornando novamente pensável.4

Essas novas formas de engajamento juvenil são ainda estratégicas para res- pondermos, atualmente, a alguns problemas de pesquisa: o que jovens ativistas con- cebem por consumo, por comunicação e por política? Como se relacionam com o consumo midiático e tecnológico? Quais são, efetivamente, os produtos materiais e simbólicos por eles consumidos? Como constroem sua visibilidade social, apro- priando-se e negociando com formatos comunicacionais hegemônicos e contra- -hegemônicos? Como avaliam as interfaces comunicação e política, distinguidas a ambiência massiva dos fóruns digitais?

Ao analisar tais narrativas, a via estética é a que nos permite aferir o ca- ráter cultural e as mutações do sensível atinentes às formas discursivas estudadas. O conceito de narrativas, aqui, dilata-se. Narrativas são relatos que trazem em sua materialidade as marcas do vivido, a entonação existencial dos sujeitos que relatam, evitando-se, em sua leitura, “uma busca de verdade ou de reconstrução dos fatos, acontecimentos ou eventos sociológicos, mas sim [são compreendidas] como versões a partir do presente”. (AMAYA, 2004, p. 44)

Modos de dizer e lugares enunciativos, as narrativas são também uma for-

ma plástica que abriga um corpo que narra, um corpo – ou vários – que narra seu tempo, ao mesmo tempo em que, na materialidade da narrativa produzida, funciona como barômetro do tempo vivido; narrando-se, os jovens constroem seus “palimpsestos de identidade” (MARTÍN-BARBERO, 1998), mas, igualmente, fa- zem-se metáfora do espírito de seu tempo.

E que tempo é este? Este é um tempo de corpos-mídia e cidades-mídia, com a reconfiguração das noções de espaço público, de cidadania e de política. O que reconheço é também uma leitura das narrativas ativistas que, ao nelas identificar a inegável penetração de midiatizações e discursos midiáticos, não irá a essa carac- terística associar, aprioristicamente, a alcunha do comodismo, do desencanto e da pauperização do sensível.

Marcial (2006), uma década atrás, constata que a apropriação de referentes simbólicos por jovens de Guadalajara, no México, participava de uma “construção identitária a partir do consumo”. (MARCIAL, 2006, p. 33) Investigando diferentes 4 Como propõe Laclau (2008, p. 12), retomar a iniciativa política significa, a partir de um ponto de vista teó-

expressões juvenis (punks, skinheads, neohippies, hackers, dentre outros), Marcial, em sua abordagem do consumo cultural, não se centrará “naqueles elementos que falam de processos de segregação social, cuja origem é o status e o prestígio”. As juventudes em resistência que interessam ao autor o levam, ao contrário, a compreender que é no consumo que diversas ideologias juvenis

[...] buscam diferenciar-se do resto da sociedade enquanto identidades sociais, mas também resultam importantes os processos de comuni- cação e integração que estas culturas juvenis estabelecem com o pro- pósito de criar laços de solidariedade e identificação cultural entre os que comungam as variadas formas de ser jovem. (MARCIAL, 2006, p. 33-34)

Documentos relacionados