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Sabe-se que pontes são obras de infraestrutura projetadas e construídas para a circulação de veículos e pessoas dentro de uma perspectiva de expansão crescente das malhas viárias do interior e do exterior das cidades. Ao longo do tempo, têm sido também o caminho para a expansão de impérios, para o incre- mento do comércio mundial, para a realização das ambições de globalização em mercados regionais e para o deslocamento das forças produtivas. São, portanto, instrumentos para a expansão do poder político estatal e para a reprodução do capital nas suas diversas modalidades.

As pontes têm a propriedade de reorganizar, modificar, reordenar o espaço urbano como poucas infraestruturas podem fazê-lo, já que podem transpor obstá- culos naturais, criar novas rotas para as trocas comerciais e promover o turismo em regiões antes inalcançáveis. Permitem, portanto, a existência de uma sociedade

37 Do original, em inglês: In today’s atmosphere of ecological awareness and the desire to be in

harmony with nature, the cable-stayed bridge possesses that built-in quality of “form following function.” Itsinherent beautyemanates from this quality and the bridge blends harmoniously with the natural surroundings. Tradução de Luciano Barbosa.

contemporânea que busca a mobilidade e a comunicação, que busca a experiência de enxergar mais de uma paisagem que não apenas a da sua localidade e que converte o cidadão em consumidor visual de edificações e paisagens naturais. As pontes, em suas diversas tipologias e soluções construtivas, são formas antigas que promovem mudanças na relação entre tempo e espaço socialmente consumíveis, alterando de forma importante a paisagem, as relações sociais e as economias locais.

As pontes, por terem valor estético e artístico, são também fenômenos ima- géticos consumíveis pelo olhar e pelo desejo. Configuram-se em verdadeiras super esculturas que podem dotar as localidades de uma marca, de uma identidade ou de um atrativo turístico que as diferenciem de outras cidades, quer pela beleza, quer pelo arrojo estrutural das soluções adotadas. Pontes estaiadas, pênseis, ou em concreto, dotam as localidades de uma paisagem particular de difícil reprodução, o que possibilita que diversas cidades pelo mundo possam ser facilmente reconhecidas pelas suas pontes. Keeling (2009, p. 56) afirma que imagens da Ponte Golden Gate, em San Francisco, da Ponte do Porto de Sydney, ou da Tower Bridge, em Londres, por exemplo, “[...] permitem o reconhecimento imediato destas cidades, bem como

converteram-se em ícones culturais que dizem muito sobre estas localidades”38.

Em particular, nos últimos tempos, pontes pelo mundo têm sido executadas com a tecnologia do estaiamento, o que lhes confere qualidades estéticas e pos- sibilidades estruturais sem precedentes. Destacam-se, por exemplo, os projetos do arquiteto espanhol Santiago Calatrava, entre outros.

As obras de infraestrutura urbana costumam ser, muitas vezes, despro- vidas de qualidades plástico-formais e, não raro, são excluídas das análises das edificações icônicas de um lugar. É o caso de muitas pontes “feias” espalhadas pelo Brasil, construídas ao longo do século XX, que visavam tão somente superar a lacuna entre as margens dos cursos d’água. Mas, ao que parece, governos locais atentaram para a possibilidade da construção de pontes “bonitas” nas últimas décadas, nas cidades brasileiras. Viram nestas obras a possibilidade da construção de identidades associadas ao marketing urbano e ao político, mediante a edificação de empreendimentos que marcam pela grandiosidade e pelas soluções arrojadas. São exemplos emblemáticos as Pontes Juscelino Kubitschek e Octávio Frias de Oliveira, que se tornaram, tão pronto foram concluídas, ícones das cidades de Brasília e São Paulo, respectivamente. Ambas tornaram-se cartões postais e cenário para filmes, competições esportivas, campanhas publicitárias, dentre outras formas de extração de mais valias por meio da riqueza simbólica da estrutura high tech, revelando um aspecto diacrônico na evolução da produção de infraestruturas urbanas, em que se constroem pontes não mais apenas pela função maior, de vencer vãos, mas

38 Do original, em inglês: […] convey instant recognition of a place and serve as cultural icons that

também no intuito de produzir ícones de grande impacto visual. É sintomático que a construtora Construbase, uma das duas integrantes do consórcio que erigiu a Ponte Newton Navarro, apresente-a, em seu portfólio, como uma “obra de arte”

e não como obra viária, por exemplo39.

Entende-se que essa Ponte insere-se nesse novo contexto de produção de infraestruturas espetaculares, embora tenha sido construída no intuito de solu- cionar problemas viários de Natal e de dar continuidade ao projeto de interligação intermunicipal através do litoral norte-rio-grandense. Essa obra deu continuidade a iniciativas, tomadas pelo Governo do RN ainda nos anos 1980, que levaram à execução da Via Costeira, tida como a primeira iniciativa importante com vistas à dinamização da atividade turística em Natal. A Via Costeira, com seus mais de 8 km de extensão, foi inaugurada, em 1983, e teve como principal objetivo dotar Natal de infraestrutura hoteleira com vistas à inserção da cidade no circuito turístico nacional. “Atendia, portanto, à necessidade de se dar competitividade ao setor turístico local” (FURTADO, 2008, p. 59). São duas obras complementares, portanto, no que se refere à interligação do litoral urbano de Natal.

Nesse contexto, ainda deve ser citada a duplicação e o asfaltamento da BR-101, que permitiu o desenvolvimento turístico no litoral ocidental norte do RN. Para ligar as pontas, ou seja, a Via Costeira à BR-101, e consolidar o roteiro em direção às praias do norte, é que foi construída a Ponte Newton Navarro. É, portanto, “[...] mais um grande empreendimento a promover a atividade turística na Região Metropolitana, dessa vez no sentido do Litoral Norte, área essa cuja expectativa é de ocupação por grandes empreendimentos turísticos” (GOMES, 2009, p. 59). É, pois, um empreendimento estratégico com diversas nuances e repercussões na dinâmica dos setores terciário, de comércio e de serviços, nos aspectos ligados ao trânsito da cidade e nos impactos na paisagem natural e construída.