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metodologia de investigação Opções Metodológicas

escolar: estudo exploratório

2. metodologia de investigação Opções Metodológicas

Dado que a metodologia a adotar numa investigação deve ser escolhida em fun- ção da especificidade do problema colocado e dos objetivos traçados no estudo (Serrano, 2004), assim como do conjunto das interações que se estabelecem com outros elementos do contexto global da investigação, considerou-se per- tinente seguir uma metodologia qualitativa de natureza interpretativa, onde se privilegiou a recolha de dados em ambiente natural (Bogdan & Biklen, 2010). Para assegurar a legitimidade interna do estudo recorreu-se a uma triangulação metodológica, entre teoria, dados recolhidos e investigador (ibidem).

Este estudo incidiu sobre um grupo de 22 crianças, com idades compreen- didas entre os 3 e 5 anos, pertencente ao Jardim de Infância da Barosa, con- celho de Leiria, com o qual se utilizou a atividade de reconto como estratégia de avaliação do desenvolvimento linguístico infantil. A seleção da história lida e da amostra do estudo fez-se a partir de uma entrevista exploratória semi- -estruturada realizada à educadora que acompanha o grupo, tendo sido soli- citado que esta selecionasse três crianças, uma com 3 anos, uma com 4 e uma com 5 anos que, segundo esta, apresentassem um nível linguístico representa- tivo do grupo. A história escolhida foi O Coelhinho Branco por fazer parte da planificação previamente preparada para o grupo de crianças considerando-se, por este motivo, que esta foi feita por conveniência.

Recolha e análise dos dados

A recolha dos dados foi feita em contexto escolar pelas investigadoras e teve início com a leitura da história O coelhinho Branco por parte da educadora. Após a leitura da história foi solicitado às três crianças selecionadas previa-

mente pela educadora que recontassem, de forma individual, a história que tinham escutado. Importa referir que a educadora assumiu uma atitude de passividade e objetividade de modo a não influenciar os resultados, o que permitiu que cada criança se exprimisse livremente durante o tempo que con- siderasse necessário.

Os dados recolhidos foram gravados em áudio e transcritos ipsis verbis. Reconto da S. (3 anos) – “/Tá a, tá/ aí /aguém/? A /caba cabês entou a ca, a a a a a siu ti/, e /e efan ia sante tês/ e disse eu /sato-te/ em /terês/. E o cão /diche/ nãooo. E disse também nãoo. /Lato/ disse /tabém/ não. E /fecou/ a falar e a / famica/ disse sim. E a /famica/ disse sim. Sim da /mafa-ta frárá. Tuz teruz tá/ aí /aiém/? E a /framiga sutou-ta/ ficha e o /calhinho beranco/ disse /terá fá/. E a / perota táva abreta/ e /ata pertês tá/ saiu. /Vretrória vretória cabou-se/ a /estrória/.”

Reconto do M. (4 anos) – “O coelhinho foi apanhar alfaces e cenouras. Quando ele chegou a casa vê /auguém/ fechou a /pota/ dele. Foi a /caba cabês/. Não! Agora esta casa é minha mais um e dois e /tês/. O que se passa coelhi- nho? - disse o boi. A /caba cabês entou/ na minha casa e mais um e dois e /tês/. Podes-me /ajudá/? Ai /náááão/ Depois foi /ó gao/. O cão podes a /caba cabês entou/ na minha casa e mais um e dois e /tês/. E nãooooo. Tenho medo /dél/,

vou-me já /imbora/. Depois /peguntou ó/ cão /puqué/ que /tás/ assim coelhi- nho? /Puque/ a /caba cabês entou/ na minha casa e mais um e dois e /tês/. Ai não, vou-me já embora. Depois as /fomiguinhas/: /Fomiguinhas/ podem-me ajudar? A /caba cabês entou/ na minha casa e mais um e dois e /tês/. É /cuaro/ que podemos. As /fomiguinhas entaram/ na casa /pu/ baixo e depois e depois foram e depois foram /fazer-le comechão/ na /caba cabês/ mais um e dois e / tês/. Começou a /fugi/ a /fugi fugi fugi/, teve comichão, comichão. /Tória/, / vtória/ acabou-se a /estória/. Amanhã há mais história.”

Reconto do D. (5 anos) – “Era uma vez um coelho saiu da toca foi /busca- re/ couves /pa fazê/ uma sopa, viu /ca pota tava abeta/ e disse: /tuz tuz/ quem é? Sou a /caba cabês/ salto-te em cima e faço-te em /tês/. Foi viu o coelhinho, o coelho e depois viu o cão. Cão podes-me /ajudare/? Não não! Continuou, / pocurou/ e viu o boi. O boi disse: o /qué/ que foi? /Caba cabês/ salto em cima e faz-me em /tês/. O boi disse: não não! /Encontou/ o gato e disse: gato podes- -me /ajudare/? O /qué/ que foi? E disse o coelho: É a /caba cabês tá da/ minha toca salto em cima e faz-me em /tês/. Não não! /Sintou-se/ ao canto junto à estrada e disse /fomiga/ passou: o /qué/ que foi coelho? Foi a /caba cabês/ sal- tou em cima e faz-me em /tês/. Vou-te eu ajudar. Tu és tão pequena. Espera aí! Foram, bateram à /posta/. /Tuz tuz/ quem é? É a /fomiga, fomiga/ rabiga. E eu salto-te em cima e salto-te em cima e faço-te em /tês/. Ai é? Eu salto-te em cima e furo a barriga! Fugiu que nem uma seta.”

Na análise dos dados pretende-se fazer uma descrição e interpretação dos recontos orais produzidos pelas crianças de forma a analisar o domínio lin- guístico revelado em função da idade cronológica dos sujeitos.

Ao analisar-se o desenvolvimento fonológico das crianças através dos re- contos produzidos, é possível constatar que relativamente à classificação dos sons e à sequência destes nas palavras, estas produziram sons consonânticos e vocálicos e também empregaram ditongos, hiatos, e grupos consonânticos (este último com exceção da criança M.).

Nas produções orais em análise, as crianças fizeram uso de diferentes des- vios fonológicos sendo os processos de supressão os que mais se destacaram. Nestes recontos, os sujeitos não produziram frequentemente o som [r], prin- cipalmente quando este se encontra num grupo consonântico; tal facto pode ser justificado pela aquisição da estrutura silábica CCV ocorrer a partir dos 5 anos (Antunes, & Rocha, 2009). Destaca-se ainda que cerca de 54,83% da produção oral da criança S.(3 anos) apresenta um ou mais desvios fono- lógicos, enquanto os sujeitos M.(4 anos) e D.(5 anos) apresentam 26,59% e 20,11%, respetivamente. Verifica-se assim uma diminuição do número de pseudopalavras com o aumento da faixa etária, situação que se previa tendo em conta que o desenvolvimento linguístico infantil está associado a um pro- gressivo domínio do sistema fonológico.

Através da análise das produções orais verificou-se, assim, que as crianças vão corrigindo progressivamente as sequências não permitidas na sua língua, identificando a fronteira entre as palavras e manipulando as unidades do oral. Entre os 3 e os 5 anos a linguagem oral infantil aproxima-se do português padrão, sendo notório um desenvolvimento fonológico associado ao conheci- mento gramatical implícito e à aquisição das estruturas fónica da língua – au- mento progressivo da consciência fonológica.

Ao nível do desenvolvimento pragmático todos os sujeitos utilizaram o dis- curso com intenções comunicativas de carácter informativo e textual, dado

que a atividade solicitada foi o reconto de uma história. Contudo, nas crianças M. (4 anos) e D. (5 anos) é ainda notório o uso do discurso como forma de regulação, uma das características que se torna comum a partir dos 2 anos de idade (Sim-Sim, 1998). É também percetível nestas crianças mais velhas o uso correto de deíticos pessoais (ex.: ele) e temporais (ex.: quando), o que não acontece na produção oral da criança S.(3 anos), facto que poderá ser explicado pelo egocentrismo associado a esta idade (Piaget, 1955 cit. por Sim- -Sim, 1998).

Sendo os atos ilocutórios uma das noções essenciais da pragmática, é de realçar que as crianças M. e D., com idades compreendidas entre os 4 e 5 anos, aperfeiçoaram as suas intenções comunicativas através do recurso aos mesmos, maioritariamente, expressivos e diretivos (ex.: “/Tuz tuz/ quem é? É a /fomiga, fomiga/ rabiga”), o que segundo Almeida (2009) reflete os vários níveis de delicadeza. É de salientar ainda que, o sujeito S. (3 anos) respeita apenas a máxima da qualidade, utilizando frases simples e curtas, enquanto os sujeitos M. e D. cumprem já a máxima do modo, pois ambos conseguem ter um discurso claro, breve e objetivo, características esperadas nesta faixa etária (Mateus et al., 2003, cit. por Almeida, 2009).

As três crianças que participaram no estudo revelam conhecimentos ao nível lexical e semântico, uma vez que todas utilizam palavras adequadas ao cumprimento da tarefa que lhes foi solicitada previamente (reconto). É, por- tanto, notória, a mobilização de redes de relação semântica entre as palavras, atribuindo-se significado a personagens da história, momentos associados a ações e objetos anteriormente memorizados através da leitura da história (Sim-Sim, Silva, & Nunes, 2008).

O vocabulário utilizado no reconto vai sendo nitidamente expandida à me- dida que a criança aumenta a sua idade, sendo notória também a progressiva capacidade para utilizar a linguagem com o objetivo de trocar informações com o interlocutor (Carvalho, 2008). Ao longo do discurso estas palavras surgem organizadas em contextos frásicos que têm, por isso, um significado particular.

As três crianças formulam frases simples e complexas, estas últimas come- çam a surgir por volta dos 3 anos de idade (Acosta et al, 2003) pelo que se pode referir que a criança S. apresenta já um bom nível sintático. Apenas o sujeito M.(4 anos) produz orações coordenadas e subordinadas, os restantes restringem-se às frases formadas por processos de coordenação. Pode ainda verificar-se a produção de frases interrogativas por todos os sujeitos.

No reconto as crianças M. (4 anos) e D. (5 anos) introduziram determi- nantes artigos, possessivos, pronomes, advérbios, interjeições e fizeram con- cordância em género e número. A criança S. não usou palavras de todas estas classes, possivelmente por ser por volta dos 3 anos que as crianças começam a incorporar as mesmas nas frases (Sim-Sim, Silva, & Nunes, 2008). Como o reconto requer concentração para que a criança realize um esquema mental da história, todos os sujeitos repetiram várias vezes as mesmas palavras de modo a manterem o seu raciocínio.

Em síntese, é possível notar a partir da análise dos recontos produzidos pelas três crianças, que estas já apresentam uma competência linguística que lhes permite cumprir a tarefa de reconto.

Ao recontar uma história a criança faz uma reconstrução mental das partes da narrativa o que lhe permite interiorizar a noção de sequencialidade (Za- notto, 2003). Neste sentido, à exceção da criança S. (3 anos), os sujeitos do estudo apresentam uma sequência lógica de acontecimentos no seu reconto,

respeitando os momentos da ação, nomeadamente a estrutura geral da narra- tiva (introdução, desenvolvimento e conclusão), as personagens e a sua ordem de entrada (coelho, cabra cabrês, cão, boi, gato, formiga), o contexto espacial e a posição do narrador. O facto de a criança S. não apresentar algumas das características anteriores pode dever-se ao facto desta se encontrar no final da fase protonarrativa (entre os 2 e os 3 anos)/início da fase da narrativa primiti- va (entre os 3 e os 4 anos) altura em que apenas relata experiências imediatas, podendo necessitar de perguntas orientadoras por parte do adulto, nomeada- mente para a identificação e relato dos espaços, acontecimentos e personagens presentes na história (Zorzi & Hage, 2004).

3. considerações finais

Através da técnica do reconto oral de uma narrativa foi possível recolher um conjunto de dados que permitiram a análise das competências linguísticas in- fantis em três fases distintas da educação pré-escolar (3, 4 e 5 anos de idade). De um modo geral, pode-se concluir que os participantes demonstraram um nível linguístico espectável relativamente às suas idades nos vários domí- nios da linguagem (fonológico, lexical, semântico, morfológico e sintático), sendo de realçar o grande desenvolvimento da linguagem oral na fase entre os 3 e os 4 anos, não sendo tão evidentes as diferenças entre as crianças de 4 e 5 anos de idade.

Relativamente às características da narrativa, estas fizeram-se notar em todas as produções orais analisadas, embora sejam mais evidentes nas crianças mais velhas que adequaram o seu discurso às personagens e aos momentos da ação da história, respeitando de forma evidente a estrutura geral de uma narrativa (introdução, desenvolvimento e conclusão) e as suas principais componentes.

Embora o estudo realizado tenha um cariz exploratório, é possível reconhecer o reconto como uma boa estratégia de promoção do desenvolvi- mento linguístico infantil e com a qual o educador/professor pode enriquecer a sua prática pedagógica. Considera-se importante que a criança desde cedo tenha contacto com atividades deste tipo que desenvolvam a escuta ativa e que promovam a expressão criativa, clara e eficiente, facilitando a adequação do discurso da criança ao contexto.

Pelo exposto, considera-se pertinente a realização de futuras investigações de natureza semelhante, alargando o número de sujeitos envolvidos e, se pos- sível, expandindo também o tempo de acompanhamento de cada uma das crianças, permitindo assim uma análise longitudinal da produção oral infantil.