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Nas trilhas da Amazônia paraense: situando o campo de estudo

E, finalmente, o quinto capítulo, tratará sobre “Os efeitos do Programa Rede Vencer em Altamira e Santarém: entre os desafios da construção e os riscos da

3 ENTRE CIDADES, RIOS E FLORESTAS: O INSTITUTO AYRTON SENNA NO CENÁRIO EDUCACIONAL DE ALTAMIRA E SANTARÉM, NA AMAZÔNIA

3.1 Nas trilhas da Amazônia paraense: situando o campo de estudo

O estado do Pará68 foi criado em 1616 por ocupação portuguesa, tornando-se autônomo em 1774. Designado inicialmente de Feliz Luzitânia pelos portugueses, posteriormente passou a ser denominado de Grão-Pará e depois Pará. A origem do nome Pará vem do termo “pa’ra”, cujo significado é rio-mar na língua indígena tupi-guarani, e expressa a maneira como os indígenas chamavam o braço direito do Rio Amazonas (ANUÁRIO, 2011/2012).

Conforme contagem populacional realizada em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estado do Pará totaliza 7.588.078 habitantes, sendo o mais populoso da região. Sua densidade demográfica é de aproximadamente 6,7 habitantes/km², demonstrando que o estado é pouco povoado, e contribui com 3,97% da população brasileira. Quanto à distribuição da população segundo o sexo, as mulheres apresentam um percentual de 49,6%, totalizando 3.762.833, e os homens um percentual de 50,4%, o que equivale a 3.825.245. A maioria da população reside em áreas urbanas (68,49%), enquanto na área rural habitam 31,5% da população paraense. Tem como capital a grande Belém, a cidade mais populosa do estado, com 1.393.399 habitantes. Apresenta um Índice de Desenvolvimento Humano – IDH de 0,755 (2005) (ANUÁRIO PARÁ, 2011/2012).

O processo de colonização que ocorreu no estado contribuiu para a formação de uma população miscigenada, formada a partir de indígenas, negros e descendentes de imigrantes asiáticos e europeus, resultando na seguinte composição étnica bastante heterogênea: Pardos (73%); Brancos (23%), Negros (3,5%) e Indígenas (0,6%). De acordo com dados da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, o território do Pará concentra 31 etnias indígenas espalhadas em 298 povoações, totalizando mais de 27 mil indígenas. Possui também comunidades negras remanescentes de antigos quilombos, sendo que no Censo de 2010, 30.081 pessoas se autodeclararam indígenas, o equivalente a 0,5% da população do estado (IBGE, 2010).

Com uma economia centrada na agropecuária (8,6%), indústria (31%) e serviços (60,4%), no ano de 2009, o Produto Interno Bruto – PIB – do Pará registrou a marca de 49,5                                                                                                                          

68 Localizado na parte oriental da Região Norte, o estado do Pará é cortado pela linha do equador e pelo rio Amazonas. Possui uma superfície de 1.247.954,666 km², que corresponde a 32,38% da região Norte e 14,66% de todo o território nacional. Configura-se como o segundo maior estado brasileiro, sendo limitado ao norte pela Guiana, o Suriname e o estado do Amapá; a nordeste pelo oceano Atlântico; a leste pelos estados do Maranhão e de Tocantins, ao sul e sudeste pelo estado do Mato Grosso; a oeste pelo estado do Amazonas, e no extremo noroeste pelo Estado de Roraima. Todo o litoral paraense, com 562 km de extensão, é banhado pelo Oceano Atlântico (Disponível em http://www.ibge.gov.br/estados. Acesso em 14/07/2012).

bilhões de reais; o PIB per capita é de 7.707 reais. A participação do estado para o PIB brasileiro é de 1,9%; para o PIB regional, essa contribuição é de 37,1%, sendo a maior da Região Norte.

Sua divisão política comporta cento e quarenta e quatro municípios, distribuídos em seis Mesorregiões e vinte e duas Microrregiões. De acordo com dados do último censo em relação à quantidade populacional e ao espaço geográfico ocupado pelas Mesorregiões no território paraense, são apresentados os índices registrados na tabela abaixo:

Tabela 3 – População, taxa de crescimento populacional anual e participação populacional no Pará por mesorregiões – 2010

Fonte: SEPOF e Censo Demográfico de 2010 – IBGE

* Embora o Pará tenha 144 munícipios, houve a criação do Município de Mojuí dos Campos, que ainda não foi incluído na divisão das Mesorregiões. Como se trata de um distrito que pertencia ao Município de Santarém, situado na Mesorregião do Baixo Amazonas, provavelmente permaneça nessa mesma área de abrangência.

Ao destacar as especificidades que se imprimem na trajetória de formação histórica, política, econômica e sociocultural na Amazônia, em especial no atual estado do Pará, é imprescindível esquivar-se de certa tendência que tem marcado a abordagem sobre tais questões, que é a de retratar essa região por sua vastidão territorial, o que resulta em um “vazio demográfico”, ou por sua riqueza grandiosa em termos da biodiversidade, de forma isolada ou descontextualizada de uma conjuntura maior. Acreditamos que para apreender os

Mesorregiões

Nº de Municípios* Índice e Participação sobre População do Estado (%) Índice de Participação sobre Área Territorial

do Estado (%) 1 – Baixo Amazonas 14 9,71 27,29 2 – Marajó 16 6,42 8,35 3 – Metropolitana de Belém 11 32,15 0,55 4 – Nordeste paraense 49 23,60 6,67 5 – Sudoeste paraense 14 21,73 33,32 6 – Sudeste paraense 39 6,38 23,83 TOTAL 143 100,0 100,0

contextos dos municípios que constituem o corpus de nossa pesquisa, seja necessário compreender o contexto maior, no caso, a constituição histórico-social que hoje permeia a Amazônia paraense.

Os aspectos de suas particularidades históricas e regionais expressam transformações de diferentes processos colonizadores que resultaram em uma dinâmica permanente de construção e reconstrução em sua formação social e econômica, tendo na estrutura fundiária a tônica das tensões e conflitos entre as intervenções do Estado, a inserção do mercado capitalista e a resistência dos moradores que vivem e produzem na fronteira amazônica. Para Jean Hébette e Edma Moreira (2004d, p. 26),

A Amazônia tem especificidades históricas e regionais que não permitem reduzi-la a uma “língua geral” sociológica ou histórica. Não é casual, nem sem consequências, que durante 150 anos (1621-1774) tenha existido o Estado do Grão-Pará, posteriormente do Grão-Pará e Maranhão, autônomo em relação ao Brasil.

Essa região fronteiriça representa um contexto multifacetado cuja assertiva tem sido, desde os primórdios do atual Brasil, palco de disputa e distribuição dessas terras para ocupação e povoamento na perspectiva de assegurar o domínio de Portugal, por meio da criação das capitanias, as quais segundo Hébette e Moreira (Ibidem), constituíam-se em “terras de privilégios reais”. No processo de povoamento e valorização das terras do Norte, necessitava-se de mão de obra para a produção agroextrativista, e recorreu-se inicialmente à caça e escravização dos indígenas e, posteriormente, à escravidão africana. No período que se segue pós-abolição, permaneceram as fazendas voltadas à criação de gado, que representavam verdadeiros “minimunicípios” com os seus munícipes, comércio e trapiches sob os domínios do então coronel, descrito por Hébette (2004b, p. 34-35) nos seguintes termos: “O coronel é o patriarca da família; é o pecuarista que dirige a empresa; é o chefe político ao que todo eleitor deve fidelidade; é o delegado de polícia, o juiz. Dele é a escola, o comércio, a capela, o trapiche e o barco. É o dono da terra e dos que nela habitam”.

Por meio das mudanças decorrentes do desmoronamento da estrutura escravocrata associada ao capital industrial europeu que despontou com a demanda do látex pela indústria europeia e norte-americana nos fins do século XIX, alterou-se a estrutura social e econômica da Amazônia, pois com “a corrida à borracha e ao caucho” (HÉBETTE E MOREIRA, 2004a, p. 30), se viu uma nova organização de trabalho denominada de “aviamento”, que refletia uma

espécie de escravidão por dívida, [...] uma imobilização desta força de trabalho livre, mais cruel do que a escravidão dos tempos coloniais (HÉBETTE e MOREIRA 2004a, p. 31).

Após 50 anos em que o látex dominou a vida econômica, política e social amazônica, essa região volta a ser arena de intervenção na economia e no território com a formação do moderno aparelho de Estado. De acordo com Becker (2001), a intervenção estatal teve como fase inicial o planejamento regional (1930-1960), período no qual houve a implantação do “Estado Novo” por Getúlio Vargas, e, embora tenha havido certo interesse pela região, pouco foi feito. A consolidação das ações interventivas nas terras amazônicas ocorreram no governo de Juscelino Kubitschek, por ocasião da implantação das rodovias Belém-Brasília e Belém- Acre, sob a justificativa de unificação do mercado nacional.

Como resultado da abertura da fronteira agrícola da Amazônia, ocorreram diversos conflitos envolvendo lutas sangrentas por terra, exploração da mão de obra dos migrantes, assassinatos de pequenos agricultores, denúncias de grilagem, casos de trabalho escravo, enfim, uma competição e disputa entre mais fortes e mais fracos pela posse e propriedade da terra (HÉBETTE, 2004c; HÉBETTE E MOREIRA, 2004a). Porém, a abertura oficial da Amazônia ao capital nacional e internacional, consolidada no projeto desenvolvimentista dos governos militares, deu-se em confluência com o planejamento regional dessa região nos anos de 1965 a 1985. Segundo observa Becker (2001), o Estado iniciou seu projeto geopolítico com a finalidade de modernizar de forma acelerada a sociedade e o território nacionais. E, para viabilizar a ocupação, por meio da produção de uma “malha programada” assim denominada pela autora, a partir de um duplo controle – técnico e político – e vislumbrando facilitar a circulação e a exploração de recurso, foram desenvolvidas as seguintes estratégias: a) a Implantação de Redes de Integração Espacial – que se deu mediante a construção de rede rodoviária, com estradas a partir de eixos transversais, como a Transamazônica e a Perimetral Norte; e intrarregionais, a exemplo da Cuiabá-Santarém e Porto Velho-Manaus, rede de telecomunicações, rede urbana e finalmente, a rede hidroelétrica; b) A superposição de Territórios Federais sobre os Estaduais, que possibilitou a criação da Amazônia Legal (1966) como um espaço geopolítico oficial, e, a decisão de que uma faixa de 100 km, de ambos os lados de toda estrada federal, deveria pertencer à esfera estatal (1970-1971), com a justificativa de servirem aos projetos de colonização. Além disso, foi também criado o

Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia – POLAMAZÔNIA, desenvolvido para viabilizar a exploração de recursos minerais69.

Como resultados desse empreendimento estatal conduzido pelo capital privado alteraram-se as relações sociais, a mobilidade espacial, além de ter ocasionado grandes impactos ambientais e uma instabilidade nas condições de modo de vida e na produção da força de trabalho dos diferentes grupos sociais locais. Mas, ao mesmo tempo, viabilizou organização e mobilização dos camponeses e de diversos segmentos das comunidades locais atingidas pela implantação dos grandes projetos dando visibilidade aos contrastes sociais e às reivindicações coletivas de suas cidadanias. Essas questões são descritas com maestria por Hébette (2004c).

Diante disso, a trajetória do processo de colonização e da tão sonhada reforma agrária na região da Amazônia Oriental, principalmente no estado do Pará, ainda representam grandes desafios, pois embora haja consenso no que diz respeito a uma sensação de “ausência” infligida pelo Estado, contudo, o que se observa é que se trata de uma região na qual, de acordo com Vidal (2009), a presença do Estado se manifesta a partir de estratégias de planejamento de políticas públicas distantes daquelas demandas das populações locais; uma região que é ainda afetada pelo ineficiente desempenho de suas instituições. Tal situação evidencia a frágil institucionalidade do aparelho estatal, ao mesmo tempo em que favorece a emergência de agentes econômicos na condução das questões sociais e econômicas, com a intenção de preencher esse hiato deixado pelo Estado e por suas instituições governamentais, concorrendo para a continuidade de sérios problemas que afligem os povos amazônidas no atendimento de suas necessidades básicas, reproduzindo sobremaneira as condições de desigualdade que caracterizam essa região desde sua formação.

Nas últimas duas décadas houve novos investimentos para a região Amazônica a partir da implantação de diversos projetos elaborados pelo governo federal, a exemplo dos programas Brasil em Ação e Avança Brasil70, ocorridos no primeiro e no segundo mandato do                                                                                                                          

69 A partir da criação da Amazônia Legal, foi implantado um conjunto de organizações financeiras para impulsionar e gerenciar as atividades econômicas da região como a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM, Banco da Amazônia – BASA, e o Fundos de Investimentos da Amazônia – FINAM. Já o POLAMAZÔNIA possibilitou a liberação de licenças de exploração de jazidas de grande extensão para empresas nacionais e internacionais, resultando a implantação dos grandes projetos estatais apoiados pelo capital estrangeiro, sendo que grande parte desses projetos foram direcionados à parte oriental, principalmente no estado do Pará, como a mina de ferro da Serra dos Carajás, as minas bauxita no município de Oriximiná, as indústrias de alumínio ALBRÁS-ALUNORTE na Vila do Conde – Barcarena, a represa hidrelétrica em Tucuruí (BECKER, 2001).

70 O programa Brasil em Ação envolvia projetos que visavam a recuperação das estradas Brasília-Acre (BR 364) e Cuiabá-Santarém (BR 163); o asfaltamento da Manaus – Boa Vista (BR 174); a implementação das hidrovias

presidente Fernando Henrique Cardoso – FHC, respectivamente, com foco em Eixos de Desenvolvimento Econômico-Social. Os impactos esperados por esses programas na região reacenderam novos temores e muitas tensões, uma vez que esses eixos novos atravessariam áreas até então intactas, segundo aponta Nepstad et al. (2000), impondo para algumas extensões sérios riscos de queimadas, por serem afetadas por uma estação seca bastante longa. Além disso, há o aumento expressivo do desmatamento regional, bem como uma exposição de risco a essa situação problemática por parte de 31 reservas indígenas e 26 unidades de conservação presentes no entorno, o que pode ocasionar intensos conflitos. Diante desse cenário preocupante, o autor alerta também para as dificuldades que as instituições governamentais e demais esferas consideradas essenciais para assegurar a qualidade de vida da população podem enfrentar, pois

Nesta expansão rápida da fronteira, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, a Fundação Nacional de Saúde – FNS, o Sistema Único de Saúde – SUS, e os sistemas judiciário e educacional teriam sua capacidade ainda mais diluída ao tentarem expandir seus serviços para atender a uma população rural esparsa, diminuindo ainda mais a possibilidade de melhoria da qualidade de vida ao longo da fronteira. O êxodo rural e o inchaço de zonas urbanas continuariam a crescer (NESPESTAD et al., 2000, p. 16).

Apesar de todos os investimentos realizados, ainda assistimos uma dinâmica estatal nas três esferas de governo, que interage e distorce a dimensão societária na Amazônia, à medida que as políticas públicas ainda continuam sendo elaboradas e executadas à margem de mecanismos democráticos. Esse hiato entre as demandas dos diferentes grupos sociais locais e das propostas apresentadas pelos governantes, ainda que sob o signo da boa intenção de                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             do Araguaia-Tocantins e do Madeira; o gasoduto de Urucu e a linha de alta tensão conectando Tucuruí a Altamira e Itaituba. Já o programa Avança Brasil, desenvolvido no segundo mandato de FHC, centralizava os investimentos dirigidos à Amazônia Legal em quatro corredores multimodais de transportes, totalizando 3,5 bilhões de dólares. Mais de 50% eram destinados ao corredor Araguaia-Tocantins, cerca de 30% para o corredor Sudoeste, 15% para o corredor Oeste-Norte e 5% para o corredor Arco Norte. A estratégia territorial global para a implantação destas ações tinha por finalidade central a incorporação efetiva dos territórios de sua parte mais ocidental ao Sul-Sudeste do país, tomando como eixos principais as hidrovias e duas rodovias norte-sul, Cuiabá- Santarém e Porto Velho-Manaus- Boa Vista-Venezuela. Para maiores detalhes, consultar Nepstade et al. (2000); Kohlhepp (2002) e Théry (2005). No governo do Presidente Lula ocorreu o prosseguimento e ampliação do modelo de eixos de integração e desenvolvimento na região Amazônica mediante o Plano Plurianual 2004-2007, que foi relançado no Plano Plurianual (PPA) 2008-2011. No segundo mandato de Lula, o principal programa de desenvolvimento lançado foi o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), que deu sequência à mesma tendência dos dois programas do Governo FHC, ou seja, eliminar as restrições na capacidade de geração de divisas na balança comercial e promover a atração de capitais produtivos. Para que esses objetivos sejam alcançados são previstas medidas em cinco blocos: infraestrutura, estímulo ao crédito e ao financiamento, melhora ao ambiente de investimento, desoneração e aperfeiçoamento do sistema tributário e medidas fiscais de longo prazo. (BRASIL, 2007).

superar os problemas históricos existentes nessa região, geram um desgaste nas linhas de atuação dos governos federal, estaduais e municipais e de seus órgãos de promoção do desenvolvimento,

Outro fator que interfere nos desdobramentos e no êxito das políticas de desenvolvimento para a Região Amazônica, segundo aponta Gutberlet (2002), se inscreve no âmbito da participação dos municípios na condução das políticas sociais, visto que esta se restringe a receber e executar as ações e investimentos determinados previamente pelo governo federal, o que pode ocasionar o engessamento das reivindicações do poder local e do poder público. Essa tendência é contrária, portanto, ao que estabelece a Constituição Federal, em seu artigo 18, quando reconhece os municípios como entes federativos autônomos, atribuindo-lhes maiores competências na gestão das políticas públicas, destacando as municipalidades como agentes do desenvolvimento local.

Os municípios e as microrregiões sempre foram tratados como receptores de investimentos e executores de políticas já decididas previamente. É uma realidade histórica que as comunidades raramente podem se empenhar na discussão sobre o rumo do desenvolvimento local, resultando, geralmente, em decisões pouco sustentáveis para as comunidades (GUTBERLET, 2002, p. 159).

Esse baixo nível de intervenção municipal pode ser atribuído às dificuldades encontradas pelos governos municipais e estaduais no âmbito da preparação de quadros técnicos da Administração Pública, necessários no gerenciamento dos recursos financeiros, humanos e ambientais. A escassez de pessoas qualificadas nessa área pode comprometer as demandas sociais locais, bem como os desdobramentos das ações das políticas públicas federais, aprofundando ainda mais os problemas no atendimento dos grupos sociais que habitam a região, principalmente as populações do campo. Assim, Gutberlet (Ibidem), enfatiza que os problemas dos municípios amazônicos necessitam apresentar saídas para as questões localmente identificadas, sem deixar de considerar as demais relações que perpassam a gestão da pública e que impactam diretamente as comunidades mais carentes, como as relações intersetoriais, intergovernamentais e internacionais. Aspectos esses nos quais as municipalidades amazônicas ainda precisam avançar.

Essas dificuldades apresentadas pela região, principalmente no que diz respeito ao conjunto de elementos que conformam a particularidade ao reordenamento territorial da Amazônia paraense, aliada às estratégias territoriais dos novos agentes em escala sub-regional

por meio da valorização das cidades médias, consideradas importantes centros urbanos, segundo observa Trindade Júnior (2012), nos ajudam a compreender os novos processos que vêm se caracterizando na definição de uma dinâmica que defende a criação de novas unidades a partir do desmembramento do estado do Pará71.

Segundo o autor, em 2004, foi apresentado ao Congresso Nacional um Projeto de Decreto Legislativo – PDC, número 1.217 –, que defendia a formação de outras unidades da federação a partir do estado do Pará: o Xingu, o Tapajós e Carajás. E, nos anos de 2009 e 2010 dois novos projetos de lei (nº. 2300/09 e o nº. 731/00) marcaram o retorno dessa discussão, os quais propunham a criação dos Estados de Carajás e do Tapajós. Tais proposições foram objeto de um plebiscito no estado do Pará, realizado em dezembro de 2011, que teve por resultado a não aceitação da divisão territorial do Pará72.

Para além dos desafios que se impõem no cenário da Amazônia, é inegável que a sua realidade socioeconômica e, de modo particular, a educacional, segundo Gutierres (2010), pode ter sido fator preponderante para o estímulo à política de descentralização da gestão do ensino fundamental via municipalização iniciada em 1995, e que se configurou como uma das diretrizes contidas no Plano Estadual (1995-1999) que marcou o governo Almir Gabriel – PSDB. Essa política foi implementada com o argumento de que a municipalização já estava estabelecida na legislação educacional em nível nacional e estadual e precisava ser cumprida: “[...] tanto com a Constituição Estadual de 1989 quanto a Emenda Constitucional 14/96 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 estabeleciam que a reponsabilidade por essa etapa da Educação Básica era de prioridade dos municípios” (Ibidem, p. 146).

A proposta apresentada pelo governo do estado do Pará para a efetivação da municipalização do ensino fundamental73 tinha como meta universalizar a municipalização do ensino nos 143 municípios até o final de 2002, o que não foi atingido, pois até o ano de 2009,                                                                                                                          

71 Segundo Gutierres (2010), a defesa pela criação dos estados de Carajás e do Tapajós emerge na década de 1990. A formação do estado de Carajás foi apresentada ao Congresso Nacional em 1992 pelo deputado Giovani Queiroz do PDT/PA que pleiteava a união de 39 municípios do sul e sudeste do Pará, abrangendo Tucuruí e Serra dos Carajás, a maior província mineral do mundo. O estado do Tapajós foi proposto pelo deputado Mozarildo Cavalcante do PTB/RO e reuniria 25 municípios do Oeste do Pará, inclusive Santarém e Alter do Chão.

72 O resultado final dessa consulta popular foi a seguinte: 66,59% escolheram “não” para a formação do estado de Carajás e 66,% rejeitaram a criação do estado do Tapajós.

73 “A definição de parceria entre o Estado e municípios, segundo a Constituição Estadual, é reforçada pelo atendimento de um regime de colaboração para o atendimento ao ensino fundamental público, visando, entre outros pontos, à responsabilidade progressiva ao do município pelo atendimento em creches, pré-escolas e ensino fundamental, começando pela educação infantil e primeiro ciclo do ensino fundamental. No entanto, em