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E, finalmente, o quinto capítulo, tratará sobre “Os efeitos do Programa Rede Vencer em Altamira e Santarém: entre os desafios da construção e os riscos da

2 O TERCEIRO SETOR E AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NO CAMPO EDUCACIONAL BRASILEIRO: APORTES PARA A PRIVATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

2.2 O Instituto Ayrton Senna e sua Proposta de Parceria na Educação Pública

2.2.1 As Propostas Educacionais do IAS: soluções educacionais para o “Desenvolvimento Social” e sua aspiração curricular

2.2.1.5 Programa Gestão Nota

O Programa Gestão Nota 10 foi elaborado com a clara intenção de propor soluções e monitoramento para situações problemáticas que afetam o desempenho das redes de ensino visando a melhoria da qualidade de ensino. Propondo a “gestão eficaz”, os objetivos do Programa Gestão Nota 10 são apresentados da seguinte forma:

                                                                                                                         

Elevar a qualidade da aprendizagem de forma equitativa e promover a articulação de todas as condições necessárias para a eficácia dos processos educacionais nas Redes públicas de ensino, incluindo princípios de gestão nas quatro esferas da Educação formal: aprendizagem, ensino, rotina escolar e política educacional. Também objetiva fortalecer a competência técnica das lideranças e das equipes de trabalho, criando uma interação ativa e cooperativa na escola e entre a escola e a secretaria de Educação. 61

Por ser um programa de gerenciamento das rotinas nas instituições escolares e secretarias, investe em um conjunto de mecanismos eficientes e autônomos com o propósito de capacitar e fortalecer os gestores educacionais e escolares, para que estes possam gerenciar os recursos com maior eficiência e adquirir maior independência pedagógica e administrativa. Dentre os mecanismos propostos por esse programa, podemos citar os indicadores e as metas gerenciais; a capacitação dos profissionais em serviço e os relatórios gerenciais, que proporcionam informações em tempo real sobre quatro aspectos da gestão educacional: aprendizagem, ensino, rotina escolar e política educacional.

Tem no IDEB o paramento para balizar ações de acompanhamento e monitoramento, as quais se assentam basicamente em dois aspectos: nos fluxos – nos quais estão presentes as taxas de rendimento e de transição; e no desempenho – no qual se apresenta a pontuação na escala do SAEB. No ano de 2011, o Programa Gestão Nota 10 contou com 556 municípios parceiros, atendendo 1.154.576 crianças.

Os indicadores de sucesso propostos por esse programa são os seguintes:

• Cumprimento de 100% das 800 horas mínimas de aula; • 98% de frequência de professores e alunos;

• 95% de alfabetização ao final da 1ª série (sete anos de idade); • 95% de aprovação;

• Somente 2% de reprovação por falta – abandono e; • 95% de fluxo escolar corrigido, no mínimo. 62

Assim, os três primeiros programas descritos caracterizam-se como programas de caráter emergencial por focalizarem problemas já existentes nas redes de ensino, decorrentes da má qualidade dos processos educacionais, como o analfabetismo, a defasagem e o abandono. Enquanto que os programas Gestão Nota 10 e Circuito Campeão são responsáveis pela introdução nas redes de ensino dos municípios parceiros de uma cultura de gestão focada                                                                                                                          

61 Disponível em http://senna.globo.com/institutoayrtonsenna. Acesso em 18/09/2011. 62 Idem.

em resultados. São considerados pelo IAS como programas preventivos, uma vez que são implantados como medidas estratégicas para evitar a ocorrência dos problemas já citados.

Contudo, é possível afirmar que, para o IAS, o ProgramaGestão Nota 10 é a grande referência no estabelecimento de metas e ações na oferta de uma educação de qualidade, configurando-se como instrumento de gerenciamento tanto para as secretarias de educação quanto para as instituições escolares, por proporcionar instrumentos gerenciais e procedimentos administrativos capazes de produzir mudanças na forma de conduzir a educação e os atores sociais envolvidos no processo educativo.

A gestão propriamente dita é aquela capaz de articular os recursos em prol dos resultados, com os devidos ajustes de percurso. A gestão se vale de processos gerenciais e instrumentos administrativos, mas vai além deles. No Acelera e no se Liga, o acompanhamento de indicadores de processo (cumprimento de calendário escolar, presença de professores e alunos, realização de lição de casa, reuniões de planejamento, visitas de supervisão e livros lidos) é determinante para a qualidade do resultado. 63

Essa concepção expressa pelo IAS evidencia o entendimento de uma gestão pautada em resultados de eficácia e eficiência nas matrizes do modelo gerencialista que, segundo Cabral Neto e Castro (2007), tem suas bases na ideia de modernização da administração pública e vincula-se a aspectos empresariais assentados em princípios de flexibilidade, eficácia, produtividade, em conformidade com as propostas defendidas por Bresser Pereira (1998, 1999a). Essa concepção está, portanto, na contramão da defesa da gestão democrática, perspectiva por nós defendida. Por isso, concordamos com Freitas (2007, p. 503) quando diz que a gestão democrática como uma nova forma de administrar os sistemas de ensino e as instituições escolares precisa ser capaz de

[...] opor à prevalência da técnica a prevalência do político e do pedagógico; à racionalidade instrumental, uma racionalidade valorativa; ao predomínio do formalismo, das normas escritas e das estruturas hierarquizadas, a construção cooperativa de alternativas e as formas participativas de decisão- ação-regulação; à separação entre concepção e execução, a unidade do pensar-fazer, da teoria-prática; ao aprofundamento da divisão técnica do trabalho, mediações para a democratização de conhecimentos e saberes do trabalho; à seletividade do processo de escolarização, a garantia e a efetivação da educação escolar como direito público subjetivo.

                                                                                                                         

Por seu turno, a qualidade da educação64 expressa sob forma de resultados de desempenho é tomada como mecanismo de gerenciamento, estando esta subordinada às mesmas matrizes inspiradoras, quais sejam, a busca por uma qualidade norteada pela utilização racional de recursos financeiros, humanos e materiais, aliada a medidas de desempenho do sistema e dos níveis de ensino como soluções e metas técnicas capazes de solucionar os impasses da educação pública. Afirmamos, assim, que a qualidade da educação defendida pelo IAS traz, em si, uma junção com o paradigma normativo do currículo por competência promovido por agências internacionais, principalmente pela OCDE, quando passa a elencar o conjunto de competências que deveria organizar os novos objetivos da educação, considerados “a rota para o desenvolvimento dos países e a orientação para a formação das novas gerações integrarem-se, coesivamente, na sociedade do conhecimento e no mundo do trabalho produtivo” (CHIZZOTTI, 2012, p. 441).

Tal convicção tem respaldo na própria fala da presidente do IAS, Viviane Senna, quando coloca que a compreensão de que o sucesso e a produtividade das redes de ensino e de suas escolas dependem, em boa parte, da maneira como estas são organizadas e geridas, pois,

[...] O maior problema é introduzir no dia a dia dos profissionais da Educação a observância de quatro fases durante o processo educacional, praticadas de forma continuada: diagnóstico, planejamento, execução e

avaliação, para novamente diagnosticar, planejar, executar e avaliar.

Essa rotina precisa estar presente em todas as etapas e esferas do processo educacional, para que o aluno possa desenvolver, de fato, as competências cognitivas, produtivas, relacionais e afetivas, de forma a dar concretude aos quatro pilares educacionais: aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser. Dessa forma, é possível praticar, de maneira integrada, a gestão da aprendizagem, do ensino, da rotina escolar e da política educacional. (EDUCAÇÃO EM CENA, outubro de 2008, p. 5, grifos nossos.)

O site do IAS ainda informa os passos necessários para que essas tecnologias educacionais sejam implantadas. O primeiro passo é a elaboração de uma análise de cenário dos municípios pretendentes, seguida pela adoção de estratégias bem estruturadas e estruturantes, composta de indicadores passíveis de mensuração, acompanhados de metas pré- definidas. A implantação nas escolas se dá por meio de parcerias com as secretarias de educação municipais e/ou estaduais e com a iniciativa privada (empresas socialmente responsáveis que investem na educação).

                                                                                                                         

64 Sobre a noção de qualidade da educação e a concepção de currículo expressa nas diretrizes do Programa Rede Vencer, essa questão será analisada mais sistematicamente nos capítulos quarto e quinto desta tese.

É interessante o destaque dado ao fato de os programas Se Liga, Acelera Brasil e Circuito Campeão terem sido pré-qualificados pelo MEC como ferramentas de apoio aos sistemas públicos de ensino para a promoção da qualidade da educação no documento denominado “Guia de Tecnologias Educacionais 2009” .65

Essa ênfase se justifica a partir do momento que o IAS passou a receber recursos públicos via MEC, o qual se utiliza das tecnologias sociais – Se Liga e Acelera Brasil – em seus Programas ministeriais de correção de fluxo.

Na tabela abaixo, registram-se os valores pagos pelo MEC ao IAS no segundo semestre de 2010.

Tabela 2 – Repasse de Recursos do MEC para o Instituto Ayrton Senna – 2010

DATA SERVIÇO ETAPA ORIGEM TOTAL

9/6/2010 Implantação e implementação das tecnologias educacionais de correção de fluxo escolar denominadas Se Liga e Acelera Empenho MEC 15.751.069,00 14/6/2010 Pagamento MEC 4.647.768,75 26/7/2010 Pagamento MEC 749.718,75 26/8/2010 Pagamento MEC 1.632.705,20 26/8/2010 Pagamento MEC 344.013,55

Fonte: Portal da Transparência. (Disponível em www.portaltransparencia.gov.br. Acesso em 21/10/2010). Além dessas ações educacionais desenvolvidas no plano da educação formal, o IAS também oferece às municipalidades que tenham interesse em tornarem-se parceiras, outros programas na área da educação complementar, a serem aplicadas com crianças e jovens no contraturno ou nas escolas de tempo integral.

De acordo com o que divulga o IAS, os programas Educação pela Arte, Educação pelo Esporte e SuperAção Jovem “são programas que trazem metodologias inovadoras que                                                                                                                          

utilizam a arte, o esporte e um trabalho focado no desenvolvimento dos jovens para que possam fortalecer competências e habilidades essenciais ao seu dia a dia”. 66

Nos últimos anos, o Instituto começou a atuar na área de Educação e Tecnologia por meio da criação de programas que empregam a tecnologia para garantir a inclusão de forma qualificada e de forma que ajude no aprendizado, relacionando-se ao uso inovador das tecnologias de informação e comunicação.

Os programas Escola Conectada e Comunidade Conectada propiciam acesso aos equipamentos e ao treinamento para o manuseio de computadores, softwares e internet, tanto para o aprendizado e o desenvolvimento de competências, quanto para preparar as pessoas de baixa renda com competências e habilidades necessárias para enfrentar a competitividade do mercado de trabalho.

Outra atividade que integra os programas do IAS é a Brinquedoteca, vista como espaço lúdico inserido no interior dos hospitais, criado para crianças e jovens em situação de tratamento oncológico, que conta com ajuda de profissionais e voluntários para realização de oficinas psicopedagógica e demais atividades lúdicas e de orientação psicológica para pais durante a internação. Tem o objetivo de “Humanizar a internação hospitalar, aumentando a adesão ao tratamento e elevando os índices de sobrevida dos pacientes” 67

As brinquedotecas, no ano de 2010, atenderam 45.292 crianças e jovens que estão em três hospitais oncológicos, nas cidades de São Paulo, Campinas e Salvador.

Pela forte presença e pelas ações desenvolvidas pelo IAS, no ano de 2004, este Instituto recebeu a chancela da UNESCO para a Cátedra de Educação e Desenvolvimento Humano, sendo reconhecido pela produção e disseminação de conhecimentos e soluções para o desenvolvimento humano. Foi a primeira organização não governamental a receber esse prêmio.

A partir do que foi explicitado, podemos inferir que o Instituo Ayrton Senna vem se consolidando no cenário nacional e internacional como uma instituição do Terceiro Setor de referência na formulação, execução e no monitoramento de tecnologias sociais direcionadas à esfera da educação pública, buscando imprimir qualidade ao ensino dos municípios parceiros. Aspecto este que reforça o discurso da ação social, do empreendedorismo e da responsabilidade empresarial como aportes para a inserção de uma cultura de gerenciamento                                                                                                                          

66 Disponível em http://senna.globo.com/institutoayrtonsenna. Acesso em 18/09/2011. 67 Idem.

da gestão e da aprendizagem, balizada pelo enfoque nos resultados e metas, nos indicadores de sucesso e no desenvolvimento humano com indícios economicistas.

Essa tendência apresentada nas propostas do IAS convergem com o discurso e a apologia da eficiência do setor privado na condução dos serviços públicos, salvaguardando o entendimento da educação ser revestida por um campo de oportunidade de negócios, como argumenta Ball (2004, p. 1109), uma vez que “alimenta a competitividade econômica por meio do desenvolvimento de habilidades, capacidades e disposições exigidas pelas novas formas econômicas da alta modernidade”.

Pela abrangência das propostas educacionais desenvolvidas pelo IAS percebemos que, embora sejam bem estruturadas e estejam em consonância com as orientações e diretrizes alvitradas pelo MEC e pela legislação do ensino brasileiro, as diretrizes, os princípios e a noção de qualidade que sustentam as ações do IAS precisam ser questionadas e analisadas para entendermos como tais propostas conseguem se consolidar como ferramentas eficazes e eficientes no enfrentamento dos problemas educacionais em contextos tão diferentes, sem que sejam considerados os aspectos socioculturais e a dinâmica organizacional das instituições escolares.

Dizemos isso em concordância com as discussões apontadas por Gentili (2001c), quando desenvolve uma análise aprofundada sobre os argumentos do neoliberalismo, favoráveis a privatização, os quais defendem que a saída para os problemas da educação está na delegação das atribuições públicas para entidades, afirmando ser este setor que apresenta as melhores condições de eficiência nos serviços oferecidos pela sociedade. Essas condições, segundo o autor, se dariam pela via do apadrinhamento de instituições escolares por grupos empresarias frente ao apelo moral que, contribuindo financeiramente, estariam ajudando na manutenção de soluções para os problemas sociais no país.

Ligado a essa retórica, Gentili (2001c) observa a existência de outro argumento alicerçado na filantropia estratégica no sentido da adoção, por parte de grupos empresariais, de ações filantrópicas. Esta atitude possibilitaria às empresas conquistar uma “nova” imagem diante da sociedade, ao lhe conferir certo status, diferenciando-a da empresa concorrente, e estimulando, dessa forma, a competitividade e o lucro das mesmas.

O que percebemos é que este argumento bastante persuasivo tem sido o mais utilizado para endossar a privatização do financiamento educacional, uma vez que mobiliza os donos do capital privado a investirem no setor educacional a fim de impedirem o “perigo iminente”,

ou seja, “Em outras palavras: se os homens de negócios não investem em educação, eles terão que pagar as consequências do descaso governamental” (Ibidem, p. 328). Nessa linha argumentativa, a filantropia passa a ser vista como “um bom negócio” para que se evitem hoje os problemas futuros.

Isso significa dizer que o processo de privatização transcende a ideia de “afastamento” do Estado. Implica em uma dinâmica em que se justifica o repasse das funções educacionais para o setor privado com manutenção e financiamento do dinheiro público, ratificando o que foi verificado ao apresentarmos os valores dos recursos que o MEC, via FNDE, tem repassado para o IAS e, igualmente, para outras instituições sem fins lucrativos, para desenvolverem ações na melhoria da qualidade da educação.

Gentili designa essa prática como a mais nova e ousada forma de privatização, por configurar-se como dinâmica complexa e por desenhar-se em acordo e alianças entre as esferas governamentais e os grupos privados por meio do Terceiro Setor, significando o autêntico sentido de privatizar, visto que: “Não significa ‘afastamento’ do Estado e sim, em alguns casos, participação decidida de um aparelho governamental, ele mesmo, privatizado, que opera em beneficio dos grupos e cooperações que passam a controlar verdadeiramente o campo educacional (Ibidem, p. 330).

Diante das contradições e da complexidade até aqui pontuadas em relação à inserção das parcerias público-privadas e seus “contratos de gestão” e “termos de parceria” regulando a transferência de responsabilidades estatais para o setor público não estatal, com a clara intenção de repassar atribuições estatais a esses empreendedores da educação, qualificando-os como elaboradores e executores de políticas educacionais capazes de melhorar a qualidade da educação brasileira, entendemos que essas dinâmicas se inscrevem num processo de reorganização das relações entre o público e o privado, pois, de acordo com Neves (2005, p. 37):

simultaneamente e de forma imbricada, na sociedade civil os sujeitos políticos que tradicionalmente por intermédio de seus aparelhos, direta ou indiretamente contribuíam na consolidação da hegemonia burguesa nos anos de fordismo (empresários, igrejas, escolas, mídia, etc.), redefinem suas funções no sentido de mais diretamente (com ou sem financiamento do Estado stricto sensu) atuarem na assistência social, nos chamados programas de responsabilidade social, com o intuito de obter o consenso passivo de um contingente amplo da população ao projeto de sociabilidade burguesa e conformar mais diretamente segmentos maciços do proletariado urbano às ideias, ideais e práticas de expropriação e de dominação burguesas.

Com isso, nos encaminhamos ao próximo capítulo a fim de analisar como se materializou a parceria entre as prefeituras de Altamira e Santarém, as quais se propuseram a se submeter às prerrogativas gerenciais do IAS, via Programa Rede Vencer, e para compreender quais foram os impactos em seus contextos educacionais.

3 ENTRE CIDADES, RIOS E FLORESTAS: O INSTITUTO AYRTON SENNA NO