• Nenhum resultado encontrado

A Reforma do Estado brasileiro e a emergência do Terceiro Setor: a Sociedade Civil como instrumento gerencial

E, finalmente, o quinto capítulo, tratará sobre “Os efeitos do Programa Rede Vencer em Altamira e Santarém: entre os desafios da construção e os riscos da

1 ESTADO, SOCIEDADE CIVIL E SUAS INTERFACES COM O TERCEIRO SETOR: CONFIGURAÇÕES, IMPASSES E PERSPECTIVAS

1.2 A Reforma do Estado brasileiro e a emergência do Terceiro Setor: a Sociedade Civil como instrumento gerencial

A reforma administrativa do Estado Brasileiro na década de 1990, reforma cujos fundamentos alteraram expressivamente as atribuições do Estado quanto à oferta dos serviços públicos sociais, ao mesmo tempo em que inauguraram novas bases para o estabelecimento

das Organizações Sociais – OS, e as das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs, que de modo geral, que constituem o Terceiro Setor.

No Brasil, a reforma do Estado começou a ser pensada no governo de Fernando Collor de Melo, em 1989, concretizando-se no decorrer do governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003). No ano de 1995, criou-se o Plano Diretor da reforma do Aparelho do Estado – PDRAE, com a finalidade de definir as diretrizes para a reforma da administração pública brasileira a partir da introdução de técnicas gerenciais modernas na administração pública (BRASIL, 1995). Essa reforma foi proposta com a finalidade de, entre outras, reorganizar o Estado devido à crise fiscal que sobrepujava sua capacidade de investimento; promover o fortalecimento de seu núcleo estratégico; e ainda alterar o modelo de administração pública, substituindo a administração pública burocrática pela administração pública gerencial. Propõe-se assim, uma administração gerencial, que fosse capaz de superar os problemas verificados ao longo dois modelos experimentados pela administração pública estatal: a patrimonialista e a burocrática15:

[...], pretende-se reforçar a governança – capacidade de governo do Estado – através da transição programada de um tipo de administração pública burocrática, rígida e ineficiente, voltada para si própria e para o controle interno, para uma administração pública gerencial, flexível e eficiente, voltada para o atendimento do cidadão (PDRAE, MARE, 1995, p. 13).

O modelo de administração gerencial passou a ser proposto no contexto da ampliação do papel social e econômico do Estado a partir da metade do século XX, momento que a estratégia burocrática mostrou-se inadequada e ineficiente para a complexificação do cenário contemporâneo (ABRÚCIO, 1997; NOGUEIRA, 2005). Essa visão de um “Estado-máquina” caracterizado por uma racionalidade esgotada, como indica Bresser Pereira (1998, p. 29), viu- se a necessidade de “[...] adotar novas formas de gestão da coisa pública, mais compatíveis com os avanços tecnológicos, mais ágeis, descentralizadas, mais voltadas para o controle de                                                                                                                          

15 No modelo de administração do tipo patrimonialista, o aparelho estatal funciona como uma extensão do poder soberano, e os seus auxiliares, servidores possuem status de nobreza real. O modelo de Administração Pública Burocrático emerge na segunda metade do século XIX, no período do Estado liberal, como saída para combater a corrupção e o nepotismo patrimonialista (BRASIL, 1995; BRESSER PEREIRA, 1998). Os governos que adotaram esse modelo de administração pública está alicerçado nos princípios da racionalidade, tendo nas no ideia de Max Weber, sociólogo alemão, o fio condutor da introdução de um novo conceito de organização a administração pública, daí ser também conhecido por modelo burocrático weberiano. Segundo Abrúcio (1997, p. 15) o modelo weberiano constitui-se de “[...] estrutura rígida e centralizada, voltada ao cumprimento dos regulamentos e procedimentos administrativos e em que o desempenho é avaliado apenas com referência à observância das normas legais e éticas”. Para Bresser Pereira (1998, p. 28) “a administração burocrática é racional, nos termos da racionalidade instrumental, na medida em que adota os meios mais adequados (eficientes) para atingir os fins visados”.

resultados do que o controle dos procedimentos”. Assim, mediante a adoção de uma nova concepção de administração pública, denominado de modelo gerencial (managerialism ou

public management), conhecido também como Gerencialismo.16

Esse modelo gerencial, que alicerçou a proposta do PDRAE, construído nos anos de 1990, busca difundir uma cultura organizacional firmada nos princípios de gestão estratégica e do controle de qualidade norteada para a racionalização, a eficiência e a eficácia com o objetivo de tornar a administração pública mais eficiente. Porém, guarda em si, alguns dos princípios basilares do modelo burocrático, ainda que de forma mais flexibilizada, com menos rigidez e controle, evoluindo, particularmente, no que diz respeito aos processos, focando-se mais no resultados do que nos meios.

De acordo com Abrúcio (1997), esse modelo de administração sofreu modificações ao longo da década de 1980 e início da 1990, passando por um processo consecutivo de mutação substancial, que resultou em três perspectivas de gestão da administração pública: o Modelo Gerencial Puro – MGP; o Consumerism; e o Public Service Orientation – PSO.

O Modelo Gerencial Puro – MPG, delimita a primeira fase do gerencialismo. Tem como enfoque principal a busca da eficiência organizacional, integrada aos métodos gerenciais do setor privado, destacando ainda outros aspectos, tais como: a preocupação com produtividade; racionalização e controle orçamentário (corte e redução nos gastos); a avaliação de desempenho organizacional; a descentralização administrativa; a delegação de autoridade (empowerment) aos funcionários. Nesse modelo, a administração pública “deveria assumir essencialmente características técnicas, afastando-se desse modo, de qualquer conotação politica” (CABRAL NETO, 2009, p. 178).

Na segunda fase do modelo gerencial, que ocorre na metade da década de 1990, Abrúcio (1997) destaca que são incorporados novos elementos, e passa a ser denominada de

Consumerism. Essa perspectiva resulta de crítica interna ao MGP, e é dirigida à

racionalização com foco na satisfação das necessidades dos cidadão/consumidores. Apresenta como características centrais, a qualidade dos serviços, a flexibilidade da gestão e prioridade às demandas do consumidor. Observa-se no Consumerism, a passagem da lógica do planejamento para a lógica da estratégia por meio da introdução de mecanismos flexíveis de                                                                                                                          

16 A administração pública gerencial ou nova gestão pública (managerialismou new public management) refere- se ao modelo de administração inspirado na teoria administrativa moderna, fundamentada em princípios, métodos, linguagem e ferramentas gerenciais da administração empresarial, introduzidos na administração pública, cujo objetivo é o aumento constante da produtividade e a orientação para o consumidor. As primeiras experiências de implantação desse modelo gerencial (managerialism) no serviço público ocorreram na Grã- Bretanha, no governo de Margareth Thatcher, em 1979 e nos Estados Unidos, no governo do Presidente Ronald Reagan, nos anos de 1980 (ABRUCIO, 1997).

gestão, bem como, pela defesa da prestação de serviços com qualidade a fim de atender aos anseios dos clientes/consumidores. Sobre a característica qualidade dos serviços, Cabral Neto (2009, p. 179) ressalta que,

[...] a mensuração da qualidade, isto é, a efetividade social deve constituir-se em uma estratégia fundamental para aquilatar o padrão do serviço ofertado ao consumidor. No setor privado, essa estratégia configura-se na qualidade total, a qual procura aumentar a concorrência e atender ao nível de exigência do consumidor. No setor público, ocorre fenômeno semelhante: a administração pública volta a sua atenção para o cliente/consumidor em nome da melhoria da qualidade dos serviços públicos.

Em que pese as mudanças alcançadas como o Consumerism, este passou a ser alvo de críticas, dada suas limitações no que diz respeito a incoerência do conceito de consumidores de serviço público serem classificados como cliente ou consumidor. Em resposta às críticas, propõe-se a substituição desse conceito pelo de cidadão, que por ser um conceito mais, à medida que termo cidadania sugere direitos e deveres e não somente a liberdade de escolher os serviços públicos. A partir dessas ponderações ao Consumerism, o modelo gerencial avança uma nova perspectiva, designada Public Service Orientation – PSO. Esta busca empreender novos caminhos pela discussão gerencial, fortalecendo suas potencialidades e preenchendo lacunas. Abrúcio (1997) destaca que na PSO, temas importantes como

accountability, (responsabilização), transparência, participação política, equidade e justiça

adquirem evidência nas reformas empreendidas nessa perspectiva gerencial. Em suas palavras, “é a partir do conceito de esfera pública (public domain) que é estruturado o conjunto de idéias do Public Service Orientation (PSO)” (Ibidem, p. 27).

Tomando por referência a análise realizada por Cabral Neto (2009), O Public Service

Orientation configura-se como uma nova fase do modelo gerencial, com intensa disposição a

tornar-se hegemônica, e tem como tendências, a desburocratização, a descentralização, o incentivo às parcerias em todos os níveis, transparência, accontability, a competitividade, qualidade, o planejamento estratégico, avaliação de resultados, produtividade, flexibilização, dentre outras.

Ao tratar sobre a reforma do aparelho estatal brasileiro, Peroni (2006) considera que o conteúdo apresentado pelo PDRAE propõe a elaboração de um conjunto de determinações que tendem amplamente à descentralização fiscal e administrativa sob o argumento de que, por meio da redução do Estado, este ficaria mais próximo do cidadão e assim conseguiria aumentar a transparência de suas ações, ampliando os mecanismos de prestações de contas

(accountability) e recuperando, assim, sua capacidade de planejamento administrativo e gerencial, de modo a tornar-se mais eficiente e eficaz.

No que tange à gestão da coisa pública, a Reforma Gerencial teve por finalidade fornecer condições efetivas ao administrador público de gerenciar com eficiência as agências públicas, com instrumentos fundamentados na lógica do mercado. A percepção dessa vertente gerencial se evidencia no próprio Plano de Reforma, quando explicita que

A reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento (PDRAE, MARE, 1995, p.12).

Pautada na redução ou redefinição do papel do Estado e na valorização do mercado, tal reforma, teve como base as seguintes estratégias: privatização – transferência de atividades de área de ação social que até então eram de responsabilidade do Estado para o setor privado, para o mercado ou para o Terceiro Setor; descentralização – transferência para o setor privado de serviços auxiliares ou de apoio; e publicização – transformação de uma organização estatal em uma organização de direito privado, mas pública não estatal, conforme aponta Bresser Pereira (1998).

Nogueira (2005), ao analisar os efeitos da reforma do Estado no Brasil, evidencia que o principal argumento para sua efetivação foi a ideia de que o Estado precisaria se preparar para o ajuste de sua economia à nova competitividade internacional, de modo a recuperar as perdas acumuladas nas décadas anteriores, por conta de um Estado conservador, ineficiente e perdulário – legado de uma herança política e administrativa resultante do processo nacional da revolução burguesa. Para esse autor, a agenda reformadora estabelece uma concepção de modernização administrativa por intermédio de novos parâmetros para a gestão pública, como forma de racionalizar os procedimentos e os custos das operações estatais e melhorar a qualidade dos serviços públicos. Em outras palavras, o reformismo preconizado deveria criar condições expressivas para potencializar tanto a governança, quanto a governabilidade, ou seja:

A reforma foi concebida para promover um incremento significativo do desempenho estatal mediante a introdução de formas inovadoras de gestão e de iniciativas destinadas a quebrar as “amarras do modelo burocrático”, a descentralizar os controles gerenciais, a flexibilizar normas, estruturas e procedimentos. Além disso, trabalharia em prol de uma redução do tamanho do Estado mediante políticas de privatização, terceirização e parceria público-privado, tendo como objetivo alcançar um Estado mais ágil, menor e barato (Ibidem, p. 41).

Na avaliação de Bresser Pereira (1999a), a reforma do Estado é bastante pertinente na conjuntura atual, pois diante da crise econômica que assola o País, torna-se imperativo reformar ou reconstruir o Estado face aos desafios provocados pela globalização. Redefinição realizada não como propósito de reduzi-lo ao mínimo, mas de “fortalecê-lo, para que os governos pudessem garantir, internamente, ordem, eficiência produtiva e justiça social de forma a tornar viável, no plano internacional, a afirmação dos interesses nacionais” (Ibidem, p. 69).

Nessa direção, Peroni (2006a, p.14) se posiciona da seguinte forma diante da reforma estatal com relação às políticas sociais no campo reforma do Estado:

O papel do Estado para com as políticas sociais é alterado, pois com este diagnóstico duas são as prescrições: racionalizar recursos e esvaziar o poder das instituições, já que instituições democráticas são permeáveis às pressões e demandas da população, além de serem consideradas como improdutivas, pela lógica de mercado. Assim, a responsabilidade pela execução das políticas sociais deve ser repassada para a sociedade: para os neoliberais por meio da privatização (mercado), e para a Terceira Via pelo público não- estatal (sem fins lucrativos).

Segundo Silva (2003), o posicionamento defendido por Bresser Pereira (1999) fundamenta-se na ideia de reforma como mecanismo de fortalecimento do Estado e foi uma tentativa de evitar comparação com os neoconservadores, de modo a permitir uma “combinação e complementaridade entre mercado e Estado como pressuposto básico ao bom funcionamento do sistema econômico e do regime democrático” (Ibidem, p. 76).

Nessa acepção, desenvolveu-se uma proposta de Estado social-liberal, capaz de preparar o País para o mundo globalizado e competitivo, mascarando, porém, os traços identificados com o neoliberalismo por intermédio do realce do aspecto social e democrático, por ser submetido ao controle social. Ou seja, o Estado social-liberal não seria nem um

Estado social-burocrático, que contrata, diretamente, professores, médicos e assistentes sociais para realizar de forma monopolista e ineficiente os serviços sociais e científicos; um Estado neoliberal que se pretende mínimo e renuncia a suas responsabilidades sociais; um Estado social-liberal – que por sua vez proteja os direitos sociais ao financiar as organizações públicas não estatais – que defendem direitos ou prestam serviços de educação, saúde, cultura, assistência social – e seja mais eficiente ao introduzir a competição e a flexibilidade na provisão desses serviços. Um Estado que, além de social e liberal, seja mais democrático, pelo fato de suas atividades submeterem-se diretamente ao controle social (BRESSER PEREIRA & GRAU, 1999, p. 17).

É evidente que o aparato ideológico usado para promover a reforma administrativa no Brasil – e assim detectar os problemas que afetavam a governabilidade do País, quais sejam: o tamanho do Estado, a necessidade de redefinição de papel regulador do Estado, a recuperação da governança e governabilidade do Estado (SILVA, 2003) – serviu como prerrogativa para que o Estado redefinisse sua área de atuação, distinguindo assim as atividades exclusivas do Estado dos serviços sociais e científicos e da produção de bens e serviços para o mercado.

Outro argumento utilizado por Bresser Pereira (1999a) no processo de convencimento da reforma administrativa foi a personificação da sociedade civil dentro de uma lógica gerencial, como espaço privilegiado de cidadãos, grupos e empresas organizados, trabalhando em colaboração como governo.

O tom do discurso propagado por Bresser Pereira (1999a) dá conta de um papel estratégico da sociedade civil na reforma tanto do Estado quanto do mercado, ao concebê-la como “a parte da sociedade que está fora do aparelho de Estado. Ou, situada entre a sociedade e o Estado, sendo o aspecto político da sociedade: a forma por meio da qual a sociedade se estrutura politicamente para influenciar a ação do Estado” (Ibidem, p. 69); assim, esta (a sociedade civil) configura-se como principal agente promotor das reformas institucionais nas democracias contemporâneas. Em suas palavras,

[...] a sociedade que, fora do Estado, é politicamente organizada, o poder nela existente sendo o resultado ponderado dos poderes econômico, intelectual e principalmente organizacional que seus membros detêm. A sociedade, assim estruturada na forma de sociedade civil, passa a ser o ator fundamental que, nas democracias contemporâneas, está, de uma forma ou de outra, promovendo as reformas institucionais do Estado e do mercado (Ibidem, p. 71).

Alicerçados nessa concepção de sociedade civil, Bresser Pereira e Grau (1999b) endossam a necessidade da constituição de um espaço público não estatal, também

denominado de Terceiro Setor, “setor não governamental” ou “setor sem fins lucrativos”, concebido como uma forma nem estatal e nem privada de realizar os serviços sociais assegurados pelo Estado. Tais organizações são definidas pelos autores como,

[...] organizações ou formas de controle “públicas” porque voltadas ao interesse geral; são “não-estatais” porque não fazem parte do aparato do Estado, seja por não utilizarem servidores públicos, seja por não coincidirem com os agentes políticos tradicionais. A expressão “terceiro setor” pode considerar-se também adequada na medida em que sugere uma terceira forma de propriedade entre a privada e a estatal, mas limita ao não estatal enquanto produção, não incluindo o não-estatal enquanto controle. [...] o que é estatal e, em princípio público. O que é público pode não ser estatal, se não faz parte do aparato do Estado (Ibidem, p.16-17).

Ao se posicionar sobre a forma como a sociedade civil foi convocada no movimento reformista, Nogueira (2003) critica o posicionamento teórico dos autores, uma vez que a sociedade civil pensada nesses termos, remete a cooptação do seu conteúdo e capacidades de direção ético-político defendido por Gramsci (2000), suprimindo seu potencial como campo de disputa de poder e de dominação, pois

Nessa idéia de sociedade civil não há lugar para a questão da hegemonia. Nela, não se trata de saber se algum ator pode ou não prevalecer e dirigir a sociedade, mas de verificar como os atores atuam para obter vantagens ou extrair maiores dividendos para si, ou seja, maximizar seus próprios interesses. Trata-se de um espaço cujos personagens típicos são atores que se organizam ou de modo restrito, egoístico, ou de modo desinstitucionalizado (por exemplo, no plano do voluntariado ou do assistencialismo tradicional). Não há ações que pretendam a conquista do Estado, mas ações contra o Estado ou indiferentes em relação a ele. Em decorrência, o Estado que corresponde a essa sociedade civil é um Estado mínimo, reduzido às funções de guarda da lei e da segurança, mais liberal e representativo do que democrático e participativo (NOGUEIRA, 2003, p. 192).

Nogueira (2005), em outra obra, tece críticas à maneira como esta foi normatizada e tecnificada no contexto da Reforma do Estado Brasileiro. Considera que reforma da Administração Pública promoveu um significativo recuo do Estado nacional diante da economia mundial e dos mercados. Ao passo que ela deveria instituir condições para um desenvolvimento expressivo “tanto da governança (capacidade de implementar políticas públicas) quanto da governabilidade (condições institucionais de legitimação)” (Ibidem, p,

41), no sentido de introduzir formas inovadoras de gestão com base na descentralização dos controles gerenciais, na flexibilizar das normas, estruturas e procedimentos, “na política de privatização, terceirização e parceria público-privado, tendo como objetivo alcançar um Estado mais ágil, menor e mais barato.” (Ibidem, p.41), na perspectiva de promover desempenho estatal e romper com as ‘amarras do modelo burocrático’, não obteve êxito nessa empreitada, pois o que se viu-se foi mais a avanços no campo de sua eficiência e de racionalização em função de critérios fiscais e quantitativos em detrimento dos critérios sociopolíticos, os quais ficaram fragilizados. Diante disso,

[...] Ao promover a descontrução do Estado realmente existente – mediante a utilização intensiva de mecanismos de privatização, descentralização, cortes e redução funcional -, o processo desorganizou o aparelho estatal e diminuiu a força e a organicidade dos sistemas de desenvolvimento. Ficou-se sem um projeto consistente de desenvolvimento, assim como sem um vigoroso sistema de ciência e tecnologia, inegavelmente estratégico nos novos tempos. O próprio sistema educacional (as universidades, em particular) foi fortemente afetado, ainda que tenha se expandido de modo acelerado em termos físicos e quantitativos (número de escolas, de matrículas, de estudantes, de cursos), graças sobretudo aos fortes incentivos dados ao ingresso dos mercados na área (Ibidem, p. 42).

Disso resultou um paradoxo de que a “década reformadora”, que deveria promover ao contrario, deflagrou um sério agravamento da “questão social” e não trouxe consigo um Estado efetivamente melhor, implicando em sua “grave” perda. Os procedimentos instrumentais e fiscalistas adotados pela gestão gerencial corresponderam a uma visão “ético- política” e abriram precedentes para a transferência de suas responsabilidades para o mercado e sociedade civil. Ao não se preocupar em articular sua dinâmica racional-legal com uma dinâmica democrática, relegou temas sociais para uma agenda futura sem previsão de se materializada, engessando assim, o avanço nas questões sociais. Para Nogueira (2005), desse hiato resulta o fracasso da reforma, pois

O roteiro seguido deixou de enfatizar a relevância e o valor do Estado (face técnica + face ética, consenso + coerção) para a montagem de pactos sociais ativos e sustentáveis, com o que abriu passagem para o crescimento dos espaços não estatais e antiestatais, paralelos à legalidade democrática e à convivência cívica (Ibidem, p. 52)

Assim sendo, o auto destaca que, no contexto dos projetos de reforma do Estado assistiu-se a uma “entronização” da concepção de sociedade, uma compreensão unilateral e pragmática de um “novo” espaço social que a reduz a um recurso gerencial (NOGUEIRA,

2003), como importante esfera de contribuição para a gestão e implementação de políticas, abstraindo-lhe seu teor político, de contestação da ordem, de oposição ao poder autoritário e construção de consensos e hegemonia, convertendo-a em um comunitarismo técnico e neoconservador.

O discurso reformista privilegiou unilateralmente a importância da sociedade civil no contexto e na dinâmica da reforma do Estado. Tratou de valorizar precisamente sua contribuição para a gestão e a implementação de políticas. Assim concebida, a sociedade civil conteria um incontornável vetor antiestatal: seria um espaço diferente do Estado, não necessariamente hostil a ele mas seguramente “estranho” a ele, um ambiente imune a regulações ou a