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A natureza dos atos normativos que materializam o direito regulatório e a noção clássica de regulamentos administrativos

A noção clássica de regulamentos administrativos acolhida pela doutrina pátria, longe de perder utilidade para o direito administrativo moderno, merece uma leitura cuidadosa quando aplicada ao plano do direito regulatório.

Pode-se vislumbrar na atividade regulatória a existência da chamada regulação e fiscalização das atividades desenvolvidas pelo particular.19

A atividade fiscalizadora tem servido para a meditação doutrinária (Direito Administrativo), especialmente no que se refere ao tema do “Poder de Polícia”.

Contudo, o mesmo não pode ser dito à respeito da atividade regulatória. É que a regulação como função estatal não se coaduna com a noção clássica de competência regulamentar.

José Crettela Jr. atribui o seguinte significado ao poder regulamentar: “(...) é a faculdade que tem o Executivo, para tornar mais intangível a regra jurídica geral, de editar outras regras jurídicas que facilitem a aplicação da lei. A vantagem dos regulamentos é ‘facilitar a aplicação das leis’, fazendo com que sejam fielmente executadas”.20

Nenhum reparo merece a definição de poder regulamentar apresentada pelo administrativista.

O problema, insista-se, repousa na infrutífera tentativa de se aplicar ao novo paradigma do direito regulatório categorias jurídicas clássicas que não mais guardam relação com o novo modelo que se avizinha.

Como entender, por exemplo, as atribuições das agências regulatórias, órgãos que, em apertada síntese, assumem o papel de mediação política e regulação em setores sensíveis à atividade privada emanando parcela substancial do direito regulatório brasileiro atual, diante do caráter predominantemente executório do poder regulamentar? Estariam as agências regulatórias tão-somente explicitando, ou seja, dando mera execução à lei?

Algumas de suas relevantes atribuições podem auxiliar nas respostas às indagações formuladas.

Tome-se, exemplificativamente, a Agência Nacional de Telecomunicações, “órgão regulador das telecomunicações” (art. 8º, da Lei Federal 9.472/97), entre outras missões de destaque, detém competência (art. 19) para “implementar, dentro de sua esfera de atuação, a política nacional de

19 Leila Cuéllar, As Agências Reguladoras e seu Poder Normativo, editora Dialética, São Paulo, 2001,

página 78.

telecomunicações” (inciso I), “administrar o espectro de radiofreqüências e o uso de órbitas, expedindo as respectivas normas” (inciso X), “expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado” (inciso X), “expedir normas e padrões a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizem” (inciso XII).

Note-se que as indigitadas competências projetam as iniciativas do Poder Público para o futuro, na medida em que dizem respeito a objetivos, diretrizes, metas a serem traçadas com vistas a consolidar o processo de intervenção estatal, ao contrário do papel exercido pelos regulamentos administrativos cuja utilidade consiste, fundamentalmente, em complementar a lei, facilitar a aplicação da lei, em suma, torná- la útil facilitando a sua implementação.

A atividade regulatória, por sua vez, vai além da mera regulamentação. Isto não implica em amesquinhar direitos e garantias individuais consagrados na Constituição e nas Leis. Obviamente, existem limites, especialmente de ordem material, de conteúdo mesmo e, portanto, o controle da atividade regulatória deverá zelar para a observância dessa racionalidade material e não apenas formal, como tradicionalmente se estabeleceu.

O que se convencionou denominar de materialização da norma jurídica revela a existência de um conjunto de atividades estatais com feição jurídica voltada para a implementação de objetivos e finalidades do sistema político21, o que autoriza o reconhecimento do caráter normativo de que vêm revestidas, dissociado, portanto, da simples repetição de proposições formais contidas na norma legal.

E, em assim sendo, impõe-se com toda clareza que se discuta a tensão entre a inevitabilidade do poder normativo, pelo que ele significa em termos de inovação do ordenamento jurídico, e a necessidade do controle dessa atividade, que não se opera em função dos mecanismos clássicos de contenção do poder político (o “déficit democrático” das agências regulatórias de que fala Marcus André Melo).

Não se trata, por conseguinte, de negar o reconhecimento do que se denominou aqui de perda da centralidade política da produção normativa, enfim, da perda pelo Poder Legislativo do monopólio da produção normativa. Nessa toada, é de se reconhecer que a norma do artigo 5º, inciso II da Constituição Federal, em virtude da qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei há de ser tomada como uma garantia constitucional de ninguém estar obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da ação normativa do Estado. Nessa medida, salta a toda evidência que o que garante a legitimidade do comando normativo não é a retórica da legalidade formal mas sim a materialidade desse mesmo comando normativo. Pretender o contrário, isto é, que a lei, como tal formalmente considerada, seja tomada como a única fonte primária legítima de direitos e obrigações importa em desprestigiar o próprio texto constitucional, pelo que ele tem de mais caro, vale dizer, a condução do Estado no sentido da edificação de uma nova ordem econômica e social, legítima por seus próprios fundamentos e finalidades.

O controle dessa atividade regulatória estatal passa a exigir, então, uma reformulação dos limites do controle jurisdicional da atividade estatal. Diante da magnitude destes “atos regulatórios” originários do chamado poder normativo, é imprescindível que se reavaliem os limites da função jurisdicional de controle da atividade normativa que no início deste trabalho foi definida como “direito regulatório”.

Eis, por conseguinte, uma vez definidos os contornos do problema, a perspectiva do seu equacionamento. O “déficit democrático” das agências reguladoras

21 Gunther Teubner, Juridificação – Noções, Características, Limites, Soluções, Revista de Direito

será superado não pelo restabelecimento da legalidade estatutária contemporânea a um Estado minimalista, mas pela redefinição dos limites do controle da legalidade da atividade normativa das agências.

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