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O compromisso de ajustamento: conteúdo e eficácia

v) Interesse pessoal do membro do Ministério Público

5. O compromisso de ajustamento: conteúdo e eficácia

O compromisso de ajustamento de conduta em matéria de danos a interesses transindividuais foi criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 211), e, depois, reiterado nos arts. 82, § 3º, e 113, do Cód. de Defesa do Consumidor.

O mesmo Presidente da República que tinha sancionado compromisso de ajustamento no Estatuto da Criança e do Adolescente, pouco depois vetou o § 3º do art. 82 do Cód. de Defesa do Consumidor, afirmando agora ser impróprio equiparar um compromisso administrativo a título executivo, ainda mais porque versava apenas prática de conduta e não pagamento de quantia determinada.

Esses argumentos não resistem à análise, porque nada impediria que a lei instituísse, como instituiu, títulos executivos extrajudiciais ainda que de obrigação de fazer. Ademais, o veto foi inócuo, pois, ao mesmo tempo em que se vetava o § 3º do art. 82 do Cód. de Defesa do Consumidor, e, conquanto dizendo que pelas mesmas razões vetaria idêntica previsão de compromisso de ajustamento, contida no art. 113 do mesmo diploma legal, o chefe do Executivo, por evidente descuido, promulgou na íntegra este último dispositivo, que instituiu o compromisso de ajustamento de forma até mais abrangente que o dispositivo do § 3º do art. 82, este sim efetivamente vetado.

172 Cf. ECA, art. 201, § 4º; Lei n. 8.625/93, art. 26, § 2º; Lei Complementar n. 75/93, art. 8º, § 2º; Lei n.

8.429/92, art. 11, III; Lei n. 8.625/93, art. 26, § 2º; Lei Complementar n. 75/93, art. 8º, VIII, §§ 1º e 2º; Lei n. 8.429/92, art. 11, III. No mesmo sentido, cf. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Nery, em Código

de Processo Civil, cit., notas à Lei n. 7.347/85.

173 MS n. 5.370-DF, STJ, 1ª. T., v.u., j. 12-11-97, rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU, 15-12-97, p.

66.185, o qual acolheu nosso posicionamento (Regime jurídico do Ministério Público, cit., 2ª ed., p. 407-9; 3ª ed., p. 422-4) e de Nélson e Rosa Nery (Código de Processo Civil, cit., 2ª ed., p. 1425; 3ª ed., p. 1144).

174 Cf. art. 5º, XII, da Constituição.

Em suma, foi inócuo o veto ao § 3º do art. 82 do Cód. de Defesa do Consumidor, pois o art. 113 deste diploma — que não foi vetado — inseriu o § 6º do art. 5º da Lei n. 7.347/85, e instituiu o mesmo compromisso de ajustamento para a defesa de quaisquer interesses transindividuais (art. 21 da Lei n. 7.347/85, introduzido pelo art. 117 do CDC).

Theotonio Negrão, em suas anotações ao Cód. de Processo Civil, entende ter havido veto também ao aludido art. 113. A nosso ver, porém, não obstante tenha havido expressa manifestação presidencial no sentido de que o compromisso de ajustamento previsto no art. 113 também seria vetado como o foi no art. 82, § 3º, essa assertiva do presidente foi exposta apenas como argumento de veto a outro dispositivo da mesma lei (art. 92), mas tecnicamente não foi formalizado o veto ao art. 113, que foi sancionado e promulgado na íntegra. Como não existe veto implícito, pois isso impediria o controle da rejeição, a doutrina e a jurisprudência têm aceito a validade do compromisso de ajustamento, que vem sendo utilizado normalmente pelo Ministério Público.176

Assim, os compromissos de ajustamento podem ser validamente tomados por quaisquer órgãos públicos legitimados, e trazem grande proveito social.

A eficácia do compromisso de ajustamento surge, nos termos da Lei n. 7.347/85, em decorrência de sua homologação pelo Ministério Público, e sua exeqüibilidade será livremente ajustada no próprio termo, não podendo as leis locais de Ministério Público dispor sobre o momento da formação do título executivo.

Se o compromisso de ajustamento levar ao arquivamento do inquérito civil, o Conselho Superior do Ministério Público deverá rever esse arquivamento.

O compromisso de ajustamento é garantia mínima em prol da coletividade, não limite máximo de responsabilidade do autor da lesão.177

Esses compromissos de ajustamento não são, a rigor, verdadeiras transações, pois que os órgãos públicos legitimados a tomá-los não são titulares do direito lesado (direitos e interesses transindividuais), de forma que não têm como dispor do que não lhes pertence. Limitam-se apenas a tomar, dos causadores do dano, o compromisso de que estes ajustem sua conduta às exigências legais, dentro dos termos e condições fixadas. Trata-se de uma mitigação da indisponibilidade, de grande proveito e eficácia prática.

Nem todos os legitimados à ação civil pública ou coletiva podem tomar compromisso de ajustamento, mas só os órgãos públicos legitimados à ação civil pública ou coletiva. Por isso, estão autorizadas a celebrar compromissos de ajustamento as pessoas jurídicas de direito público interno e seus órgãos ou autarquias, não as sociedades civis, as fundações privadas, e as pessoas jurídicas que, posto tenham participação acionária do Estado, tenham regime jurídico próprio de empresas privadas (v.g., sociedade de economia mista, sociedade anônima de capital aberto).

Já que os órgãos que podem tomar o compromisso de ajustamento não têm disponibilidade do direito material controvertido, o compromisso deve versar apenas as condições de cumprimento das obrigações (modo, tempo, lugar etc.).178

176 Para uma análise mais profunda sobre a eficácia dos §§ 5º e 6º do art. 5º da Lei n. 7.347/85,

introduzidos pelo art. 113 do CDC, v. nosso A defesa dos interesses difusos em juízo, cit., Caps. 5 e 23. No sentido do texto, v. tb. Nelson e Rosa Nery, Código de Processo Civil, cit., nota ao art. 5º, § 6º, da Lei n. 7.347/85; Vicente Greco Filho, Comentários ao código de proteção ao consumidor, cit., p. 377-8; Arruda Alvim et al., Código do consumidor, cit., p. 509; Rodolfo C. Mancuso,

Comentários, cit., p. 281; Kazuo Watanabe, Código brasileiro de defesa do consumidor, p. 516, 2ª

ed., Forense Universitária, 1992. V., ainda, o REsp n. 213.947-MG, j. 6-12-99, 4ª. T. STJ, RSTJ, 134/401; RT, 796/385.

Qualquer co-legitimado poderá discordar do compromisso e propor a ação judicial cabível. Caso contrário, interesses transindividuais poderiam ficar sem acesso ao Judiciário.179

O compromisso extrajudicial não exige homologação em juízo, mas, se ela advier, o título passará a ser judicial.180

O compromisso de ajustamento pode ser rescindido como os atos jurídicos em geral, ou seja, voluntariamente, pelo mesmo procedimento pelo qual foi feito, ou contenciosamente, por meio de ação anulatória.181

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