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SAÚDE PÚBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

(José Marcelo Menezes Vigliar)

José Marcelo Menezes Vigliar214

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo Professor da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo

ÍNDICE

I. Introdução. II. Saúde pública: aspectos relevantes para o presente estudo. III. Saúde pública e sua proteção jurídica contra a prática de atos de improbidade administrativa. IV. Hipóteses que podem caracterizar a realização de atos de improbidade administrativa pelos agentes públicos da área da saúde. As sanções previstas e a natureza dessas sanções. V. Defesa da probidade administrativa em juízo: em especial o papel reservado ao Ministério Público.

I – Introdução

Há um aspecto muito interessante que, particularmente, venho observando nos últimos tempos na minha atividade profissional: a necessidade de conhecimento de alguns aspectos de áreas diversas da jurídica, para que aspectos jurídicos possam ser abordados em juízo com a clareza e eficiência necessárias.

Noto, assim, na minha atividade profissional mais recente e na de muitos colegas e amigos, a necessidade do conhecimento de assuntos que nos são muito distantes, principalmente se considerarmos a formação jurídica tradicional que tivemos e que ainda é a regra nos currículos das faculdades de direito.

Apenas para exemplificar, de 1991 até esta data, pesquisei, dentre outros assuntos alheios aos temas exclusivamente técnico-jurídicos: a) a doutrina teológica da Igreja Católica Apostólica Romana, para compreender o posicionamento oficial da Igreja acerca dos homossexuais e a eventual discriminação realizada por determinados clérigos, para a solução de um caso concreto envolvendo direitos da cidadania; b) os efeitos do denominado “coquetel de drogas” para o portador do HIV, a fim de postular a distribuição gratuita de remédios, aos portadores carentes, preservando, assim, a isonomia necessária entre os doentes carentes e os que não são; c) os efeitos da exposição de trabalhadores a meios ambientes hostis, capazes de lhes proporcionar LER/DORT, sem contar os efeitos psicológicos que os portadores de tais doenças ocupacionais sofrem.

Outros profissionais do direito, ainda como exemplo, vêm estudando os efeitos da exposição de trabalhadores ao pó produzido no fabrico do amianto, além da recente preocupação e estudo constantes dos efeitos do tabaco no organismo humano, que implica o conhecimento técnico desses efeitos, a fim de, v.g., se discutir em juízo a

214É autor das seguintes obras: Ação Civil Pública (5aed., Editora Atlas); Tutela Jurisdicional Coletiva

(3aed., Editora Atlas); Ministério Público – Instituição e processo (2aed., Editora Atlas: co-autoria);

Ministério Público II – Democracia (Editora Atlas: co-autoria); Ação Civil Pública – Lei 7.347/1985 – 15 anos (Editora Revista dos Tribunais: co-autoria); Improbidade administrativa (Editora

responsabilidade dos fabricantes de cigarro pelo advento de doenças importantes e letais como o câncer.

Obviamente – e espero compartilhar esse sentimento realista com os colegas e amigos referidos –, jamais conhecerei profundamente os efeitos do coquetel de drogas nos pacientes portadores do HIV. Jamais conhecerei a bioquímica, que explica a ação das drogas no organismo. Ainda, jamais somarei condições de discutir com os cardeais a doutrina católica acerca da oficial doutrina daquela instituição, baseada em dogmas seculares e em posicionamentos próprios que a Igreja prega. Ninguém, ainda, espera, de um operador do direito, o conhecimento dos motivos que levam o tabaco ao desenvolvimento de câncer e outras doenças.

Contudo, pior que um conhecimento mínimo, sustento, é o não conhecimento ou o desprezo em relação a determinados temas distantes. Um dado é absolutamente certo: mesmo que dominando uma inexpressiva parcela do imenso conhecimento dos médicos, químicos, engenheiros etc, cada vez mais o jurista deve-se voltar ao conhecimento de alguns aspectos diversos da sua área de atuação se desejar, mínima e seriamente, discutir em juízo os efeitos jurídicos dos problemas envolvendo áreas tão distantes de nossa realidade cotidiana.

Para destacar tal importância, apresento uma única questão que demonstra a necessidade dessa contínua incursão em áreas do conhecimento nem sempre prestigiadas na formação jurídica: como compreender um laudo feito por perito na área médica se, v.g., não se conhece e, assim, não se consegue descrever os efeitos de determinado remédio e/ou substância no organismo humano?

Após o honroso convite que recebi da UnB, percebi que minha tarefa, que se descreveria como um misto de necessidade e curiosidade de conhecimentos de outras ciências ainda iria longe. Agora, precisaria compreender alguns mínimos aspectos do tema central deste estudo: a saúde pública.

Imaginei a imensa quantidade de importantes e variados trabalhos acadêmicos. Fui ao site da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (www.fsp.usp.br) e lá, numa agradável visita, deparei com a Revista de Saúde Pública, (www.fsp.usp.br/rsp) que, efetivamente, conta com centenas de artigos disponíveis. Os artigos são variados e tratam não propriamente da saúde pública como tema principal e sim de aspectos desse ramo do saber.

Constatei, ainda, a existência de alguns livros publicados e, naturalmente, me indaguei: quais os limites da minha pesquisa nesse campo tão importante do conhecimento?

Resolvi manter meu foco no tema central deste estudo, ressaltando, na medida do possível, aspectos exclusivamente jurídicos. Na realidade, devo me preocupar com as relações entre a saúde pública no Brasil, partindo de sua disciplina constitucional e subconstitucional para, em seguida, abordar a responsabilidade dos agentes públicos que a administram, considerando a sua importância reservada pelo legislador.

Um outro aspecto reduz a imensa responsabilidade de adentrar num campo pouco explorado pelos operadores do direito: o meu diálogo seria (e será) preferencialmente travado com operadores do direito. Assim, a) fico dispensado de considerar o óbvio, no que tange aos aspectos jurídicos que envolvem o tema; b) não preciso adentrar a uma pesquisa sem fim nos temas envolvendo a saúde pública, até porque inalcançáveis para quem não detém formação específica na área.

Feitas essas ressalvas, que me pareciam imprescindíveis, apresento o meu plano de estudo, que partiu da necessidade de conhecer e descobrir a idéia (primária, é verdade) do que venha a ser “saúde pública” para, em seguida, estudar o bem jurídico

saúde pública e suas implicações com a prática de atos que venham a ferir o princípio ético da probidade administrativa, garantido e preservado a partir da própria Constituição Federal (art. 37, § 4º) e, em especial, pela denominada Lei da Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992).

A tarefa de abordar temas distantes proporciona uma natural insegurança e, assim, desde já, desculpo-me com os profissionais de saúde pública que, casualmente, venham a ler o presente estudo: ninguém encontrará aqui uma noção abrangente e complexa do que venha a significar a “saúde pública”. A leitura – muito diminuta que fiz, revelada pela reduzida bibliografia mencionada ao final – jamais me habilitaria a enfrentar temas tão abrangentes, delicados e importantes. O quanto, não sem ousadia, escrevi sobre a “saúde pública” serve exclusivamente para identificar o objeto de minha preocupação central, que é considerar a saúde pública como categoria protegida de forma especial pelo direito.

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