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III – Saúde pública e sua proteção jurídica contra a prática de atos de improbidade administrativa

Partindo do conceito de saúde aceito pela própria OMS, que acima chamei de conceito oficial, não é difícil demonstrar o quanto a nossa Constituição Federal buscou preservar esse importante interesse que é de cada um dos indivíduos e, indivisivelmente, de todos. A partir da peculiar forma de tutela constitucional da saúde, conforme destaco logo abaixo, obviamente o legislador infraconstitucional seguiria pelo único caminho possível, qual seja, o de dar complemento a essa tutela, reforçando – na maioria das vezes – aspectos que tratam das formas de preservar a saúde pública de atividades que venham a afrontá-la.

Assim é que o art. 1º, inciso III, da Constituição Federal já trata, ainda que indiretamente, da saúde ao afirmar que um dos fundamentos de nosso Estado Democrático de Direito é a dignidade da pessoa humana. Basta que tenhamos em mente a extensão do conceito de saúde – seja o da OMS, seja o dos autores que invoquei no item anterior deste estudo – e observar-se-á a íntima relação.

A partir daí, várias são as referências que se podem obter, mesmo que não tratem diretamente da saúde, como v.g.: a) os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, apresentados no art. 3º da Constituição Federal, que gravitam em torno da obrigação da construção de uma sociedade livre, justa e solidária e que garanta o desenvolvimento nacional, erradicando a pobreza e a marginalização, mediante a redução das desigualdades sociais e pela promoção do bem estar de todos; b) a isonomia que, obviamente, passa pela isonomia perante os programas de saúde que são de obrigação do Estado (art. 5º e seu inciso I). Muitos serão os dispositivos que guardam relação íntima com a necessidade de proteção da saúde, sobretudo, repito, se consideramos a extensão do conceito mencionado.

Expressamente, temos, ainda, a referência feita ao direito à saúde como categoria de direito social (art. 6º da Constituição Federal).

Com muito maior importância que os demais dispositivos mencionados até aqui, ressalto a importância dos arts. 196 a 200 da Constituição Federal que coroam a disciplina constitucional do tema, deixando claro que a saúde é um direito de todos e, ainda, um dever do Estado, que a garantirá mediante políticas sociais e econômicas, não

só para a redução do risco de doenças, como promovendo o acesso universal e igualitário a serviços que possibilitem a proteção e a recuperação de portadores de doenças.

Em especial, para a abordagem que faço neste estudo, destaco o art. 197 de nossa Carta Política: “São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre a sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”.

Mesmo que muito claro o dispositivo, gostaria de destacar alguns aspectos: a) o art. 197, ao tratar da fiscalização e controle das ações e serviços de saúde, deixa muito claro que não somente as atitude comissivas serão punidas, caso contrariem a importância que a Constituição empresta às ações e serviços de saúde; também as omissões do poder público merecem o mesmo rigor, seja para fiscalizar o desempenho de quem venha realizando as referidas ações e/ou serviços de saúde (o Estado diretamente, ou por terceiros, mesmo que pessoa física ou jurídica de direito privado), seja para controlá-la e viabilizá-la na forma desejada pela Constituição, que reconheceu esta obrigação que é do Estado; b) cabe ao Poder Público executar as ações e serviços, caso não possa, eventualmente, contar com a participação de terceiros, o quê equivale afirmar que as ações de saúde serão realizadas e os serviços mantidos, por integrarem o rol dos direitos do cidadão; c) finalmente, mas com uma importância extrema, que refletirá em vários outros aspectos jurídicos, como v.g. a justificativa da fiscalização conjunta pelo Ministério Público das ações e serviços de saúde, o reconhecimento – que nem necessitava ser tão expresso – de que tais ações e serviços são de relevância pública.

Relevância pública é um conceito amplo, ou indeterminado, mas que não deixa de se relacionar com um outro, mais comumente invocado, que é o interesse público que, no caso, é o interesse público primário, porque não se considera a Administração como a destinatária das ações e programas de saúde e sim a população. Ao contrário, incumbe à Administração realizar tais programas e ações na área de saúde.

A vontade constitucional, assim, parece-me cristalina, bem como os reflexos jurídicos decorrentes dessa importante disciplina jurídico-protetiva.

Apenas para exemplificar, não somente a omissão do poder público em relação aos serviços que deveriam ser prestados e não são, ou os que são prestados de forma absolutamente irregular e/ou deficitária, levaria a uma aproximação entre a disciplina legal de combate aos atos de improbidade administrativa, mas principalmente aqueles bem mais evidentes em que se logra constatar o desvio de finalidade dos serviços de saúde, o desvio de recursos para a área de saúde e os gastos ilegais envolvendo não só as hipóteses de malversação dos recursos públicos, como a sua aplicação em outras atividades, sem a observância da vinculação que a Constituição deseja.

Sustento que esta aproximação entre os temas restará ainda mais evidente se considerarmos um dispositivo constitucional anterior, qual seja, o art. 37 da Constituição. Também de forma absolutamente clara, afirma este dispositivo que a Administração deve agir de forma a obedecer e preservar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Assim, o Estado ou terceiro não prestarão qualquer serviço ou ação de saúde, considerando que se trata de uma obrigação do Estado, que não se desenvolvam de forma a garantir os princípios acima mencionados, mediante a sua estrita observância.

O mesmo art. 37, agora em seu § 4º, passa a considerar a necessidade de punição de determinados atos que venham, justamente, ferir aqueles princípios consagrados em seu caput, determinando sua punição por intermédio da suspensão de direitos políticos, perda da função pública e, quando for o caso, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário. A própria Constituição Federal, assim, os qualifica como atos de improbidade administrativa, deixando ao legislador ordinário o encargo de classificá-los e dizer da gradação e forma das punições.

Outro aspecto absolutamente importante, foi ressaltar que tais sanções não teriam natureza jurídica de sanção penal, tal e qual atribuída aos atos típicos e ilícitos. Com efeito, ficou muito claro que a punição pelos denominados atos de improbidade administrativa não excluiriam as sanções penais eventualmente cabíveis (última parte do § 4º, do art. 37).

Em 1992, o legislador passou a disciplinar a forma de incidência das sanções previstas no referido art. 37. Com efeito, a Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, passou a prever três categorias de atos de improbidade administrativa: a) os que lesam o erário e enriquecem o agente público de forma ilícita como conseqüência; b) os que apenas lesam o erário, como resultado da malversação do dinheiro público; c) e os que afrontam – mesmo que não se tenha prejuízo financeiro ao erário a considerar – os princípios que devem ser observados pelos agentes públicos na realização dos atos necessários a Administração.

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