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CENAS DE CANTO EXPLÍCITO

1. NORDESTINOS SOMOS

ABERTURA: (Do lado de fora do teatro o público se aglomera esperando que as

portas se abram. Os cantores do coral, devidamente vestidos e maquiados para a récita, chegam e se misturam aos expectadores. De súbito um dos integrantes inicia, como um tradicional político do Nordeste, um discurso em defesa da Região (Nordeste).

POLÍTICO: (...) E que amadureça a idéia de que a solução para os nossos problemas estão na própria região (...)Assim, deixaremos de ser vistos com complacência, como dependes incômodos ou como reserva de caça para aventureiros políticos. E aí recuperaremos o papel que já nos coube na condução dos destinos deste país e não será por falta de fé no futuro do país que nós nordestinos deixaremos de cumpriu a nossa obra na reconstrução histórica que teremos pela frente. Tenho dito!156

(Entre aplausos e vaias ao discursante o Coral acende velas e inicia um procissão que entra no teatro cantando um bendito de penintentes da região do Cariri.157

CORAL – CANTANDO:

Por vossa paixão sagrada Pelos mistérios da cruz Compadecei-vos de nós Dai-nos chuva meu Jesus Meu Jesus aos vossos pés

A miséria nos conduz Pelo Sangue Derramado Dai-nos chuva meu Jesus

Meu Jesus crucificado Pelas três horas da cruz Pelo “cálix” de “amarguria” Daí-nos chuva meu Jesus158

NORDESTINO SIM: Chegando ao palco o coral se dispersa, alguns ajoelhados,

outros de pé: todos orando. Uma carpideira, com uma criança ao colo, entoa um outro “Bendito de Penitentes

CARPIDEIRA – CANTANDO:

Levanta irmão pecador Da cama em que estás deitado

Vem ver Jesus em tormento Por Causa dos nossos pecados

Levanta irmão pecador Com um terço dizendo assim

Eu pequei Senhor pequei Misericórdia, ai de mim.

É pra cortar disciplina Com o fio de retrós

156Trecho extraído de um texto de um texto de Celso Furtado. 157

Área da parte sul do Ceará, fronteira com Pernambuco, onde se localiza a chapada do Araripe e as cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, dentre outras.

Com amor derramar o sangue Por quem derramou por nós

(a iluminação no palco ainda é pouca, apenas o suficiente para que o expectador veja a carpideira e alguns penitentes em ato de auto-flagelação. Antes que a carpideira termine seu bendito surge o som do coral cantando “Pequei Senhor”159)

CORAL CANTANDO:

Pequei Senhor, pequei Mas eu não quero mais pecar Tende misericórdia, ai Senhor Tende misericórdia, ai de nós: Pecadores

(O Coral é interrompido por uma “voz celestial” vinda do alto – da técnica – que diz, como diria Deus nos antigos filmes sobre o velho testamento, a primeira estrofe do poema “Nordestino Sim, Nordestinado Não”, de autoria de Patativa do Assaré)

VOZ DO ALÉM: Nunca diga Nordestino que Deus lhe deu um destino causador do padecer. Nunca diga que é o pecado que lhe deixa fracassado sem condição de viver.

(Logo em seguida um dos personagens se manifesta, continuando o poema e em seguida fala a carpideira outra estrofe de Patativa)

PERSONAGEM 1: Não guarde no pensamento que estamos no sofrimento é pagando o que devemos. A providência divina não nos deu a triste sina de sofrer o que sofremos.

CARPIDEIRA: Deus, o autor da criação, nos dotou com a razão bem livre de preconceitos. Mas os ingratos da terra com opressão e com guerra negam os nossos direitos.

159

Os três benditos que abrem o espetáculo foram recolhidos em Izaíra no município de Barbalha (Baixas Cabeceiras), quando esta professora realizou junto a um grupo de penitentes um trabalho de imersão etnográfica.

(mudando de atitude o coral canta, de Patativa do Assaré, “a lição do pinto”160

) CORAL – CANTANDO

Vamos meu irmão A grande lição Vamos aprender É belo o instinto do pequeno pinto Antes de nascer O pinto dentro do ovo Está ensinado ao povo Que é preciso trabalhar Bate o bico, bate o bico

Bate o bico tico-tico Pra poder se libertar Vamos minha gente Vamos para frente

Arrastando a cruz Atrás da verdade Da fraternidade Que pregou Jesus O pinto prisioneiro Pra sair do cativeiro Vive bastante a lutar

Bate o bico tico-tico Pra poder se libertar Se direito temos Todos nós queremos

Liberdade e paz No direito humano Não existe engano Todos são iguais O Pinto dentro do ovo Aspirando um mundo novo

Não deixa de beliscar (...)No direito humano

Não existe engano Todos são iguais

(Ao final de “a lição do pinto” o coral todo junto, numa massa humana, diz com agressividade a quarta estrofe do poema de Patativa)

CORAL – FALANDO: Não é Deus que nos castiga nem é a seca que obriga sofrermos dura sentença. Não somos nordestinados. Nós somos injustiçados tratados com indiferença.

(Após a fala do grupo que termina com todos apontando o dedo em riste para a platéia, uma outra personagem diz a quinta estrofe do poema que conduz o espetáculo)

PERSONAGEM 2: Sofremos em nossa vida uma batalha renhida do irmão contra o irmão. Nós somos subordinados, nordestinos explorados mas nordestinados não.

(como que se despedindo de sua terra natal, o Coral Anda pelo palco, acenando adeuses enquanto canta “Guacyra”161

) CORAL – CANTANDO:

Adeus Guacyra, Meu pedacinho de terra, Meu pé de serra, Que nem Deus sabe, onde está

Adeus Guacyra, Onde a Lua pequenina, Não encontra na colina, Nem um lago pra se oiá.

Eu vou-me embora, Mas eu volto outro dia Virgem Maria, Tudo há de permitir E se eu não voltar, Eu vou morrer cheio de fé

Pensando em ti.

(após a despedia toma a palavra a Carpideira grávida, com uma criança ao colo, para dizer mais uma estrofe do poema. Enquanto isso o coral continua vagando pelo palco até que após a fala da carpideira todos se voltam para a criança que ela trás no colo e cantam o “Acalanto Para Helena”162).

CARPIDEIRA: “há muita gente que chora vagando de mundo afora sem terra, sem lar sem pão. Crianças esfarrapadas, famintas, escaveiradas, morrendo de inanição.

CORAL- CANTANDO:

Dorme minha pequena Não vale a pena despertar

Eu vou sair Por aí afora Atrás da aurora

Mais serena Dorme minha pequena Não vale a pena despertar

(Após cantar o acalanto uma vez o coral repete a primeira parte deste, sem texto com boca cerrada163. A Carpideira, sobre o som do coral, prossegue com a poesia de Patativa).

CARPIDIRA: Sofre o neto, o filho, o pai, para onde o pobre vai sempre encontra o mesmo mal. Essa miséria campeia desde a cidade a aldeia, do sertão a capital.

(O coral retoma a segunda parte do acalanto afastando-se da carpideira-mãe. Ao final da segunda parte param todos numa “cena congelada” para ouvir-se a personagem 1)

CORAL – CANTANDO (e andando)

Eu vou sair Por aí afora Atrás da aurora

Mais serena

PERSONAGEM 1: Aqueles pobres mendigos vão à procura de abrigo cheios de necessidade. Nessa miséria tamanha se acabam numa terra estranha sofrendo fome e saudade

CORAL - CANTANDO (de volta para a criança nos braços da carpideira) Dorme minha pequena

Não vale a pena despertar

NORDESTINADO NÃO: instala-se um clima de feira com feirantes, comprantes, pedintes e dois cantadores que improvisam melodias para as próximas estrofes do poema, intercaladas com um refrão de Gilberto Gil e Caetano Veloso164.

CANTADOR 1 – CANTANDO:

Mas não é o pai celeste Que faz sair do nordeste

Legiões de retirantes Os grandes martírios seus

Não é permissão de Deus

163

Em italiano bocca chiusa. Em inglês Humming: Ato de cantar com os lábios cerrados produzindo um som de “m” ou “hum”.

É culpa dos governantes CORAL – CANTANDO (em uníssono)

É preciso estar atento e forte Não temos tempo de temer a morte

CANTADOR 2 – CANTANDO

Já se sabe muito bem De onde nasce e de onde vem

A raiz do grande mal Vem da situação crítica

Desigualdade política Econômica e social

CORAL – CANTANDO (em uníssono)

É preciso estar atento e forte Não temos tempo de temer a morte

(a feira prossegue sua movimentação enquanto o coral canta “Asa Branca”165)

CORAL - CANTANDO

Quando olhei a terra ardendo qual fogueira de São João Eu perguntei a Deus do céu por que tamanha judiação