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4. AS REDES DE PROPONENTES E SUAS ARTICULAÇÕES COM O

4.4. Nova caminhada pela paz, contra o extermínio

Mais de um ano depois, o evento semelhante Caminhada da Paz do

Grande Bom Jardim reuniu cerca de 1.500 pessoas, segundo estimativa da

organização. A caminhada (FIGURA 11) seguiu por entre as ruas do bairro Canindezinho em 18 de abril de 201370 para denunciar os assassinatos de jovens

e o que compreendem como “práticas de extermínio”, assim como as fragilidades de infraestrutura na região de cinco bairros do Grande Bom Jardim.

Figura 11 – Cartaz da caminhada

Fonte: Caminhada da paz do Grande Bom Jardim (CDVHS, 2013)

No início daquela tarde, a Praça do Canindezinho foi aos poucos tomada por jovens e estudantes do Ensino Médio, professores, lideranças comunitárias, artistas e apoiadores. Sentado num banco da praça, pude observar

70 Para mais informações, ver artigo que escrevi no site Global Voices Online em Português:

a movimentação de estudantes do ensino fundamental e médio que chegaram mais cedo e confeccionaram seus cartazes ali mesmo, nos bancos da praça, com cartolinas e pincéis atômicos. Outros já chegavam com suas faixas71 prontas. As

mensagens falavam de juventude, paz e vida, condenavam a violência e as mortes de jovens, e relembravam entes queridos. Alguns jovens vestiam camisas com a foto de vizinhos e familiares assassinados, como forma de homenageá-los. Uma das faixas dizia “Juventude que ousa lutar vem com a gente caminhar – A juventude tem o direito de viver”.

A caminhada foi organizada pelos participantes do projeto Jovens

Agentes de Paz (JAP), uma iniciativa do Centro de Defesa da Vida Herbert de

Souza, e mobilizou diversas escolas da região, associações comunitárias, organizações não-governamentais, e grupos artísticos e religiosos.

Quando fui cumprimentar os membros do CDVHS que se preparavam no local, pediram que eu ajudasse a distribuir a carta aberta da caminhada entre os jovens presentes e entre as pessoas que estavam pela praça. O documento, intitulado “Contra a violência de Estado e o extermínio anunciado: a gente grita pela vida!”72, dizia que entre 2007 e 2009 foram registradas 491 mortes violentas

no Grande Bom Jardim. Ainda segundo a carta, esse número inclui 186 jovens de 15 a 29 anos; e no ano de 2012, 166 pessoas haviam sido assassinadas na região. Justificava que são várias lutas contra uma “cadeia de violações”, que inclui analfabetismo (a carta indica que mais de 9.611 crianças, adolescentes e jovens, entre 05 e 24, não são alfabetizados no GBJ); doenças decorrentes de condições sanitárias e infraestruturais inadequadas; e o envolvimento de meninos e meninas na rota de exploração sexual.

O documento fazia uma crítica também ao debate em torno da redução da maioridade penal, que no Brasil está estabelecida em 18 anos:

Não bastasse esse cenário de horror, os jovens ainda têm que carregar a responsabilização da violência crescente no Brasil, em um processo de criminalização da juventude, que se articula com o consequente aumento do encarceramento de jovens e a batalha de setores reacionários pela redução da maioridade penal. Ou mesmo, têm que sofrer com a truculência de abordagens policiais diuturnamente, um tratamento

71 Três faixas de uma escola, erguidas relativamente próximas uma da outra, chamaram a minha

atenção pela “subversão criativa”. Reaproveitaram faixas de lona de lanchonete, patrocinadas pela Coca-Cola, e usaram o lado em branco para escrever suas frases.

72 A carta pode ser lida online, na página do Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza:

igualmente prestado pelas emissoras que têm na sua programação os programas policiais, criminalizando pobres e estigmatizando bairros.

Uma das garotas participantes do projeto As cores e os tambores me reconheceu e perguntou se eu tinha visto o Alan. Fiquei de pé no banco e o localizei. Fomos juntos até lá, e ele estava ensaiando com os outros garotos. Era o projeto Luthieria Cultural73, que tinha reunido alguns dos participantes do As

cores e os tambores para a confecção de instrumentos de percussão.

Luciano também participou da caminhada, assim como Márcio, que trabalha atualmente no CDVHS e foi um dos organizadores do evento. Com cartazes, apresentações musicais e um carro de som, fizemos uma caminhada, dando voltas por dentro do bairro Canindezinho, por entre as ruas do Parque São Vicente. Em diversos momentos, membros do CDVHS pegaram o microfone ligado à caixa de som para relembrar o sofrimento afetivo pela morte de jovens em brigas, em acerto de contas do tráfico e por violência policial, uma prática denunciada no evento. Fizeram, também, cobranças de maior atuação dos governos com políticas públicas de juventude para os bairros do Grande Bom Jardim. Passando perto de Nova Canudos, até chegarmos à Vila Olímpica74. Lá,

houve uma apresentação de dança na quadra coberta, conduzida por um grupo de garotos e garotas, e em seguida um show de uma banda de rock.

Embora o teor do discurso fosse pautado na denúncia de violência e do extermínio e na cobrança de atuação do poder público, ressaltando o componente moral daquela iniciativa, havia ali todo o tempo uma reafirmação da vida e da possibilidade de ação dos jovens. A mobilização dos integrantes do Jovens

Agentes da Paz, a participação de centenas de crianças e jovens estudantes e as

73 Depois tive conhecimento de que em 16 de março de 2013, as crianças e os jovens do projeto

Luthieria Cultural haviam organizado, com Alan, um cortejo pela paz no Parque São Vicente, área do bairro Canindezinho.

74 As Vilas Olímpicas são grandes espaços para a prática esportiva mantidos pelo Governo do

Estado do Ceará. Em agosto de 2013, poucos meses após a caminhada, a Vila Olímpica do Canindezinho – que dispunha de campinho aberto, quadra poliesportiva coberta e salas de aulas – foi fechada, juntamente às outras quatro Vilas Olímpicas espalhadas por Fortaleza para a construção de uma única vila olímpica no entorno do estádio Castelão, nos preparativos para a Copa do Mundo de 2014. Tal medida gerou críticas no Grande Bom Jardim por conta da perda de um espaço de lazer e esporte, e no local seria construído um Centro Educacional para adolescentes em conflito com a lei. Em nota de repúdio, o membro do CDVHS Caio Feitosa analisou como: “[...] evidência de como o governo do estado pensa equivocadamente a política para os jovens, sobretudo, desta região de Fortaleza, escolhendo uma estratégia de privação de liberdade em detrimento de uma política de promoção de direitos para as juventudes”. Fonte: http://www.cdvhs.org.br/oktiva.net/1029/nota/162573/

apresentações de dança e de música ao final demonstravam inventividade, organização e fruição.