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“As cidades inertes, tediosas, são verdadeiras, contêm as sementes de sua própria destruição e pouco mais. Mas cidades vivas, diversas e intensas contêm as sementes de sua própria regeneração, com energia suficiente para transitar por problemas e necessidades externas” Jane Jacobs

O novo urbanismo estipula e habilita como “bons” os bairros que possuem centros não distantes a mais de 400 metros, proporcionando uma caminhada de cinco minutos da área central a qualquer ponto do bairro, uma diversificada tipologia habitacional, a malha urbana e as quadras interconectadas, e espaços para usos institucionais (Macedo, 2011).

Em 1996 em Charlestown EUA, ocorreu a IV Congresso do Novo Urbanismo, onde gerou-se como documento a Carta do Novo Urbanismo, que preconiza as características hierárquicas do urbanismo nos níveis da região ou metrópole, do bairro e da quadra ou rua, com a finalidade de organizar a interligação entre as menores cidades e as áreas centrais urbanizadas, evitando a ocupação dispersa e engrandecendo o acesso dos transportes coletivos. Permitindo o uso do solo em superposição, reduzindo os percursos das pessoas, criando comunidades mais compactas (Macedo, 2007; Congress for the New Urbanism [CNU], 2011).

Outra perspectiva da carta do novo urbanismo segundo Macedo (2007) é a estimulação da participação comunitária, retomando o urbanismo tradicional e os arranjos das quadras, dependendo e vinculando a um bom planejamento urbano e regional com qualidade aos projetos locais e no desenvolvimento das comunidades. A carta foi descrita com 27 princípios claros e explicativos apresentados na Tabela 4, sendo os princípios de 01 a 09 relacionados a metrópole, a cidade grande, os princípios de 10 a 17 referem-se aos bairros, áreas históricas, e os princípios de 18 ao 27 são relacionados às quadras, ruas e edifícios.

(continua)

Tabela 4. Princípios da Carta para o Novo Urbanismo

A r eg iã o: m et ró po le , c id ad e gr an d e e m éd ia , c id ad e p eq u en

a Princípio 01 A região metropolitana é uma unidade econômica fundamental no mundo contemporâneo. Cooperação do governo, política pública, planejamento físico, e estratégias econômicas devem refletir esta nova realidade.

Princípio 02 Regiões metropolitanas são lugares finitos, limitados por divisas geográficas derivadas da topografia, nascentes (watersheds), faixas costeiras, fazendas, parques regionais, e bacias de rios. A metrópole é feita de múltiplos centros que são as cidades grandes, pequenas e vilas, com seu centro bem identificado e seus limites.

Princípio 03 A metrópole tem uma necessária e frágil relação com a área rural e a paisagem natural. A relação é ambiental, econômica e cultural. As terras agrícolas e a natureza estão para a metrópole assim como o jardim está para a casa.

Princípio 04 Os padrões (patterns) de desenvolvimento não devem tornar imprecisos os limites da região metropolitana. O desenvolvimento localizado dentro de áreas existentes conserva os recursos ambientais, investimentos econômicos e a trama social, na medida em que façam uso de áreas marginais ou abandonadas. As regiões metropolitanas poderão estabelecer estratégias para encorajar este tipo de desenvolvimento nas expansões periféricas.

Princípio 05 Quando apropriado, a ocupação nova contígua aos limites urbanos, poderá ser organizada como vizinhanças e distritos (bairros), e ficar integrada com o tecido urbano existente. O crescimento não contíguo poderá ser organizado através de pequenas cidades (towns) e vilas com seu próprio perímetro urbano, e planejado para ter um equilíbrio entre residências e empregos e não ser apenas um subúrbio de dormir.

Princípio 06 O desenvolvimento e re-desenvolvimento das pequenas e grandes cidades deve respeitar o legado histórico (padrões históricos), precedentes e limites (da urbanização).

Princípio 07 As cidades (cities) grandes e as médias (towns) devem oferecer um uma larga oferta de serviços públicos e privados como apoio a economia regional, que beneficie pessoas de todas as faixas de renda. Habitação de interesse social deve ser distribuída na região para se mesclar com as oportunidades de emprego e evitar a concentração da pobreza.

Princípio 08 A organização física da região deve se basear na infra-estrutura de alternativas para o sistema de transportes. Transportes coletivos, pedestres e bicicletas poderiam melhorar o acesso e a mobilidade na região com a redução da dependência do automóvel.

Princípio 09 Impostos e demais recursos podem ser divididos mais equitativamente entre os governos locais para evitar uma competição negativa no lançamento de impostos e promover a coordenação racional do sistema de transportes, recreação, serviços públicos, habitação, e instituições comunitárias.

B ai rr o, s et or , e c or re d

or Princípio 10 O bairro, o setor urbano (1) e o corredor são os elementos essenciais para o desenvolvimento ou o re-desenvolvimento da metrópole. Eles formam áreas identificadas que encorajam as pessoas a ter responsabilidade sobre sua manutenção e sua transformação.

Princípio 11 Os bairros devem ser compactos, acolhedores para estar ou caminhar das pessoas, e ter uso do solo do tipo misto. Os setores em geral dão ênfase a um tipo de uso principal, mas devem seguir os princípios de projeto dos bairros sempre que possível. Os corredores são os conectores regionais dos bairros e dos setores; eles variam desde as vias do tipo “boulevard” e linhas férreas, até os cursos de água e estradas-parque. Princípio 12 Muitas atividades do cotidiano podem acontecer a uma distância possível de se percorrer à pé, possibilitando independência àqueles que não dirigem veículos, especialmente o idoso e o jovem. Uma rede interligada de vias pode ser projetada para encorajar o caminhar, reduzir o número e a distância das viagens de automóvel, e conservar energia.

(continuação Tabela 4) Princípio 13 Nos bairros, uma grande variedade de tipos de moradia e preços, pode facilitar a

interação no dia a dia de pessoas de diversas idades, raças, e níveis de renda, reforçando os vínculos pessoais e cívicos, essenciais para o crescimento de uma autêntica comunidade.

Princípio 14 Corredores de trânsito quando bem planejados e coordenados, ajudam a organizar a estrutura metropolitana e revitalizam os centros urbanos. Por sua vez, os corredores das vias expressas não devem desalojar os investimentos dos centros existentes. Princípio 15 Densidades adequadas de edificações e do uso do solo podem estar a uma distância

possível de ser percorrida a pé desde os pontos de parada do sistema de transportes, permitindo que o transporte público seja uma alternativa para o uso do automóvel. Princípio 16 A concentração de atividades de interesse público, institucionais, e comerciais,

devem ocorrer nos bairros e nos distritos, e não em um conjunto específico isolado e monofuncional. As escolas devem ser dimensionadas e implantadas de modo que as crianças possam chegar a elas a pé ou de bicicleta.

Princípio 17 A vitalidade econômica e a evolução harmoniosa de um bairro, distrito ou corredor pode ser melhorado através de esquemas gráficos de desenho urbano que definam diretrizes para as transformações.

Princípio 18 Uma diversidade de parques, desde as áreas para crianças e os pequenos espaços verdes das vilas residenciais até os campos de jogos e os jardins comunitários, podem ser distribuídos nos bairros. Áreas de preservação e áreas abertas podem ser usadas para definir e conectar diferentes bairros e distritos.

Q u ad ra , r u a e ed if íc

io Princípio 19 A primeira tarefa de toda a arquitetura urbana e do paisagismo é a definição física das ruas e dos espaços públicos como lugares de uso comum.

Princípio 20 Projetos de edificações isoladas podem ser perfeitamente ligados a seus vizinhos. Esta questão transcende as razões de estilo.

Princípio 21 A revitalização de espaços urbanos depende de segurança (safety) e de proteção (security). O desenho das ruas e dos edifícios pode reforçar lugares seguros, mas não em prejuízo da acessibilidade e sentido de abertura.

Princípio 22 Na metrópole contemporânea o desenvolvimento deve acomodar os automóveis de forma adequada. Isto deve ser feito de modo a respeitar os pedestres e a forma do espaço público.

Princípio 23 Ruas e praças podem ser seguras, confortáveis e interessantes para o pedestre. Bem configuradas elas encorajam o passeio, permitem os moradores se conhecerem e com isto protegerem sua comunidade.

Princípio 24 O projeto de arquitetura e paisagismo deve desenvolver-se considerando o clima, a topografia, a história e a prática de construir.

Princípio 25 Edifícios institucionais e lugares públicos de reunião requerem sítios significativos para reforçar sua identidade e a cultura da democracia. Eles merecem formas distintas, porque seu papel é diferente dos outros edifícios e lugares que constituem o tecido urbano da cidade.

Princípio 26 Todos os edifícios devem proporcionar a seu ocupante um claro senso de localização, clima e tempo. Processos naturais de calefação e ventilação podem ser mais eficientes como economia de recursos que os sistemas mecânicos.

Princípio 27 A preservação e renovação de edifícios históricos, áreas urbanas significativas (distritos), e de espaços verdes (landscapes) garantem a continuidade e evolução da sociedade urbana.

Fonte: Elaborado pela autora a partir de Macedo (2007); CNU (2011).

A proposta primordial deste documento segundo Farr (2003) é a criação de cidades e de um ambiente urbano pensado no pedestre, que frequentemente devido ao caráter inovador desta prática, muitos projetos podem entrar em conflito com as legislações vigentes das cidades, no qual, dessas novidades de propostas urbanas mencionamos o transecto urbano-rural, representado na Figura 5 que visa mostrar um desenho longitudinal entre os nichos ecológicos

existentes na paisagem, descrevendo assim os assentamentos humanos mediante a um espectro das áreas silvestres até os centros urbanos. Já o código inteligente fundamentado na forma, representado nas Figuras 6 e 7 de acordo com o autor representa ou altera o zoneamento existente com novos desenhos e priorização da clareza e simplicidade das tipologias dos edifícios, estudando fundamentos como implantação, estacionamento, alturas, usos e aberturas.

Figura 5. Exemplo de Transecto Urbano-rural Figura 6. Exemplo do Código da Forma Fonte: Noleto (2016). Fonte: Noleto (2016).

Figura 7. Exemplo do Código da Forma Fonte: Noleto (2016).

Portanto, a proposição dentro deste universo, é a concepção de bairros com pluralidade de uso e de população, com espaços traçados para pedestres, transporte público e carros, áreas de espaços públicos e comunitários e arquitetura vernácula, com uma participação comunitária ativa no planejamento, desenvolvendo segundo o conceito neo-tradicional um senso comunitário por meio do ambiente construído, criando reciprocidade, influência, conexões

emocionais e pertencimento da população com o espaço. Para Jane Jacobs, os projetos construídos de acordo com o pensamento do Novo Urbanismo é um verdadeiro “parque temático” ou “Disneyficação” das cidades, e não uma cidade em si, são elitistas e não propicia habitação acessível à população de média ou baixa renda (Macedo, 2011).

A Carta do Novo Urbanismo trabalha muito a relação da extinção das cidades subúrbios americanas, com o uso do automóvel e das autoestradas para a interligação dos subúrbios aos centros urbanos. Existe segundo Farr (2003) o questionamento de que esta é uma realidade apenas dos Estados Unidos, porém, se observarmos os grandes centros urbanos brasileiros esta mesma característica de descentralização vem sendo muito apregoada com os “condomínios fechados” cada vez mais distanciados das áreas centrais, trazendo por assim mais deslocamentos, menor qualidade de vida e tempo desperdiçado nos longos engarrafamentos.

A finalidade do urbanismo sustentável para Farr (2003) é justamente enaltecer os conceitos de pertencimento e da comunidade, e seus benefícios sociais resultantes da vida no bairro e o pedestre como ator principal do planejamento urbano, unificando assim as estratégias e objetivos da Carta do Novo Urbanismo, do Relatório de Brundtland e da Agenda 21 para o ambiente urbano elaborada cinco anos após o Relatório de Brundtland.

“(...) cidade sustentável é o assentamento humano constituído por uma sociedade com consciência de seu papel de agente transformador dos espaços e cuja relação não se dá pela razão natureza-objeto e sim por uma ação sinérgica entre prudência ecológica, eficiência energética e equidade socioespacial.” (Romero, 2007 p.51)

Segundo Vitiello, et al (2019), em 1976 a população mundial já excedia os quatro bilhões de habitantes com uma grande latência e desequilíbrio socioeconômico entre as áreas rurais e urbanas, e neste mesmo ano realizou-se a Habitat I, Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos, na cidade de Vancouver, exibindo a divulgação de um Plano de Ação com ênfase no controle do poder público quanto aos processos socioeconômicos e regulatórios ao uso da terra, por meio de um planejamento agregador em âmbitos nacionais, regionais e locais, para o ordenamento da evolução urbana e das desigualdades entre áreas rurais e urbanas.

Com o planeta ultrapassando a marca dos cinco bilhões de habitantes em 1992, surgem indagações quanto a pauta do aquecimento global e das mudanças climáticas relacionadas ao desenvolvimento industrial findando no tema principal das discussões globais, neste ano dá-se a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento [ECO 92] no

Rio de Janeiro, como também ficou conhecida, a Cúpula da Terra. Valendo-se da primeira conferência com a participação efetiva dos governos, sociedade civil e organizações não governamentais, e a de maior relevância no que tange às discussões globais sobre sustentabilidade urbana, e resultando em documentos importantes como a Carta da Terra e a Agenda 21 Global (Vitiello, et al, 2019).

A Carta da Terra é uma declaração dos princípios éticos no qual as nações devem aderir à um mundo justo, sustentável e pacífico. Já a Agenda 21 Global expõe regras para a elaboração de políticas públicas voltadas ao planejamento e à construção de sociedades sustentáveis (Mota, Gazoni, Reganhan, Silveira & Góes, 2008). Da ECO 92 resultaram a Convenção sobre Biodiversidade e a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, com preceitos dirigidos a um modelo de crescimento socioeconômico conjunto à preservação do equilíbrio ambiental e climático. Por intermédio da Conferência das Partes [COP], foi elaborado o Protocolo de Kyoto, em 1997, primeiro Tratado Internacional do Clima com regras rígidas para o controle das emissões de gases de efeito estufa de ações antrópicas, motivadores do aquecimento global até 2015 (Vitello, et al, 2018; Ribeiro, 2008).

Com a aprovação em 2001 do Estatuto da Cidade, estabelecendo diretrizes gerais para o desenvolvimento da política urbana brasileira, considerou-se a participação do cidadão e das associações na gestão democrática das cidades dentro da execução, monitoramento e planejamento do desenvolvimento social urbano. Por meio da participação social segundo Maricato (2015) aspira-se uma saída para a democratização do espaço público e redução na segregação espacial, tornando assim os mecanismos para o planejamento urbano mais democráticos, inclusivos e sustentáveis (Navacinsk, 2018; Bento, et al, 2018).

As Agendas Urbanas de Sustentabilidade passaram a ser segundo Krueger e Buckinghan (2012) um aparato primordial na elaboração de políticas urbanas, propondo de envolvimento e redesenho do espaço e a adequação de sua morfologia às questões de planejamento, por essa razão tiveram aceitação em boa parte das cidades do mundo sobretudo as de grande porte (Vitiello, et al, 2019). Os complexos desafios da sustentabilidade para os governos locais envolvem questões ambientais, equidade social e desenvolvimento econômico, e alguns defensores segundo Ribeiro, Cortese, Kniess e Conti (2019) entendem que a economia desempenha vital papel no atingimento dos objetivos da proteção ambiental, e cidades com melhor saúde fiscal provavelmente terão mais sucesso em políticas de sustentabilidade.

É necessário portanto desenvolver um conjunto de metas e medidas claramente definidas para o monitoramento das cidades através de indicadores de sustentabilidade urbana,

e segundo Negreiros (2018) esses indicadores devem mensurar, monitorar e avaliar os padrões sustentáveis, norteando os rumos do desenvolvimento.